• Capítulo 17

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Kah on·
Eu sabia quem era pelo tom de voz de Ruggero. Por sorte, estava de costas, por isso pude ouvir a conversa inteira sem ter que fingir que não me atingia profundamente. Já era horrível outra mulher ligar para o celular dele às sete da manhã enquanto ele dormia na minha cama, mas a mãe da filha dele era outra história. Era assim que seria? Ruggero não era o tipo de homem que ia ignorar um telefonema da mulher que tinha a guarda de sua filha. Essa vadia que tinha roubado dele anos de vida da filha agora podia incomodá-lo a qualquer hora do dia. Eu não tinha dúvida de que ela tiraria todo proveito disso.
Cande: vou tomar providências para um laboratório particular ir à sua casa então- ele ouvia tudo em silêncio. Escutava o som da voz dela, mas não conseguia entender as palavras. Ruggero deu mais algumas respostas curtas e depois pouco antes de desligar perguntou com tom mais brando.
Rugge: como ela está?- meu coração doía por ele. Fiquei quieta por alguns instantes depois que ele desligou dando um tempo para se recuperar. Quando finalmente falei, ainda estava de costas.
Kah: tudo bem?- Ruggero me abraçou por trás e beijou meu ombro.
Rugge: estou bem. Desculpa, ela ligou para combinar os detalhes do teste de DNA- virei e olhei para ele.
Kah: ela ainda é apaixonada por você- Ruggero baixou os olhos.
Rugge: não sei se Candelária é capaz de amar alguém.
Kah: ela é bonita.
Rugge: não chega nem perto de você.
Kah: é esperta.
Rugge: e eu sou esperto pra caralho- isso me fez sorrir, mas lembrei de outras coisas em que Candelária havia me superado.
Kah: ela foi sua noiva.
Rugge: sem comprometimento, era só um anel- não sei de onde saiu isso, do meu lado masoquista, acho.
Kah: você a pediu em casamento?
Rugge: Karol...
Kah: preciso saber.
Rugge: por quê?
Kah: não sei, mas preciso.
Rugge: não houve um pedido. Foi mais um acordo comercial que uma situação romântica. Eu a levei à Tiffany's e ela escolheu o próprio anel.
Kah: ah.
Rugge: quando nos separamos Meme não ficou surpresa. Um dia quando almoçávamos ela me perguntou por que eu não tinha dado a Candelária o anel de noivado que havia sido dela. Para ser honesto essa ideia nunca me passou pela cabeça. Meme me deu o anel quando fiz vinte e um anos e disse que ele seria da mulher para quem eu desse meu coração um dia. O anel de minha avó é pequeno e simples. Só quando o relacionamento já havia acabado e Meme apontou o óbvio entendi o que isso significava. Nunca tive dúvida de que se pudesse escolher entre um anel pequeno com grande significado para mim e uma pedra cintilante Candelária escolheria a pedra, e por saber disso não dei a ela o anel que foi de minha avó, mas nunca parei para pensar no que isso dizia sobre quem ela era.
Kah: uau. A mulher deve ser uma tremenda vadia- Ruggero riu. Era bom ouvir esse som.
Rugge: é isso que eu amo em você Karol. Você fala o que vê. Na primeira vez que fez isso comigo fiquei furioso, mas também fiquei louco, duro como pedra- enlacei seu pescoço e sorri para ele de um jeito malicioso.
Kah: você é um engomadinho metido que não consegue nem lembrar o nome da secretária- Ruggero estreitou os olhos, mas percebeu o que eu estava fazendo e aproximou a boca do meu pescoço.
Rugge: continua.
Kah: na maior parte do tempo nem nota as pessoas à sua volta.
Rugge: é mesmo?- sua voz era grave e a boca subiu até minha orelha.
Kah: acha que as mulheres devem abrir as pernas para você, simplesmente por causa da sua aparência- a mão dele desceu por meu corpo e repousou em minha coxa nua. Ele falou no meu ouvido enquanto afastava minhas pernas.
Rugge: abre as pernas para mim, Karol.- tentei resistir. Tentei de verdade. Mas aquela voz...- Abre para mim, Karol. Preciso ouvir você gemer meu nome.
Kah: você tem muita confiança de que pode...- ele deslizou pela cama e encaixou os ombros entre minhas pernas. Eu já estava molhada e seu hálito quente bem ali pôs fogo em meu corpo. Abri as pernas rapidamente.
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Kah on·
Na segunda toda confiança que Ruggero havia me dado nesse relacionamento já começava a se dissipar. Ida me mantinha ocupada desde a hora do almoço. Na fila do banco o homem na minha frente estava com a filha. Ela devia ter a idade de Chloe. Na linha sete a caminho da gráfica vi um casal sentado à minha frente. A filha segurava no cano de metal, girava e girava em torno dele. Provavelmente não era um momento profundo para eles, mas para mim aquela era uma família feliz. Os lembretes estavam em todos os lugares para onde eu olhava. Depois da última tarefa do dia fora do escritório eu estava em pé na plataforma esperando o trem que ia na direção sul. Do outro lado dos trilhos o trem para o norte chegou. A palavra ao lado do círculo com o número sete chamou minha atenção. Queens. Sem pensar embarquei antes que as portas fechassem.
Que diabo eu estava fazendo? Não o via há oito anos. Talvez ele nem morasse mais no Queens. Quando saí da estação na rua Sessenta e Um outro trem se aproximava. Pensei em entrar nele e voltar para o lugar de onde tinha vindo. Pensei nisso por tanto tempo que as pessoas tiveram que desviar de mim enquanto eu estava ali parada vendo o trem se afastar.
A casa dele ficava a oito quarteirões da estação. Eu estava no terceiro quarteirão quando o celular vibrou e vi o nome de Ruggero na tela. Meu dedo se aproximou do recusar, mas lembrei do que tinha dito na noite passada. Eu estaria ao lado dele. Não o evitaria mais.
Kah: oi.
Rugge: oi linda, como foi seu dia?- eu estava parada na faixa esperando o sinal abrir.
Kah: cheio. Ida me fez andar pela cidade toda resolvendo problemas.- o sinal abriu e eu desci da calçada. Do nada um carro apareceu na minha frente a menos de cinco centímetros dos meus dedos dos pés. Bati no porta-malas do carro amarelo- Seu babaca. Olha por onde anda!
Rugge: Karol?
Kah: eu. Desculpa, um táxi quase passou em cima do meu pé.
Rugge: ainda está em Manhattan?
Kah: na verdade não.
Rugge: ah, que bom. Acabei de sair de uma reunião no Brooklyn. Onde você está? Posso ir te buscar e jantamos juntos?- fiquei em silêncio por um minuto.
Kah: não estou no Brooklyn.
Rugge: onde você está?
Kah: Queens.
Rugge: ah, pensei que tivesse terminado de fazer tudo.
Kah: terminei.- engoli a saliva- Vou ver meu pai- Ruggero não perguntou por que eu ia lá. O motivo era óbvio. Conversamos enquanto eu percorria o restante do caminho e eu disse que mandaria uma mensagem quando saísse de lá para jantarmos juntos. Quando desliguei parei ao perceber que estava a duas casas de onde meu pai morava. O que eu ia dizer? Perdi a noção do tempo enquanto estava lá, mas devo ter ficado olhando para a casa por pelo menos meia hora. Não tinha nenhum controle sobre as emoções, não tinha a menor ideia do que ia dizer, mas tinha certeza de que isso era necessário. Foda-se. Andei até a porta, respirei fundo e bati. Esperei com o coração disparado. Quando ninguém abriu a porta minha reação foi de alívio. Eu estava quase virando para ir embora quando a porta se abriu.
Theresa: pois não?- perguntou Theresa, depois ela arregalou os olhos- Meu Deus, Karol. Desculpa, não te reconheci- forcei um sorriso.
Kah: meu pai está?- de repente fiquei em pânico e tudo que queria era ir embora. Por favor, diz que não. Por favor, diz que não.
Theresa: sim, ele está lá em cima lutando com a porta do armário que escapou da dobradiça. Acho que ele está perdendo a briga.- ela sorriu com ternura e se afastou para o lado- Entre, vou buscá-lo. Ele vai ficar muito feliz com sua visita- fiquei perto da porta me sentindo como se visitasse a casa de um desconhecido pela primeira vez. Ele era isso mesmo, em essência, um desconhecido. As paredes eram cobertas de fotos de família. A nova família de meu pai. Todo mundo sorria e ria em todas as molduras. Nenhuma foto minha ou de minha irmã. Eu não devia ter vindo. Uma voz que eu não ouvia há anos interrompeu meu debate interno.
Frank: Karol.- meu pai descia a escada quando falou- Está tudo bem?- assenti- Sua mãe está bem?- isso me deixou furiosa.
Kah: ela está bem- Frank Itzitery se aproximou de mim ameaçando minha já abalada confiança. Por um segundo pensei que ele ia me abraçar, mas quando cruzei os braços ele entendeu o sinal.
Frank: que surpresa agradável. Faz muito tempo. Olha só, você é uma adulta. Parece sua tia Anett. Está bonita.
Kah: pareço minha mãe- o lado dele de genética não levaria os créditos por nada de bom.
Frank: é, tem razão, parece com ela.- os últimos oito anos foram bons com meu pai. Ele estava com mais de cinquenta. Algumas mechas grisalhas tingiam o cabelo preto e abundante, mas a pele morena não estava muito envelhecida. Ele era um homem em boa forma. Correr era sua válvula de escape quando era criança e ele devia ter mantido o hábito- Vem, vamos sentar.- hesitante o segui até a cozinha- Café?
Kah: sim- ele serviu a bebida fumegante em duas xícaras e me deu um biscotti. Minha mãe nunca deixava minha irmã e eu bebermos café quando éramos pequenas, mas o lado Itzitery da família tinha vindo da Sicília; acreditavam que se você tinha tamanho suficiente para segurar a xícara ela devia estar cheia de café. A mesma norma valia para uma taça de vinho. As melhores lembranças que tinha de meu pai eram nossas manhãs à mesa da cozinha depois que minha mãe saía para ir trabalhar. Meu pai e eu conversávamos, tomávamos café e comíamos biscotti antes de eu ir para escola. Eu levantava cedo até no verão para ficar lá sentada com ele. Depois que ele saiu de casa eu evitava a mesa da cozinha de manhã, porque olhar para ela me fazia pensar se ele estava tomando café com Brianna, sua nova filha.
Frank: como vai?
Kah: bem- ele assentiu. Eu tinha ido bater na porta da casa dele, mas impedia qualquer conversa que ele tentava começar. Alguns minutos mais tarde ele tentou de novo.
Frank: ainda mora no Brooklyn?
Kah: sim- o mesmo movimento com a cabeça e alguns minutos depois ele continuou.
Frank: o que você faz?
Kah: trabalho para uma colunista conselheira.
Frank: parece interessante.
Kah: não é- mais alguns minutos.
Frank: está namorando?- Ruggero havia me apresentado como namorada há algumas noite, mas nunca tinha dito isso em voz alta.
Kah: tenho um namorado.
Frank: é sério?- pensei um pouco. Era sério. Só nos conhecíamos há um mês, mas era o relacionamento mais sério que já tive.
Kah: é sim.- meu pai sorriu- Ele acabou de descobrir que tem uma filha com a ex-noiva- o sorriso desapareceu. Meu pai fechou os olhos por um instante, depois os abriu e assentiu como se tudo fizesse sentido. Ele respirou fundo e soltou o ar em um sopro.
Frank: cometi muitos enganos na vida, coisas das quais não me orgulho.
Kah: como trair minha mãe- ele balançou a cabeça.
Frank: sim, como trair sua mãe.
Kah: você abandonou a gente. Como alguém abandona os filhos?
Frank: já disse, fiz coisas das quais não me orgulho.
Kah: e se arrepende delas?
Frank: me arrependo de ter magoado vocês.
Kah: não foi essa a pergunta. Você se arrepende da escolha que fez? Escolher uma mulher em vez das suas filhas? Adotar uma família que não era a sua e nunca mais olhar para trás?
Frank: não foi bem assim- falei um pouco mais alto.
Kah: responde. Pensa no passado e lamenta não ter feito uma escolha diferente?- ele abaixou a cabeça envergonhado, mas respondeu com honestidade.
Frank: não- foi como levar um soco no estômago.
Kah: você amou minha mãe?
Frank: sim, amei muito.
Kah: e se Theresa não tivesse correspondido ao seu amor?
Frank: o que está perguntando?
Kah: teria ficado com minha mãe se Theresa não amasse você?
Frank: não sei. Não foi assim que aconteceu.
Kah: você e minha mãe foram felizes?
Frank: sim, houve um tempo em que fomos.
Kah: até Theresa.
Frank: isso não é justo. É mais complicado- levantei.
Kah: não devia ter vindo. Foi um erro- meu pai ficou em pé.
Frank: os erros foram todos meus Karol.- ele olhou dentro dos meus olhos e continuou- Eu amo você- tudo que tinha acontecido nos últimos anos borbulhava muito perto da superfície. Era como se um tsunami se aproximasse e eu seria engolida por ele se não corresse, então corri. Fugi daquela casa. Não foi o momento mais maduro da minha vida, mas não podia deixar aquele homem me ver chorar. Passei correndo pelos retratos de família, pela porta da frente e pela escada. Meus olhos ardiam, a garganta se fechava e o peito ficava apertado. Estava tão determinada a me afastar o mais depressa possível que nem olhava para onde ia. Por isso não vi o homem parado na calçada até estar em seus braços.

An Unforgettable Love [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora