— Eu vi pela janela. Quem era ele? — Minha tia grita assim que cruzo a porta.
Contenho meu susto com um sorriso forçado. É bom ver que ela está animada com o fato de eu ter ficado beijando um garoto por quase vinte minutos em frente de casa. Parecia algo que a maioria das pessoas julgaria como ruim e pecaminosa. Não minha tia Helena, ao visto.
A alegria dela é contagiante e logo estou contando o nome dele e nossa pequena caminhada até aqui. Minha tia fica animada.
— Ele é lindo! Vocês já namoram?
— Não! Claro que não! — Rio sem graça. Não sei o que mais responder, negar parece insuficiente para ela.
— Sei... Lembrei do que aconteceu com seu irmão, coitado, a namorada dele pareceu ser tão legal.
— Carol é legal. Mas ela não merece Breno. Agora vou tomar banho. Tia?
— O quê? — Ela se vira de novo para mim, interrompendo seus passos até à cozinha.
— Pode não contar a Breno? Eu acho que eu quem deveria contar.
— Como você quiser. Ah, a louça do almoço é sua.
Sorrio para minha tia antes de correr para o banheiro.
— Você está mais com mais cara de idiota hoje do que ontem — é o que Breno diz ao entrar no meu quarto.
Deixo o jogo de lado e arrasto minha cadeira até minha cama, onde ele se jogou sem tirar os tênis.
— Tia Helena disse que tinha algo pra me dizer. Fala logo, odeio segredos.
— Não era para ser contado hoje. — Bufo — Eu e Benja... ele é da sua sala...
— Ah, eu sei. Ele é legal. Me ajudou no trabalho de matemática. Ouvi pela boca dos outros o que vocês fizeram. Porque não me disse que não gostava de Dan?
— Eu gostava de Dan, Breno. Mas eu gosto de Benja, gosto mais dele. Eu não conto nada a ninguém, isso é um problema que tenho que tratar. Mas é meio impossível com toda essa droga acontecendo.
— Você está machucado. — Ele diz e aposto que está se sentindo um sábio ao dizer isso, lentamente, profundamente, olhando para o teto.
Claro que eu estou machucado, porra, eu contei onde eram minhas feridas.
Mas isso não é o mais importante, o importante é que não tenho meus pais, nem minha melhor amiga e agora estou me sentindo afundando na minha própria merda. Confiar até em você é difícil, Breno, mas aqui estou eu.
— Espera, vocês estão namorando? — Breno grita como a nossa tia.
— Não! A gente só se beijou.
— Ah, menos mal.
Jogo um travesseiro nele e acerto no seu rosto. Breno o pega e o agarra. Ele começa a rir.
— Você está estudando para as provas?
— Ah, um pouco. Participei do CCB hoje.
— Sério? — Breno franze o cenho — E como foi?
Menti. Mas não totalmente.
— Mais ou menos. Agora que eu já te contei o que era você pode sair do meu quarto.
— Ah, qual é, você não quer rever o clipe da Katy Perry na selva?
— Para você — estendo o dedo do meio para ele.
— Você sabe muito bem onde coloca-lo. Bocó. — Ele pula da minha cama e quando saí, fecha a porta.
Uso o computador para estudar um pouco, mas quando se passam menos que meia hora e não consigo me concentrar mais e pego meu celular. Ligo para Benja.
Quando me atende, ele parece confuso.
— Sou eu, Alison.
— Ah, oi — ele amansa a voz —, escuta... meu pai está aqui.
— Merda. Desculpa.
— Não, tudo bem. Ele só está querendo conversar dessa vez. Algum conselho?
— Pense duas vezes, é o que me disse uma vez — digo e consigo escutar sua risada do outro lado.
Também escuto uma fala feminina. Benja geme de raiva.
— Minha madrasta — explica —, ela também resolveu dar as caras. Tenho que ir. Um beijo.
— Tchau — é apenas o que digo ao desligar.
Tento me concentrar de novo nos estudos mas acabo fracassando miseravelmente. Meia hora se passa e fico me coçando para mandar uma mensagem perguntando se está tudo bem com ele, se aconteceu algo, eu estava me sentindo elétrico e preocupado. Então me lembro de outra coisa que Benja me disse por mensagem: ele escuta música e ajuda.
Coloco os fones e deito na cama com o celular sobre a barriga. Aperto o play no Spotify e fecho os olhos.
Te beijar é incrível.
Sorrio no escuro. Sorrio para o nada e fico pensando nele por um tempo. Depois tiro os fones e vou jantar.
Passo pelo quarto dos meus pais e abro a porta para Sálvia entrar lá. Ela gosta de se deitar na cama deles por um tempo, assim como de se deitar na minha. Fica esticada nos lençóis.
— Eu também, sua gata chata. — Digo quando ela fica confortável nos lençóis. Depois a tiro de lá antes que minha tia veja.
Ela se junta as outras gatas ao redor da cozinha.
Ao fechar a porta do quarto dos meus pais eu percebo o quanto ali é cheio de história. Sinto-me bem em fechar a porta sem hesitar como fazia antes.