XXIV

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Madeiras estavam caídas na entrada principal impedindo a passagem. Fera estava ladrando agora freneticamente, quase à histeria. Gabriel ordenou que seus empregados que o seguiram arrumassem baldes de água para conter o fogo. Não queria nem cogitar que talvez fosse muito tarde para salvar sua amada.

Seguiu até uma porta aberta na lateral. O cão entrou correndo na capela. Tudo lá dentro estava escuro e o cheiro era sufocante. Respirando profundamente, Gabriel entrou. O crepitar das chamas, a turva fumaça se metia em seus pulmões tentando absorver todo o ar.

- Clara! - gritou esperando que pudesse lhe ouvir ainda.

Quando só tinha dado uns passos ouviu um forte rangido. Antes que pudesse levantar uma mão, uma viga pesada lhe deu um golpe na têmpora. Gabriel começou a cair , mas reunindo todo seu amor por Clara, ficou em pé e cambaleando seguiu latido de Fera, pois já não conseguia ver mais nada. O latido do cão se converteu em um agudo gemido que parecia quase humano. Então ele a viu. Gabriel correu até ela, a suspende em seus braços e estremeceu de alívio ao sentir o murmúrio de seu fôlego contra seu rosto.

- Aguente um pouco, meu anjo. - sussurrou lhe dando um beijo na fronte. - Vai ficar tudo bem.

Levando‐a como um tesouro precioso, voltou correndo por onde tinha vindo, esperando que o cão o seguisse. Não diminuiu o passo até que estivam longe da sufocante nuvem de fumaça e cinzas. Quando Clara aspirou a primeira baforada de ar fresco começou a tossir com um som rouco e agonizante que saía do mais profundo de seu peito. Ajoelhando‐se em um leito de folhas úmidas, Gabriel a recostou sobre seu colo. Tinha a bochecha quente, mas não podia determinar sua cor. Morrendo um pouco com cada uma de suas respirações tortuosas, esperou a que lhe acometessem os espasmos.

De repente algo frio e úmido lhe roçou o braço. Gabriel tocou o pelo da cabeça do cão e lhe deu uma suave massagem para tentar acalmar seu violento tremor. O medo de quase tê-la perdido ainda era pungente em seu corpo, em sua alma.

- Você é o melhor cão do mundo, Fera. - disse, emocionado.- Salvaste-me a vida.

Quando Clara abriu os olhos, viu o Gabriel sobre ela com a cara tensa de preocupação. Inclusive com suas cicatrizes e agora manchado de fuligem, era o homem mais bonito que tinha visto na vida.

- Amo-te. - disse ela simplesmente.

Gabriel escondeu o rosto em seu cabelo, agarrando‐a como se não fora a soltá‐la nunca. Clara gemeu brandamente pelo bem que se sentia de novo em seus braços.

- Está ferida? - Baixando suas costas em seu colo, passou freneticamente as mãos por seus braços e suas pernas - Tem algo quebrado? Tem alguma queimadura?

- Acredito que não. - Moveu a cabeça de um lado a outro e logo fez uma careta ao sentir uma dor aguda na cabeça. - Mas minha cabeça parece que vai explodir .

- A minha também.

Pela primeira vez Clara viu o corte sangrento que tinha na têmpora esquerda. Mas não era por isso que a cabeça lhe doía, mas pelo medo, pelo pânico de quase tê-la perdido. Se não houvesse chegado a tempo, se simplesmente Fera não o tivesse encontrado. Gabriel não queria nem pensar o que teria acontecido com seu lindo anjo.

- Oh! - exclamou. - Precisamos ir para casa fazer-lhe um curativo.

Os olhos dele encheram lágrimas ao dar‐se conta do quão perto tinha estado de lhe perder e ao invés de preocupar-se consigo mesma, estava preocupada com ele.

- Não se preocupe comigo, meu amor. Estou bem. - ele deu um longo suspiro. - O que aconteceu, Clara? Como a capela pegou fogo? O que você estava fazendo aqui a essas horas?

- Foi minha culpa. - falou constrangida e olhou em direção ao que restava da capela. Viu os trabalhadores tentando conter o fogo. - Estava preocupada por causa dessas pragas, então vim rezar. Mas Antônio apareceu.

- O que? - disse alterando-se.

- Ele provocou essas pragas. Ele disse que iria deixá-lo na miséria. - falou amedrontada.

- Acalme-se, meu amor. Ele fez alguma coisa com você ? Aquele verme te machucou?

- Ele tentou, nas nosso lindo cãozinho me defendeu bravamente.

O cão que estava quieto deitado num canto mais afastado observando o movimento dos trabalhadores, pareceu saber que falavam dele e se aproximou da sua dona, pronto pra receber carinho. E ela não o decepcionou, estendeu as mãos e o abraçou.

- Obrigada, meu bravo cãozinho.

- Ele foi até o cafezal me buscar pra te resgatar.

- Então eu tenho dois heróis. - ela sorriu.

- Disseste‐me que algum dia ele me salvaria. - disse Gabriel - E tinhas razão. Tu és a minha vida, Clara. Por causa dele... - alisou a cabeça do cão. - minha vida foi salva.

As lágrimas que ela vinha segurando, verteram sem trégua.

- Amo-te tanto, tanto. - Ela levantou a mão para lhe acariciar a bochecha e a rugosa cicatriz, emocionada por suas palavras.

 - Também és a minha vida.

Gabriel a beijou como um alucinado. Buscava sua língua como um desvairado busca um oásis no deserto. O medo de perdê-la foi pungente. Ele a beijava com a ânsia de um louco. Ele se alimentou do seu beijo doce. Clara correspondeu aquele beijo na mesma intensidade.

- Você não vai se dar bem, Gabriel Braga.

Os dois olharam na direção da estrondosa voz. Antônio Simas. Ele não estava sozinho, vários capangas estavam com ele. Gabriel se levantou e ficou na frente de Clara.

- Sansão! - gritou ele e logo o negro robusto estava ao seu lado. - Leve Clara pra casa. Com proteção.

- Sim, patrão.

Sansão foi em direção à Clara. 

- Não, Gabriel, eu não vou deixá-lo. - falou, aterrorizada.

- Por favor, Clara, eu ficarei preocupado com você e não me concentrarei no que devo. - falou ele para que só ela escutasse.

- Mas e eu? Vou morrer de preocupação com você?

- Nada de ruim vai me acontecer, meu amor, pois eu tenho você pra voltar.

Ela assentiu a contragosto. Sansão a ajudou a se levantar.

- Não, Clara, você não vai. Faço questão de matar seu marido na sua frente. - bradou Antônio e logo deu um sorriso cínico para Gabriel. - Não se preocupe, Braga, quando você estiver morto cuidarei muito bem da doce Clara.





Era uma vez... a Bela que Salvou a Fera (em FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora