— O que você quer?
— Acho que a gente tem que conversar. Olha, aquilo lá...
— Está falando da humilhação que você me fez passar? — Por algum motivo, cochicho. Eu poderia muito bem gritar e me sentiria bem com isso. Mas não, porque percebi que ela estava com vergonha.
Porque algo dentro de mim ainda insistia em protegê-la.
— Sabe quantas piadinhas eu ouvi?
Um sorriso amargo surgiu nos lábios dela como eu nunca tinha visto. Ela disse: — Nem imagino.
Sarcasmo.
— As coisas ruins que eu fazia... você também estava lá, às vezes fazíamos essas coisas juntos, se você não lembra.
Eu tive que me controlar para não sair correndo porque era isso que eu mais queria. Comecei a tremer e a ficar com mais dor de cabeça, senti que alguma coisa estava atrás de mim, muito mais perigoso que o sorriso de Joyce. Eu sentia minha unha afundando na minha palma, primeiro devagar para testar, mas comecei a suar sem motivo e a unha fez mais força. Era um momento real, eu não estava sonhando.
Ela continuou.
— Aquilo — ela não diria mais nada se não isso — que aconteceu eu não achei que fosse tão longe. Foi mais para você perceber que você tem sorte. Seu irmão ele realmente preocupa com você, se preocupa muito e não porque ele é o mais velho, ou porque acha que isso seja uma obrigação. Ele fala de você para os amigos, fala como você é criativo e engraçado e até meio besta em alguns momentos. E seus pais são incríveis, até mesmo eles são os melhores. Sinceramente, você já levou uma chinelada? Não, aposto que não, não faria o estilo dos seus pais fazerem isso. Eles passarão o pano em qualquer merda que você faça, After e vai estar tudo bem entre vocês. É injusto que você sempre, sempre, sem nenhuma exceção escape das coisas. Você sempre se safa. E você tem pessoas para te apoiar, consegue isso até mesmo de quem nem é tão próximo de você. Ficou meio-popular no colégio porque seu apelido é estranho e você consegue sorrir e fazer amizade com quem quiser porque é o seu jeito malandro. É chato. É irritante. Quando você me falou que perdeu a virgindade com Dan eu fiquei feliz porque eu tinha feito àquilo primeiro do que você e jurei, para mim mesma, que não importa quantas vezes você pedisse eu nunca te contaria como ou com quem foi. Porque, sério, é isso que você faz com os outros. Você os faz falarem o que você implora para saber e depois você transforma as palavras daquela pessoa em faca contra elas mesmas! Eu vi isso acontecer com Enzo, com Maria, comigo, e até com outras pessoas. E fiquei furiosa quando você... você...
Eu não precisava que ela me falasse isso, eu já tinha percebido. Mas ouvi-la disparar sem hesitar me fez ter aquela mesma sensação de ânsia de mim mesmo de novo.
Não tive tempo de responder — ou ela de dizer mais, como aposto que queria — olhamos ao mesmo tempo para a figura que surgiu na terceira cadeira da mesa. Havia cinco cadeiras, três delas ocupadas agora por mim, Joyce e Benja, que apareceu como fumaça.
Joyce pareceu em dúvida, mas não durou muito. Ela pegou a bolsa que estava aos pés e saiu pisando duro da biblioteca. E eu... eu tive que respirar devagar porque sentia-me zonzo com o tanto de palavras e informações e sentimentos. Eles vieram todos juntos de novo em uma confusão. Era como se quisessem todos assumir o controle enquanto eu tentava afastar a sensação repentina de querer derramar algumas lágrimas para me sentir melhor, essa sensação estava sempre no horizonte.
— Ei, After — escutei a voz de Benja perto, mas eu sentia ondas na minha cabeça latejante — calma. O que aconteceu?
Eu nem sabia como explicar.