VIII

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Gabriel não sabia o que fazer a partir daquele momento. Pelo céus, não sabia nem se tinha realmente escutado aquelas palavras que martelavam em seus ouvidos. Tinha apenas 32 anos e não achava possível que sua audição estivesse falhando. Poderia ele estar alucinando aquilo? Além de monstro agora estava ficando louco. O monstro louco.  Seria cômico se não fosse trágico.


- Você acabou de me propor casamente? - ele se certificou.

- Eu... Er... - gaguejou. - Sim.

Ele abriu a boca pra responder, mas nada saiu. Então, Clara, hesitando, pressionou os lábios nos dele. Mal tocou, mas foi como um raio. 

Quente. 

O corpo dele até formigou como se tivesse mergulhado no fogo. 

Ele precisou de todo seu autocontrole para não aprofundar aquele beijo, pois coisas nada inocentes passavam pela sua cabeça, como deitá-la na cama e beijar todo o seu corpo desenfreadamente. 

Clara afastou-se um pouco para olhá-lo, mas as mãos dele permaneceram envolvendo-a. Ela voltou a beijá-lo, mas dessa vez com ânsia. Sua boca permaneceu na dele e Clara começou a explorá-la. Com a língua. 

Santa mãe de Deus, isso o estava matando.

Ela agitava-se contra ele conforme se aproximava mais, sua boca quente fundida na dele.Uma onda de desejo rolou por seu corpo, mas ele se conteve, sem poderdestruir a doçura que ela lhe estava oferecendo. 


Ela era inocente e sua tentativa de não ficar desamparada o fez afastar-se imediatamente. Um toque de rubor cobriu suas bochechas macias. Então, ele passou a mão carinhosamente por sua face.

- Você não precisa fazer isso, Clara. Eu não a abandonarei. Você estará sob minha proteção a partir de agora. - as palavras saíram com dor. Quem dera alguém tão linda e doce pudesse realmente querer casar com ele, por ele mesmo. Não por seu dinheiro ou proteção como parecia ser o caso de Clara.

- Eu não te beijei por isso. - ela disse com a voz embargada. - Acredito que possamos, de fato, casar. Nós combinamos, Gabriel. - como era doce seu nome nos lábios dela, na voz dela. - A não ser que você não me ache digna de ti. - ela se afastou dele.

Os olhos dele demonstravam pavor e Gabriel voltou a segurá-la pelos braços, mas quando ia falar, Clara foi mais rápida e tinha os olhos marejados.

- Por favor, me perdoe. Eu jamais devia ter proposto algo assim. - agora as lágrimas caiam e sua voz estava entrecortada. - Fui uma tola, uma ingênua e ousei sonhar em me casar com um homem como o senhor.

- Acalme-se, Clara. - ele a abraçou mais uma vez sem se importar que estavam no meio da rua. Gabriel olhou ao redor e observou que uma pequena multidão apreciava o espetáculo. - Venha, vamos sair daqui. Precisamos conversar com calma, sem expectadores.

Ela se deixou ser conduzida de volta à carruagem. Eles seguiram em silêncio até uma estalagem. Ao chegarem lá, já era noite, Gabriel pediu dois quartos. Clara permanecia em silêncio, só queria entrar naquele maldito quarto e chorar toda a sua humilhação. Como pôde propor casamento a um homem? Só podia estar louca. 

- Esse é o seu quarto, Clara. - disse ele em frente a porta. - O meu é este à frente do seu. - ela assentiu sem encará-lo.  - Pedi um banho quente pra você e sua refeição. - ela assentiu mais uma vez. - Boa noite. 

Clara nada falou e entrou no quarto. E as lágrimas que estavam segurando, foram derramadas a todo vapor. Clara caiu na cama e chorou amarga e copiosamente. Os sonhos infantis de Clara desapareceram ao longo dos anos, para serem substituídos pela lógica de uma mulher que vivia numa sociedade em que nunca teria voz ou vez. Foi por isso que aceitou se casar com Antônio Simas. Mas ao conhecer Gabriel, Clara realmente acreditou que tudo poderia ser diferente. Acreditou que homens poderiam ser diferentes de Antônio, de seu pai. Acreditou que poderia se casar e viver um grande amor. Acreditou que um homem como Gabriel a amaria, cuidaria dela. Dar-lhe-ia filhos. Dias sossegados e noites carregadas de paixão.

Um único beijo a deixou febril.  O beijo dele poderia liquefazê-la, mas ele não sentia o mesmo e isso estava claro como água. Talvez ele ainda amasse a noiva que Dada falara.

Uma batida soou à porta fazendo Clara saltar da cama. Seria ele?

- Srta. Clara, trouxe seu banho. - ela suspirou e enxugou o rosto.

Uma jovem entrou no quarto com mais duas moças e encheram a banheira.

- Eu mesma posso ajudá-la a se banhar. - disse a mais velha das três. - Sou Maria das Graças, senhorita. 

- Muito prazer, Marias das Graças. Pode me chamar de Clara, já que temos idades próximas. - a moça apenas sorriu.

- Deixe-me ajudá-la a tirar sua roupa.

Maria das Graças não parava de tagarelar e isso fez bem a Clara, a fez esquecer Gabriel temporariamente. Depois de banhada e perfumada, a moça saiu para ir em busca do jantar de Clara. E mais uma vez seus pensamentos se voltaram para Gabriel. Uma nova batida na porta soou e Clara foi abrir esperando ser Maria das Graças, mas era Gabriel que tinha diante de si. Seus olhos arregalaram, ela não o estava esperando. Olhou para si mesma e viu vestida apenas com uma camisola e por cima um penhoar. Ele estava mais vestido, mas percebia-se pelo cabelo molhado que também tinha tomado banho.

- Precisamos conversar, Clara. - ela assentiu e deu passagem para ele entrar.

Ele entrou e logo outra batida.

- Deve ser meu jantar. - ela falou e logo foi abrir a porta.

Maria das Graças o viu ali, deu um sorriso sugestivo para Clara e se retirou sem nada dizer.

- Nós realmente não precisamos conversar, senhor Braga. Foi uma impertinência de minha parte propor tal coisa ao senhor. - ela despejou sem encará-lo, totalmente envergonhada.

- Gabriel.

- O que? - olhou-o.

- Somos amigos. Pode me chamar de Gabriel.

Ela engoliu em seco. Não queria ser amiga dele. Queria mais. Sabia que não podia querer. Mas queria.

- Então como meu amigo, perdoe-me a impertinência, Gabriel. - ele sorriu de leve.

- Não foi impertinência, Clara. Eu a compreendo. - ela deu um longo suspiro. 

Os dois permaneciam em pé no meio do quarto. 

- Compreendo o fato de você estar se sentindo sozinha no mundo e quis se aproximar da única pessoa que a ajudou nesse período em que você está vivenciando.

- Por favor, eu não quero mais falar sobre isso. - deu as costas para ele e apoiou a mão no dossel da cama. - Já estou envergonhada o suficiente.

- Mas eu preciso falar, Clara. - ele se aproximou um pouco mais e Clara pôde sentir sua voz rouca, todos os pelos do corpo se eriçaram. Eles estavam naquele quarto pequeno sozinhos. E ela o queria. Não sabia como, mas queria. - Quero que saiba que jamais a desampararei. Nem financeiramente, muito menos emocionalmente. Confie em mim, Clara, não permitirei que Antônio Simas sequer chegue perto de você. Mas não precisamos nos casar pra isso. Eu não sou pra um anjo como você. 

- Eu não quero nada de você. - disse se virando, com a voz cheia de dor e amargura. - Não preciso da sua piedade, Gabriel Braga. - as lágrimas pareciam pular dos seus olhos. - Não precisa ficar inventando desculpas. Já entendi que você não me quer. Já deixou perfeitamente claro que não me deseja como esposa.

Aquelas palavras eram muito profundas e por um momento Gabriel absorveu-as.

- Você acha mesmo que eu não a desejo, Clara? - ela não respondeu.

Então como um predador encarando sua presa, ele foi ao encontro dela.



Era uma vez... a Bela que Salvou a Fera (em FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora