Rugge on·
Meu dia tinha sido dominado por um par de seios sem rosto e uma tatuagem de pena. Pior, eles falavam.
E de todas as coisas que ela poderia ter escrito para mandar junto com aquelas fotos de partes do corpo escolheu aquelas palavras. Ela mandou a única mensagem que me faria desabar e acabaria com o resto do meu dia. Da semana, talvez.
"Sua mãe deve sentir vergonha de você."
Foda-se, Karol Itzitery. Foda-se, porque você está certa.
Essa desconhecida havia me atingido. Ela havia dito seu nome apenas uma vez pelo interfone, mas não esqueci. Normalmente nomes entravam por um ouvido e saíam pelo outro.
Karol Itzitery.
Bom, tecnicamente o nome completo era Karol De Nada Babaca Itzitery.
Como ela achou meu telefone?
A mensagem continuou me atormentando e eu a li várias vezes.
"Sua mãe deve sentir vergonha de você."
Cada vez que eu lia ficava com mais raiva que na vez anterior, porque no fundo sabia que não existiam palavras mais verdadeiras. Minha mãe teria se envergonhado de mim pela maneira como eu tratava as pessoas diariamente. Cada pessoa lida com um jeito diferente com a tragédia. Depois que minha mãe morreu, escolhi afastar todos de minha vida concentrando toda energia nos estudos e na carreira. Não queria sentir mais nada, não queria me conectar com ninguém. O jeito mais fácil de garantir isso era afugentando as pessoas. Se ser um babaca fosse uma forma de arte, eu a dominava. Quanto mais bem-sucedido eu era, mais fácil ficava. É impressionante o que um homem na minha posição e com a minha aparência pode conseguir. Quase ninguém chamava minha atenção pelas bobagens que eu fazia ou me questionava por elas, simplesmente aceitavam. Em todos esses anos, ninguém havia falado comigo em meu local de trabalho como Karol Itzitery tinha feito hoje. Ninguém. Sua atitude corajosa pelo interfone me impressionou, mas quase esqueci por completo essa história até Ava, a recepcionista, bater na porta da minha sala para me entregar o celular. E agora, mais tarde, eu ainda estava ali sentado e totalmente obcecado com a profunda constatação que vinha das palavras de Karol. E obcecado também com o par de mamilos salientes embaixo de um vestido que tinha a cor do demônio.
Apropriado.
Karol Itzitery era um diabinho.
Ela me impediu de prestar atenção ao trabalho, por isso, cancelei uma reunião à tarde e deixei o escritório.
Em casa fiquei sentado no sofá bebendo conhaque enquanto continuava ruminando. Sentindo que alguma coisa estava errada comigo, meu West Highland Terrier, Blackie, ficou sentado aos meus pés sem nem se incomodar em tentar me convencer a brincar com ele.
Meu apartamento no Upper West Side tinha vista para o skyline de Manhattan. Agora estava escuro, com as luzes da cidade iluminando o céu noturno. Quanto mais eu bebia, mais as luzes pareciam brilhar e mais minhas inibições desapareciam. Em algum lugar na cidade grande Karol devia estar satisfeita com sua atuação, sem saber que havia me destruído com ela. Olhei de novo para a imagem da pena tatuada no pé dela e pensei que se não havia mostrado o rosto provavelmente era porque era feia como o demônio. O pensamento que me arrancou uma gargalhada que ecoou na sala fria e vazia. Queria saber como ela era. Queria ter aberto a porta do escritório só para fechá-la na cara dela.
Meu dedo se aproximou do nome que gravou. De Nada, Babaca. Queria fazer essa mulher se sentir tão mal quanto ela fez a mim. Nada me impedia de tentar, e tentei. Respondi à mensagem de texto.
Rugge: minha mãe morreu, na verdade, mas sim, acho que ela teria sentido vergonha.- acho que uns cinco minutos passaram antes do celular apitar.
Karol: sinto muito.
Rugge: que bom.- eu devia encerrar a conversa por aí. Ela já devia se sentir bem mal e isso podia ser o fim da história, mas eu estava alterado e cheio de tesão. Passar o dia todo olhando para os seios, as pernas e a bunda dela tinha mexido comigo.
Rugge: o que está vestindo Karol?
Karol: é sério?
Rugge: você estragou meu dia. Está me devendo uma.
Kah: eu não te devo nada, pervertido de merda.
Rugge: diz a mulher que me mandou uma foto do decote. Belos peitos, aliás. São tão grandes que quando olhei pela primeira vez achei que fosse uma bunda.
Kah: você que é um bundão.
Rugge: mostra seu rosto.
Kah: por quê?
Rugge: porque quero ver se ele combina com sua personalidade.
Kah: e isso significa o quê?
Rugge: bom, não seria nada bom para você.
Kah: não vai ver meu rosto nunca.
Rugge: talvez seja melhor. Vai, me dá uma dica do que está vestindo.
Kah: é vermelho.
Rugge: ainda está com o mesmo vestido?
Kah: não, estou pelada, com tinta escorrendo pelo corpo e língua latejando, graças a você- esse comentário foi bem esquisito.
Rugge: a imagem que isso sugere é bem interessante.
Kah: você é maluco, cara.
Rugge: eu sou um pouco maluco, na verdade. Provavelmente preciso de um psiquiatra, porque passei o dia todo fantasiando com uma pessoa sem cabeça.
Kah: bom, nem adianta pedir um nude, não vai rolar.
Rugge: e se eu mandar primeiro?- ela deve ter ficado chocada, porque não respondeu mais. Decidi parar de atormentar a mulher, joguei o celular em cima do sofá, peguei Blackie e o coloquei sobre meu peito nu, onde ele ficou até eu dormir.
No dia seguinte consegui tirar Karol da cabeça, mas duas manhãs depois a obsessão voltou com força total.
O trem estava particularmente cheio e eu não encontrei um assento vago. Segurando uma das barras de metal para me equilibrar olhei em volta. Quase nunca prestava atenção às pessoas no trem e agora lembrava por quê.
Gente bizarra.
Em um momento olhei para o chão, para o pé de uma mulher do outro lado do corredor. Meu coração disparou quando vi a tatuagem de pena igual à de Karol. As unhas dos pés estavam pintadas com o mesmo tom de vermelho.
Puta merda.
Era ela.
Ela pegava o mesmo trem! Deve ter sido assim que ela encontrou meu telefone.
Eu não podia levantar a cabeça. Não queria me decepcionar. Seria muito melhor só manter a fantasia sem ter que encarar a realidade.
Mas, Deus, eu tinha que olhar. Precisava saber como ela era.
Contei até dez lentamente e deixei meus olhos subirem por suas pernas que estavam cruzadas. Saia de couro preto, bolsa de estampa leopardo, camisa decotada roxa mostrando ao vivo o material com o qual eu havia fantasiado. Meus olhos finalmente ultrapassaram o pescoço.
Porra.
Porra.
Porra.
Ela olhava para frente. Cabelo preto, liso e sedoso com as pontas pintadas de vermelho e preso em um rabo de cavalo expondo o pescoço longo e delicado. Batom vermelho brilhante na boca formando uma curva perfeita, nariz empinado, olhos verdes e enormes. Quem poderia imaginar, o diabo tinha cara de anjo. De fato, Karol Itzitery era um arraso. Senti o movimento empolgado dentro da calça. Se antes eu tentava esquecer essa mulher, agora seria impossível.
Quando ela virou e me viu olhando para ela nossos olhares se cruzaram. Sem saber se ela me reconheceu senti o coração acelerar. Em seguida ela simplesmente desviou o olhar e indiferente se virou para a janela do trem.
Ela sabia como eu era?
Tentei lembrar de alguma coisa. Tinha só umas duas fotos minhas no telefone, nas quais eu parecia vestido de um jeito casual durante uma visita à minha avó. Talvez ela não tivesse visto as fotos. Não, Karol Itzitery com certeza teria aberto a boca grande se houvesse me reconhecido.
Ela não sabia.
Suspirei aliviado e continuei olhando para aquele rosto bonito fascinado por ela ser a mesma pessoa que virou minha vida de cabeça para baixo no outro dia. Um assento vago chamou minha atenção. Me sentei, peguei o celular e procurei o nome dela nos contatos.
Isso seria divertido.
Rugge: seu cabelo é comprido ou curto?- era a coisa mais inofensiva que eu conseguia pensar em dizer. Imaginei que se começasse contando o que tinha fantasiado no chuveiro aquela manhã - untar com óleo aqueles seios grandes, incríveis e escorregar meu pau para dentro e para fora -, ela poderia não responder de novo.
Kah: você tem alguma preferência?
Rugge: comprido. Adoro mulher de cabelo comprido- não podia olhar para ela, mas percebi que se olhasse pra janela veria seu reflexo. Ela levantou a cabeça e olhou em minha direção antes de olhar de novo para o telefone.
Kah: curto. Tenho cabelo bem curto- mentirosa. Depois de mandar a mensagem ela deu um sorrisinho maldoso. Eu daria um jeito nela.
Rugge: que pena. Passei o dia inteiro ontem imaginando que seu cabelo era comprido o suficiente para enrolar na minha cintura- eu me diverti vendo o sorriso desaparecer. Seus lábios se entreabriram e tive certeza de que se estivesse mais perto ouviria o barulho da inspiração chocada. Ela se mexeu no assento por um minuto antes de responder.
Kah: desculpa. Não vai rolar. Estou proibida de me envolver em qualquer atividade oral por um tempo- quê?
Rugge: com quem?
Kah: por quem. A pergunta deveria ser por quem.
Rugge: etiqueta de mensagem de texto vinda de uma mulher que manda pornô para desconhecidos.
Kah: não mando pornô para desconhecidos. Você me deixou furiosa, só isso. Queria mostrar o que estava perdendo ao se recusar a sair do seu trono e me receber.
Rugge: se esse é o resultado vou te deixar furiosa de novo. Muitas vezes.- ela olhou para a janela por um tempo. Eu estava me aproximando da minha parada. Essa mulher mexia comigo e sabia que não ia conseguir me concentrar na reunião das oito horas com esse comentário sobre a restrição da atividade oral pairando no ar, por isso cedi- Por quem?
Kah: Lina- porra. Ela era lésbica. Essa possibilidade nem havia passado pela minha cabeça. Que tipo de lésbica manda aquelas fotos para um homem?
Rugge: você é gay?- o trem reduziu a velocidade para parar. Se eu não tivesse uma reunião importante teria ficado só para ver onde ela descia. Contrariando minha decisão sensata, olhei para ela antes de me levantar. Ela estava de cabeça baixa respondendo à mensagem, mas vi um sorriso em seu rosto. Um sorriso lindo, verdadeiro. Não era um daqueles sorrisos ensaiados na frente do espelho que muitas mulheres com quem saí costumavam dar. Karol Itzitery sorria de verdade. Era um sorriso meio de lado e absurdamente bonito.
Meu telefone piscou anunciando a chegada de uma nova mensagem. Por sorte ele me fez desviar o olhar dela antes de ser pego.
Kah: hahaha. Não, não sou gay. Lina furou minha língua há dois dias, daí a proibição de atividades orais até o fim da cicatrização- cacete. Fechei os olhos para tentar me acalmar, mas isso só piorou as coisas. Uma imagem daquele rostinho lindo e da língua com um piercing descendo sobre o meu pau me fez abrir os olhos de repente.
Completamente distraído, quase não consegui sair do trem antes da porta fechar. Como eu ia conseguir fazer alguma coisa hoje depois dessa nova informação?
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An Unforgettable Love [CONCLUÍDA]
RomanceQuero dizer antes de tudo que essa fanfic (o que é um livro na verdade) NÃO É MINHA! É apenas uma adaptação! Bom, escolhi fazer uma adaptação ao invés de uma fic autoral, pois ainda estou bolando ideias para próxima fic e visto que o final da última...