Setembro, 1876.
Clara olhou-se no espelho e achou-se linda em seu vestido de noiva. Enfim chegara o dia em que ela sempre sonhara. Seu casamento com o belo, educado e cavalheiro Antônio Simas. Não estava apaixonada, era bem verdade, mas sua mãe a garantira numa conversa cinco anos antes, quando o seu casamento fora acertado, que também não amava seu pai antes de se casarem, mas o tempo e os cuidados do marido a fizeram se render totalmente à paixão. E a verdade é que nada era mais lindo para Clara que o amor dos pais.
Infelizmente o pai mudara muito depois da morte prematura da esposa e se casara com a vil Hilda Simas, tia de Antônio. A mulher lhe causava calafrios e ela temeu que Antônio fosse como a tia, mas ele lhe confessara certa vez que não apreciava a companhia da megera e isso aliviou seu doce coração. Toda a cidade de Santos pararia para ver a boda mais esperada da cidade. O filho do fazendeiro local mais rico e imponente voltara de sua estadia de estudo em Portugal para se casar com a menina mais linda da cidade, a filha de um rico comerciante.
Mas espere.
Clara está correndo e sua disparada é tão grande que seu vestido de noiva parece asas de uma pomba. A igreja fica no sentido oposto. De certo ela não está se dirigindo ao seu casamento. Talvez ela esteja apavorada com o que viu mais cedo e exatamente por isso esteja fugindo do seu matrimônio.
Sim. A doce e linda Clara está fugindo. Ela não para de correr e agora se embrenhou na mata. A jovem para um pouco para tirar seus sapatos e continua sua incursão. Seus pés doem, mas é necessário não parar, não descansar até alcançar seu destino. Sua intenção é chegar à Jundiaí, cidade onde mora sua tia, irmã de sua mãe. Ela segue a linha férrea a uma certa distância. Ela não pode ser vista. Não pode ser encontrada. Quando a mãe morreu, Clara passou quase um ano com a tia e seu pai a levara de trem. A viagem durou apenas três horas, mas a pé esse tempo seria, com certeza, mais que quadruplicado.
O sol já tinha ido embora. O cansaço tomava seu corpo. Ela tinha fome, sede, mas não podia parar. Clara arrancava forças não sabia de onde, a única coisa que tinha certeza era que tinha que correr, fugir de Antônio Simas, o noivo que não era o que ela pensava.
A cerimônia de casamento seria ao meio dia, mas ela começou sua viagem a pé por volta das dez. Anoiteceu e uma linda lua brilhou no céu, então ela já devia estar correndo há umas doze horas. Ela estava apavorada. Clara pedia força aos céus. Para não desistir. Para não fraquejar. Para não ser pega. O sol começava a deslumbrar a paisagem novamente, outro dia se anunciava. Mas uma movimentação de cavalos perto da linha férrea a fez temer, então Clara entrou mais na mata. E se fossem os homens de Antônio? E se fosse o próprio Antônio? Com certeza ele a puniria, como fez com aquele pobre escravo.
O medo foi tanto que ela enveredou mais e mais na mata. Um barulho de água corrente encheu seus ouvidos. Estava sedenta. Mas antes que pudesse achar a fonte para saciar sua sede, deu com um campo aberto. E viu um homem ao longe montado em seu cavalo. Era o fim para pobre Clara. Ela não conseguia mais. Estava muito cansada. Perdera a batalha. Clara tombou a exaustão. Parecia que estava caindo de um precipício lentamente, ela apenas se entregou. Esperou que o capanga de Antônio a alcançasse.
Gabriel estava em seu cavalo num passeio por sua fazenda como todas as manhãs. Já tinha averiguado o cafezal com os trabalhadores e se dirigia ao seu banho de cachoeira no seu lugar preferido no mundo inteiro. Era o lugar dele. Ninguém estava autorizado a ir pra lá de modo que ele sempre conseguia paz no seu pequeno reduto. Então ele apertou os olhos para o que via há uma certa distância, algo parecido com plumas brancas flutuando no ar. Sua curiosidade o fez se aproximar a um galope frenético.
E quando Gabriel chegou viu uma moça vestida de noiva sentada no chão. Ele desceu do cavalo para inquirir a invasora o que ela fazia em suas terras, quando ela levantou seu olhar para ele. Ele a olhou diretamente em seus olhos verdes esperando que ela se assustasse com seu rosto cheio de cicatrizes e começasse a gritar, mas ela apenas o encarou com uma calma surpreendente. Gabriel viu que a moça estava em estado deplorável. Seu vestido estava sujo, seu cabelo parecia um ninho de passarinhos, seu rosto abatido. Ele se agachou e ficou muito perto dela.
Era linda.
- Por favor, não me entregue pra eles. - ela disse num sussurro suplicante.
- Tudo bem, moça. Você está segura. - Gabriel se viu dizendo sem pensar, o desejo de protegê-la foi maior que seus receios.
Ela sorriu, mesmo que tenha sido um sorriso débil, Gabriel presenciou a luz que deve existir no paraíso e sorriu também. Ele não soube como os músculos da face não lhe doeram, pois há exatos seis anos não sorria.
- Anjo. - ela sussurrou ainda sorrindo.
Gabriel inclinou a cabeça, um tanto incerto.
- Esse é seu nome, moça?
- Meu nome é Clara. Você é o anjo. Meu anjo.
Gabriel tinha certeza que ela estava delirando e quase disse: Não, eu não sou um anjo. Sou um monstro. Uma fera.
Mas ela acrescentou:
- Eu morri e você é o anjo que veio me buscar.
Ele estava deleitando-se com as palavras dela. Nunca fora chamado de anjo, nem antes e muito menos depois de ter seu rosto desfigurado. De certo a linda moça estava delirando. Gabriel a pegou nos braços ao qual a bela moça se aninhou de muito bom grado. Clara fechou os olhos e mergulhou na escuridão.
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Era uma vez... a Bela que Salvou a Fera (em FINALIZADO)
RomanceÉ 1876. Seis anos após a Guerra do Paraguai, Gabriel regressou da guerra com parte do rosto desfigurado. Ele afastou a todos e vive recluso em suas terras por achar-se um monstro, uma fera. Mas isso está prestes a mudar com a chegada da doce e bela...