TRINTA E TRÊS

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Acordei.

Tentei levantar da cama, mas acabei caindo e batendo a cabeça no chão. Gemi de dor e esfreguei a testa; eu não estava cem por cento dos meus movimentos e pensamentos. Me sentia em terceira pessoa. Me sentia fora do meu corpo quando sinto todos os sintomas de estar nele. Sinto sono ainda, mas não quero voltar para a cama, não quero fechar os olhos porque sei que se fizer isso vou me atrasar para ir à escola e prometi a mim mesmo que iria. Levantei e peguei o celular.

— Ah, merda — murmurei.

Já são quase meio-dia.

Eu havia estragado tudo, de novo.

Deitei-me, exasperado. Estou com um gosto ruim na boca, um gosto ruim de decepção comigo mesmo. Eu não conseguia parar de pensar que disse que sim, eu iria conseguir, eu iria conseguir levantar e viver este dia; eu só não contava com meu maior obstáculo, ou seja, eu mesmo.

Dormi de novo, mas dessa vez eu desejei dormir o dia todo.

— Alison? Acorde.

Fui balançado pelo ombro com força. A voz de tia Helena zunindo na minha cabeça me fez abrir apenas um olho e quando confirmei que ela queria mesmo que eu acordasse, fiz um esforço heroico para isso. No banheiro, quase dormi de novo, mas molhei o rosto duas vezes e fingi não querer cair no sofá quando apareci na sala. Parecia que minhas pernas não eram minhas pernas, estavam duras, estavam realizando tudo no modo automático e eu queria que meus sentidos — principalmente a audição — fizesse o mesmo. Tia Helena estalou os dedos na minha cara.

— Ganhei o dia de folga hoje. Vamos organizar algumas coisas. Você foi dormir tarde, não foi?

Era melhor deixa-la supor isso mesmo, pensei devagar.

— Foi.

Ela crispou os lábios e não me repreendeu. Tia Helena deve estar tão perdida quanto um cego em tiroteio tendo que cuidar de mim e de meu irmão já que ela nunca quis ter filhos. Nossas vidas mudaram drasticamente.

— O que vamos arrumar?

— Tudo. Escolha quais coisas você quer guardar e quais quer jogar fora. Vou organizar a cozinha.

Um beijo frio na espinha quando ela disse essas palavras. De repente fiquei um pouco mais desperto; o medo era o antidoto para o sono.

— Vai jogar as coisas da minha mãe fora?

— Não. Vou organizar. Não se preocupe, querido. Quer saber... você parece bem cansado. Pode voltar a dormir se quiser.

Eu queria. Caramba como eu queria.

— Não — digo — acho melhor eu ajudar, tia. Vou limpar o meu quarto. E depois o quarto deles.

— Certo. Pode ir, então.

***

Aconteceu uma coisa atrás da outra. Primeiro entrei no quarto dos meus pais, já suado e cansado de organizar as minhas coisas. Depois vasculhei as coisas deles com cuidado, não mexi em tanta coisa, era doloroso sentir o cheiro deles por toda parte, era, ao mesmo tempo, veneno e antidoto.

Pensei que quando entrasse no quarto deles tombaria com aquele sentimento que mais se parece uma bala de canhão no meu estômago, afundando o que tinha ali e me levando mais fundo ainda. Mas isso não aconteceu, havia só o quarto deles e o vazio dentro de mim, e essas coisas juntas fizeram sentindo, e por fazer sentido eu não chorei. Continuei dando passos para lá e para cá. Depois do que se pareceram vinte minutos eu achei uma pasta marrom que estava cheia de álbuns de fotos. Olhei todas as fotos. Depois que isso aconteceu lembrei da brincadeira do quadro na terça-feira e me da pergunta que fiz ao meu pai antes de ele morrer. "Porque meu segundo nome é Felipe?" e ele nunca me respondeu.

Agora ou Nunca (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora