VINTE E OITO

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Maria veio me ver. Fazia quase três semanas que eu não ia à escola e quando abri a porta para ela levei um susto. 

— Hum… oi. — Eu disse. 

Acho que sentir vergonha é o único sentimento que ainda bate à porta e entra em mim. Maria me encara. Está usando um boné, o que não é típico dela, mas eu não poderia mais dizer o que era típico dela, acho que não mais.

— Posso entrar? 

Quase disse que não. Quase. Eu não queria que ela entrasse porque havia um lençol sobre o sofá onde eu estava e um enorme prato com restos de macarrão com molho de tomate. Eu não queria deixar que Maria — a tão observadora, Maria — notasse que eu deixei o volume da televisão baixo demais, um sinal de que eu não estava realmente assistindo, que o cheiro rançoso na sala entregasse que eu fiquei ali desde a manhã até agora. 

Em resumo, não queria que ela notasse o quão derrotado eu estava. Essa é a palavra perfeita: derrotado. Nem tão bem —não eram meus melhores dias, minhas melhores semanas — e nem tão mal — afinal, estou vivo, felicidades — apenas derrotado. 

— Entra. 

Fechei a porta depois que ela passou por mim. Breno tinha me mandado uma mensagem falando que iria ficar com Carol por um tempo, então Maria e eu temos um grande tempo. Espero poder acabar com isso depressa, eu até poderia mentir, mas estaria disposto também a falar “desculpe, não quero conversar agora” ou algo pior, eu não sei, o cansaço me deixava rabugento. 

— Vim saber como você está. 

— Estou bem. 

— Não acredito. 

Que droga. Achei mesmo que ela não acreditaria. Acho que prever um “não acredito” de Maria me faz sorrir um pouco, porque isso mostra que algumas coisas ainda estão nos lugares. 

— Estou bem — e acrescento — melhor do que há uns dias. Alguns são piores que outros. 

— Foram apenas três semanas atrás, After. 

Meu apelido em sua boca é um alivio para mim. 

— Eu sei. Maria… você viu as minhas…

— Vi. Eu vi suas mensagens. Desculpe não ter respondido. Mas estou aqui agora e vim me desculpar. 

— Porque você teria que se desculpar? Você me perdoa? 

Maria coça a nuca e depois fica ereta como a estátua de uma militar. 

— Perdoar não significa esquecer, significa soltar a garganta de outra pessoa. William P. Young.  — É o que ela diz. 

Fico sem saber o que falar. 

Mas acho que meu silêncio foi bom, porque Maria relaxou os ombros e passou a mão pela garganta. Percebi o que eu estava fazendo com meus amigos agora que ela falou isso. Eu estava colocando uma coleira nos meus amigos e sempre que soltava farpas sobre seus segredos eu puxava essa coleira, era diversão para mm, mas neles doía. 

Eu brincava de maltratar meus amigos. 

Sinto uma coleira em mim, agora. Apertando cada vez mais, o ar desaparece quase por completo e tenho que me manter em pé forçando minhas mãos na parede. Certo, eu não podia demonstrar que sentia que as paredes estão tentando me esmagar, nem mesmo sei se isso é possível. Estava tudo tão normal e agora sinto que alguém está prestes a me matar… ou algo… as paredes. 

— Maria… — até mesmo a minha voz parecia diferente sem o ar — acho melhor você ir. Breno já vai chegar.

— Eu conheço seu irmão. — Ela retruca teimosa. 

Agora ou Nunca (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora