Faz três dias que B não fala comigo. Faz três dias que meu sono decide sumir para que eu fique olhando o celular e relendo o que escrevemos, às vezes respondendo no mesmo minuto, às vezes não. Eu só queria que ele me respondesse logo, eu não o conhecia e nem mesmo fazia tanto tempo assim que conversávamos; só não consigo parar de pensar que quero trocar mensagens com ele toda hora.
As mensagens de B foi só o começo dos dias ruins. Minha mãe ficou sem inspiração e acabou derrubando algumas xicaras sem querer, o que a fez ficar irritadiça e mandona. Papai saia para escrever na área de casa e criava seu próprio mundo, em alguns momentos ele entrava em casa, preparava a refeição e dizia "Poupem meus ouvidos, quero eles limpos para pensar" e Breno... Ele continuava o mesmo, mas havia algo que ele estava escondendo, ainda não sei o quê.
E enquanto eu era ignorado por B, tentava não atrapalhar meus pais e tentava inutilmente completar minha tarefa, comecei a ter a sensação de ter esquecido alguma coisa, um detalhe pequeno que passou diante os meus olhos e não percebi. Acho que tem a ver com o livro, ou com B. Ou talvez eu queira estar querendo ter um romance como nos livros. Afinal, quem não quer?
Pelo final da tarde Breno me chamou para sairmos.
— Aonde vamos?
— Nós vamos encontrar Carol. — Passamos por nosso pai que estava inclinado sobre o caderno e sua mão se movia rapidamente pelo papel.
As letras dele montavam um parágrafo, os parágrafos dele formavam seus pensamentos. Ele parecia querer transferir o máximo de coisa que poderia para o papel. Recentemente li, recentemente descobri que isso pode mesmo ter efeitos.
Breno e eu fomos caminhando em silêncio. Mas eu estava desconfortável com o silêncio quando vinte minutos se passaram e ainda continuávamos andando, meio que, ao que parecia, sem rumo a não ser reto. Sempre reto.
— Onde sua namorada está então?
— Ah. A gente não vai encontrar ela. Eu menti para você vir comigo.
Parei. Meus pulmões ardiam e eu queria jogar uma pedra de paralelepípedo que estava solta na rua na cabeça do meu irmão. Respirei com força duas vezes antes de grasnar:
— O quê?
Ele teve a decência de parecer envergonhado. Não durou muito, entretanto.
— A gente está indo buscar o presente do nosso pai. Pronto, falei.
— Mas... Mãe disse que íamos comprar o presente hoje.
— É... Mais ou menos... Nós dois já tínhamos o presente, ela só precisou falar com você para não ficar escondendo nada.
— Ah, foi realmente ótimo. Obrigado, vocês são incríveis por isso.
Breno agarrou meu pescoço em um tipo de abraço másculo. Me distanciei dele o mais rápido que pude. Semana passada eu havia lido uma noticia que, em São Paulo, pai e filho foram agredidos porque estavam abraçados depois de um jogo de futebol. As palavras daquela matéria, a imagem dos hematomas, ainda está muito recente e eu não conseguia mais parar de pensar naquilo e no quão ridículo era de se acontecer. Pior, o quão ridículo e real, e que pode acontecer.
Breno não parece ter notado minha súbita insegurança. Notei que coloquei as mãos no bolso para disfarçar que estavam em punho, a unha na palma. Tudo bem, daqui a pouco nem vou notar que fiz isso, as marcas vão sumir em dez ou vinte minutos. Vou esquecer aquela matéria, vou focar nas palavras de Breno.
— ... e vamos busca-lo!
— Vamos buscar quem?
Dez ou doze minutos depois, acho que não mais que isso, estávamos voltando para casa com um gato nas mãos.