— O que é isso? — Breno pergunta.
— Eu preciso mesmo responder?
Coloquei o prato de chocolate na cama dele e lhe entreguei uma colher, nos sentamos frente a frente. O prato era a única coisa que nos separava mas não sei se conta muito; o muro invisível de culpa é bem pior. Por isso tratei logo de pedir desculpas e disse, bem baixinho, que foi sem querer.
— Não vou repetir.
— Não precisa. Certo. Estamos bem. Acho que foi mesmo uma pergunta idiota de se fazer. Até parece que você e Joyce.
— Nunca. — Reafirmo. — Nunca.
Comemos metade do chocolate antes que eu voltasse a falar.
— Aquilo que você falou. Você realmente acha aquilo de mim?
Vejo o rosto do meu irmão se contorcer um pouco e ficar vermelho quando ele coça o nariz e o queixo. A barba rala já mostrando sinais e algumas espinhas aqui e ali. Breno continua calado e assim me deu oportunidade de eu conseguir ouvir meus batimentos acelerados. Não estou nervoso porque estamos sozinhos, já ficamos sozinhos inúmeras vezes. Acho que dessa vez estou com medo porque Breno nunca disse o que achava de mim. Só coisas de irmão dizendo que eu era insuportável, chato, intrometido... eram apenas palavras. Ontem foi uma frase inteira.
— Eu disse aquilo sem pensar. Desculpa.
— Não é a resposta para minha pergunta. Só... Sim ou não?
— Não.
E eu tive certeza de que meu irmão estava mentindo.
Por que ele, primeiro, se afastou de mim como se eu fosse radioativo, porque ele, segundo, olhou para a porta atrás de mim e não nos meus olhos e finalmente, porque ele disse:
— Não. Claro que não.
Eu teria aceitado apenas o não. Só que ele pareceu repetir para tentar convencer a si mesmo, eu já não estava mais ali, era só ele e o debate acontecendo na cabeça dele. É bem simples de entender, na verdade. A repetição leva à incerteza — ou seria ao contrário — e tudo se volta para... isso... o momento. Depois ele vai se virar, me olhar e proferir:
— Pare de pensar nisso.
Comemos em paz.
Eu já não me importava mais. Eu só precisava tirar esse peso das costas e já que tirei, estou melhor. É bom saber o que pensam de mim de vez em quando.
Mais tarde, exatas três horas da tarde, resolvi escrever como Mr. Magnus.
Mr. Magnus:
Schilimmbesserung. É uma palavra alemã, que significa "arrumar o que já está bom pode piorar" — basicamente! E preciso dizer que essa palavra me marcou bastante e talvez todos devessem conhecê-la — assim como todos deveriam conhecer a Taylor Swift.
Eu não diria que a situação com meu irmão estava perfeita. Para ele, estamos bem. Para mim, não estamos melhor que antes mas vou ignorar o que sinto e fingir coisas que estão debaixo do meu nariz não estão ali. É o que se faz, é o que eu faço. Ignorei quando meu irmão me chamou de bicha aos onze anos, mesmo que eu tenha chorado. Ignorei quando minha melhor amiga fez um comentário maldoso sobre como minha mãe não conseguia emprego algum e por isso ficava o dia todo afogando as lágrimas na arte de pintar xícaras de argila. Ignorei a razão quando me envolvi com um cara que fez promessas demais.
Para onde iriam essas coisas que ignorei? Para onde iriam todas as coisas que doíam quando eu não falava sobre elas com ninguém? Se armazenavam, sim, onde? No peito, na cabeça? Parece que quando lembradas doem no corpo todo e mais além.