VINTE E QUATRO

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Não fiquei para tomar café com Dan e com o irmão dele. Os pais deles, pelo menos, já tinham saído. Inventei que minha mãe queria conversar comigo e parecia ser algo sério e afim. Dan me beijou — talvez eu tenha aprofundado o beijo só porque o irmão dele estava de plateia — e depois fui embora, contente pela noite que tive.

Caminhei mais pensando no que responder a Benja. Eu queria elaborar uma resposta que fosse, ao mesmo tempo, inteligente e perspicaz. Porque a inteligência era mesmo algo sensual, mas eu queria ser as duas coisas para ele. Não penso que Benja seja um treinamento para que eu seja inteligente e saiba o que dizer no dia a dia. Na verdade, é o contrário; o dia a dia me treina para falar com ele. Quando pergunto "como foi seu dia" eu queria detalhes, eu queria conhece-lo pelas palavras dele e dava para ver que Benja escrevia bem, ele conseguia fazer aquilo que meu pai faz nos rascunhos dele, que é colocar sentimentos. Eu não consigo e fico com um pouco de inveja disso. Mesmo que eu saiba que, os rascunhos do meu pai são diferentes das mensagens de Benja, cada qual com seus sentimentos. Chegando perto de casa eu já tinha algo pronto, mas estava com vergonha de pegar o celular e digitar tudo o que ensaiei, mesmo estando tudo articulado e explicado, acho que não consigo ser sincero como ele foi, e eu queria. Deus, como eu queria ser sincero com ele, queria que ele soubesse da confusão que me afundo quando penso no que sinto por ele e no que penso o que significa. Existe uma palavra, está bem na ponta da minha língua e mesmo assim, a palavra decide se manter anônima, eu odiava a sensação de saber o que escrever e não conseguir escrever de fato. Isso me consumia a cada passo que eu dava para dentro de casa.

Bato a porta quando entro.

Olho primeiro par a sala e quando ela se mostra vazia, olho para a cozinha. Vejo Breno procurando algo dentro dos armários e Sálvia o encarando em expectativa. Com passos silenciosos vou para meu quarto, ele já sabe que estou aqui só pelo baque da porta. Encontro minha mãe na cama, com um lençol até a cintura e com uma xícara com rosas vermelhas pintadas ao lado dela. Ela está lendo. Não presto atenção no título.

— Está doente? — Pergunto me aproximando dela.

Minha mãe estende a mão e eu a pego.

— Não. Só descansando porque seu pai está quase surtando comigo andando de um lado para o outro.

— E cadê ele? O meu pai.

— Ele foi... Encontrar um homem interessado na casa de praia. Para fecharem negócio.

Desabo na cama ao lado dela. A casa. O dinheiro. Eu tinha esquecido.

— Sei — é o que digo e logo depois —está tudo bem, eu acho. É como a senhora disse... Sempre é muito para se ter algo.

— Exatamente. Quer conversar sobre alguma coisa?

— Acho que sim. Hipoteticamente falando... Se uma pessoa me machuca por não me contar algo, mesmo que... Hipoteticamente, eu já tenha contado algo a essa pessoa também. É o mesmo assunto. O que eu devo fazer? Agir ou ignorar?

— Essas são suas únicas opções? Agir ou Ignorar?

Assinto.

Minha mãe faz carinho na minha mão enquanto pensa. Acho que ela não percebe que seu dedão faz círculos preguiçosos na minha mão. Passo os segundos seguintes enquanto ela pensa, a admirando. Os cabelos estão soltos e caindo no ombro, castanhos escuros. Os lábios estão rachados e os olhos com olheiras. Mas ela parece bem, estava sorrindo até agora pouco, estava admirando sua própria arte na xícara.

Ela era criativa e sabia disso. Acho que o objetivo da minha mãe no clube com as outras mulheres é fazer com que elas também se sintam criativas do seu próprio jeito. Ela já chegou em casa com panos de prato de uma delas, com brincos novos, com unhas pintadas... minha mãe fazia parte de um grupo que tentava se erguer quando o trabalho comum não as aceitava. Uma vez perguntei a minha mãe porque ela não conseguia um emprego normal. Sei que fui preconceituoso... mas minha mãe não ficou brava, apenas sentou-se comigo no sofá e disse que os trabalhos comum, como eu disse, não serviam para ela, que era espaçosa e turbulenta demais. Minha mãe disse que gostava do frenesi e não de espaços confinados e papeladas.

Agora ou Nunca (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora