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Era pra ser um dia como qualquer outro para Gabriel Braga. Ele sempre acordava antes do sol despontar no horizonte, fazia seus exercícios para manter forte o braço direito, que fora atingido pela bomba na guerra, tomava seu desjejum e saía a fiscalizar suas terras. Averiguava como estava o estoque, a colheita e a plantação de café. Depois de todo esse compromisso, relaxava em seu paraíso particular: a cachoeira escondida pela mata local. Mas não houve tempo de chegar até, pois a viu.

Gabriel nunca vira nada parecido. Aquela mulher desmaiada em seus braços tinha uma aparência angelical, uma beleza impossível. Não era a mulher mais linda que já conhecera, mas mesmo assim era... perfeita. Deus!!! Ele estaria cobiçando aquele anjo? Sentiu desprezo por si mesmo. Com todo esforço do mundo e apesar da dor dilacerante que sentiu em seu ombro direito, colocou a moça no lombo do cavalo, depois subiu. Ajeitando-a perto de seu peito, seguiu de volta à casa grande. Momentos depois estava deslizando em sua montaria segurando-a firme para minimizar o impacto quando chegasse ao chão.

- Patrão, quem é a moça? - perguntou um dos negros.

- Não sei, Bastião. - respondeu muito apressado entrando em casa.

- Sinhozinho, o que houve? - Dada, sua ama de leite, perguntou aflita.

- Encontrei essa moça nas minhas terras, Dada. - dizia já se dirigindo ao seu próprio quarto. Dada seguiu-os. - Ela perdeu os sentidos antes de me dizer porque estava aqui.

Com todo cuidado, Gabriel deslizou a moça em sua cama e inspirou o ar com força olhando-a. Era realmente bela. Bela como um anjo.

- A moça parece que fugiu do próprio casamento. - comentou Dada.

- Cuide dela, Dada. Vou pedir ao Bastião que traga um médico da cidade.

A velha negra assentiu e ele se retirou. Dada mandou Ritinha buscar uma jarra de água morna e panos limpos, a pobrezinha estava muito suja e suava demais. Dada não conseguia tirar a roupa da moça, então teve a ideia de rasgá-la deixando-a somente com a combinação de baixo. Ritinha logo apareceu e as duas se encarregaram de limpar a menina desfalecida.

Gabriel andava de um lado para o outro na sua imponente sala-de-estar, preocupado com aquela desconhecida. Ele não entendia porque estava tão aflito. Nunca vira aquela moça, mas dentro dele sentia uma agitação. De repente gritos foram ouvidos. Gritos daquela moça. Gabriel correu para o quarto. Aquele anjo em forma de gente se contorcia tentando se livrar dos braços de Dada e a pobre velha não conseguia contê-la.

- Acalme-se, moça. - disse ele sentando na cama e segurando-a pelos braços.

Ela o olhou, mas não sentia o aperto em seus braços. De seus olhos, ele via saindo lágrimas de medo, não de dor.

- Por favor, não me entregue a ele. - seus lindos olhos cor de esmeralda estavam apavorados. - Ele é mal. Por favor. - um choro lamentoso se seguiu. - Ele me fará mal.

- Shhh. - ele apoiou a cabeça dela em seu peito. - Ele não lhe fará mal. Ele não está aqui. - falava de maneira branda, o mais brando que conseguiu. - Eu protegerei você.

Sim, ele a protegeria. Não sabia do que ou de quem, mas a protegeria. Nem que para isso dependesse a própria vida.

Aquele anjo chorou em seus braços e seu peito comprimiu. Até que o choro foi diminuindo e ela caiu novamente na escuridão. Gabriel ajeitou-a na cama.

- Quem será esse homem, sinhozinho? - perguntou Dada com uma voz carregada de dor sentida pela menina.

- Não sei, Dada, mas ela está com muito medo dele.

- Acho que é o noivo de quem ela fugiu. - disse Ritinha.

Gabriel não gostava de mexericos e olhou feio para a mulher mais nova. Dada também reprovou a menina com o olhar.

- Ritinha, saia e espere o médico lá fora. - Dada falou cheia de autoridade.

Quando Ritinha saiu, Dada se aproximou da cama onde Gabriel estava sentado olhando para aquele anjo.

- Acho que a Ritinha está certa. Essa moça fugiu de algum noivo.

- Também acho, Dada. Mas não permitirei que ele faça mal a ela.

- E se for o marido? Ele tem direitos sobre ela. - falou preocupada com o seu menino.

Dada amava Gabriel como a um filho. Fora ela que cuidara dele por toda a infância. Fora ela que cuidara dele quando a desgraça se apoderou de sua vida, quando estava sem forças nem para lutar. Ela sempre estivera ao lado de Gabriel e o amava mais que seus próprios pais.

- Não me importa, Dada. Não vou deixar nenhum mal acontecer a ela. - disse com a voz cheia de um sentimento que até então não conhecia.

- Você pode se prejudicar, menino.

Antes que ele pudesse responder algo, a porta se abriu e Ritinha entrou avisando que o médico chegara. O doutor Rodrigues examinou a moça com Dada ajudando-o. Minutos depois ele saiu e encontrou Gabriel na sala.

- Como ela está, doutor? - perguntou, aflito.

- Ela está bem. Só emocionalmente desgastada. Você sabe o que pode ter acontecido para a moça estar assim?

- Problemas de família. - tentou ser evasivo.

O doutor Rodrigues perscrutou o recluso Gabriel Braga e depois de alguns segundos, assentiu.

- Quer dizer que ela é da sua família?

- Tal qual eu lhe disse. Ela precisa de algum medicamento?

- Ela já está com febre. Deixei com sua escrava uma poção para dar de duas em duas horas. - Gabriel assentiu. - Pode ser que delire, mas é normal. Amanhã ela deve estar bem. Seus pés estão muito machucados, parece que andou por muitos quilômetros. - Gabriel franziu o cenho. - Sua ama sabe o unguento que aplicar.

- Obrigado, doutor Rodrigues. Amanhã meu contador vai até seu consultório pagar seus honorários, inclusive pela sua discrição. - o médico assentiu.

- Obrigado, senhor Braga. - então se retirou.

Dada e Ritinha passaram para a cozinha, provavelmente para providenciar o que o médico receitara, e Gabriel retornou ao quarto. Olhou aquela moça pequenina e pálida em sua cama. Ela parecia delicada e fraca, mas tinha certeza que não era. A dor emocional que parecia estar sofrendo a fizera andar muito para garantir que fugisse do seu algoz e isso já sugeria que aquele belo anjo era uma mulher com espírito e muita força interior. Ela ficaria bem, ele decidiu. E ele faria de tudo em seu poder para ter certeza que ela o fizesse. Ele a protegeria do mundo se preciso fosse.

Era uma vez... a Bela que Salvou a Fera (em FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora