• Capítulo 20

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Rugge on·
A casa de três andares onde Candelária morava ficava a menos de dois quilômetros do meu apartamento no Upper West Side. Parei na frente da construção de tijolos e hesitei um pouco antes de entrar. Assim que conhecesse Chloe oficialmente não teria mais volta.
Agora eu era pai. Ainda achava o conceito estranho.
Candelária e eu tínhamos combinado que esse primeiro encontro seria um jantar casual. Ela me apresentaria como amigo da família e seguiríamos o movimento natural das coisas, e quando o momento fosse certo Chloe saberia que na verdade tinha dois pais, um no céu e um na Terra. Com o passar do tempo quando ela ficasse confortável com a ideia pensaríamos em um arranjo em relação à guarda. Candelária tinha sorte por eu ter decidido facilitar as coisas, caso contrário ela teria que enfrentar uma batalha das grandes. Eu queria muito Karol aqui comigo nesta noite, mas fazia mais sentido conhecer minha filha primeiro antes de introduzir mais uma pessoa na vida dela. Chloe tinha acabado de perder o único pai que conhecia, estava extremamente frágil. Havia uma guirlanda de folhas e frutinhas penduradas na porta vermelha. Toquei a campainha e respirei fundo antes de ela ser aberta. Candelária sorriu e acenou com a cabeça.

Cande: entra Ruggero- a decoração era toda em tons de branco, prata ou cinza. Lembrava muito a do meu apartamento, elegante e moderna e me fazia lembrar quanto meu gosto havia mudado. Ultimamente eu gostava muito mais de coisas coloridas, cores radiantes, fortes. O aroma de especiarias pairava no ar.
Rugge: que cheiro é esse?- perguntei.
Cande: lembra do pad thai caseiro que eu costumava fazer para você? Sempre foi seu favorito, é esse o cheiro, preparei para o jantar- tive que morder a língua para não responder que não lembrava muito do que havia acontecido antes de pegá-la chupando Facundo. Essa não era uma noite para as minhas farpas habituais.
Rugge: obrigado. Muito atencioso.
Cande: só quero que se sinta confortável aqui- a única coisa que me deixava desconfortável era Candelária bancando a dona de casa feliz.
Rugge: onde ela está?
Cande: Chloe está brincando no quarto. Achei melhor deixá-la sair de lá e encontrá-lo aqui naturalmente em vez de promover uma apresentação formal. Não quero que ela desconfie- desconfie de que a mãe é uma mentirosa traidora que a manteve afastada do pai verdadeiro desde o dia em que ela nasceu?
Rugge: como você achar melhor. Você a comece melhor que eu, não por opção minha, é claro.
Cande: eu sei.- Candelária pigarreou e se dirigiu à cozinha- Fique à vontade. Quer beber alguma coisa?
Rugge: agora nada, obrigado- sentei-me na sala de estar que ficava ao lado da cozinha.
Cande: tem certeza? Um conhaque... merlot?- levantei a mão aberta.
Rugge: não vou beber- falei.
Cande: tudo bem... me avise se mudar de ideia.
Xx: conheço você- disse uma vozinha doce. Virei e vi Chloe ali parada. O cabelo longo e escuro cobria metade do rosto, ela usava um pijama cor-de-rosa de pezinho e segurava um urso de pelúcia. Sorri quando me levantei do sofá.
Rugge: você me conhece?
Chloe: você encontrou meu elástico... naquela coisa do papai- era verdade. Eu havia recolhido o pompom que caiu do cabelo dela no velório de Facundo. Ajoelhei-me na frente de Chloe.
Rugge: você é uma menininha muito esperta.
Chloe: como você chama?
Rugge: Ruggero.
Chloe: hum... parece nome de biscoito.
Rugge: é.- dei um riso anasalado.
Chloe: você é um biscoito esperto!- eu ri.
Rugge: você é muito engraçada Chloe- Candelária interferiu.
Cande: Chloe... Ruggero é amigo do papai e da mamãe. Ele vai jantar com a gente hoje.
Chloe: sabia que meu pai morreu?
Rugge: sim, e sinto muito. Sei que ele te amava muito.- ela se aproximou da mesa e pegou um porta-retratos que trouxe para mim. Na foto Facundo olhava para ela com ternura e folhas de outono caíam em torno dos dois. Era evidente que ele a adorava. Queria sentir rancor, mas ver o sorriso dela naquela foto me impediu- É uma foto linda de vocês dois.
Chloe: obrigada- sem saber direito o que dizer a ela perguntei:
Rugge: você sempre põe o pijama tão cedo?
Chloe: às vezes.
Rugge: parece muito confortável. Queria que tivesse esse modelo de macacão com pé no meu tamanho- ela torceu o nariz.
Chloe: ia ficar meio bobo.
Rugge: é, acho que ia- Chloe me ofereceu o urso de pelúcia.
Chloe: olha!- disse- Urso Ruggeros... como os biscoitinhos- e começou a dar risada. Eu ri porque ela estava rindo.
Rugge: boa!
Cande: o jantar está pronto!- Candelária chamou da cozinha. Ela havia posto a mesa na sala de jantar. Uma grande bandeja branca e retangular trazia o macarrão de arroz com vegetais que havia preparado. Um prato de nuggets e vegetais misturados foi deixado diante da cadeira que eu presumi ser de Chloe. A esteirinha do jogo americano com estampas de Dora, a Aventureira era uma indicação certa disso- Ruggero, vai beber só água?- perguntou Candelária.
Rugge: sim.
Cande: Chloe, quer seu leite com morango de sempre?- leite com morango? Mentira! Olhei para Chloe.
Rugge: leite com morango? Adoro leite com morango- disse.
Chloe: é meu favorito.
Rugge: de qual você gosta?
Chloe: Nesquik- nunca tomei Nesquik na frente de Candelária. Ela não sabia que era uma tremenda coincidência.
Rugge: que loucura. Essa é minha bebida favorita também.- olhei para Candelária- Posso trocar a água por leite com morango?
Cande: é claro- Candelária parecia achar graça. Na presença de minha filha eu beberia Nesquik abertamente e sem nenhuma vergonha pela primeira vez em minha vida adulta. Estava saindo do armário do leite com morango. Chloe olhou para a mãe.
Chloe: tem que dar um canudo maluco para ele.
Cande: ah, acho que ele não vai querer- para agradar Chloe olhei para Candelária como se ela fosse maluca por pensar que eu não queria o canudo.
Rugge: é claro que quero!- Candelária balançou a cabeça e pôs um longo canudo em espiral na minha frente, era cor-de-rosa. A menina se divertiu muito me vendo beber com o canudo- Sabe Chloe, nunca imaginei que esse leite podia ficar mais gostoso se a gente bebesse com um canudo maluco.
Chloe: eu sei!- gritou ela. A alegria nos olhos dela era palpável. Eu podia me acostumar com isso. Dava uma sensação boa saber que ver um homem adulto como eu fazendo coisas infantis podia pôr um sorriso tão necessário em seu rosto. Essa garotinha havia acabado de sofrer uma perda traumática, mas era equilibrada e amava a mãe. Eu tinha que reconhecer que Candelária parecia ser uma boa mãe.
Durante o jantar Chloe de divertiu me vendo chupar os fios de macarrão. Eu ficava vesgo só para vê-la dar risada. Candelária ficou quieta só observando muitas vezes apoiando o queixo na mão enquanto olhava para nós. Ela se mantinha afastada deixando a filha se aproximar de mim.
Depois do jantar Candelária fez Chloe lavar as mãos e escovar os dentes. Eu não sabia o que o resto da noite reservava para mim até Chloe se aproximar por trás e fazer uma pergunta.
Chloe: vai dormir aqui?
Rugge: não, não vou, mas vou ficar mais um pouquinho. Qual é a próxima atividade na agenda?
Chloe: o quê?- tinha que aprender a usar um vocabulário mais adequado para crianças.
Rugge: do que vai brincar depois do jantar?
Chloe: de desfile.
Rugge: desfile? O que isso envolve?
Chloe: vestidos- dei risada.
Rugge: vestidos?
Chloe: sim- ela saiu correndo, acho que para ir buscar alguma coisa. Olhei para Candelária como se ela precisasse traduzir tudo isso para mim.
Rugge: vestidos?
Cande: ela tem um baú cheio de vestidos de princesas e outras fantasias. Ela gosta de colocar as fantasias em cima do pijama e desfilar com elas até cansar. É como um ritual antes da hora de dormir.- Chloe voltou correndo. Agora usava um vestido cor-de-rosa cheio de babados e uma coroa de plástico. Antes que eu tivesse tempo para piscar um boá de plumas brancas envolveu meu pescoço- Chloe, talvez Ruggero não goste de se vestir de mulher.
Rugge: tudo bem. Tenho pensado em entrar em contato com meu lado feminino, está na minha lista de coisas a fazer- Chloe pegou meu celular e me entregou.
Chloe: tira uma foto nossa!- tirei uma selfie nossa e mandei imediatamente para Karol. Sem saber qual era o humor dela hoje pensei que talvez não fosse uma boa ideia, mas era tarde demais- Já volto- disse Chloe ao tirar o boá do meu pescoço. Ela voltou ao quarto me deixando sozinho com Candelária na sala de estar. Algumas plumas tinham se soltado do boá e caído no tapete.
Cande: você é ótimo com ela Ruggero.
Rugge: é mais... natural do que eu esperava.
Cande: é claro que sim, porque ela é sua filha- antes que pudéssemos continuar a conversa Chloe voltou correndo. Dessa vez ela usava um vestido vermelho com acabamentos brancos, uma coisa com cara de Natal e segurava uma cartola preta.
Rugge: você é uma princesa da neve?
Chloe: sou uma princesa do Natal.- ela pôs a cartola na minha cabeça- E você é Scrooge.
Rugge: acho que muita gente diria que essa escolha foi estereotipada Chloe.
Chloe: o quê?
Rugge: nada- sorri. Tinha que me lembrar sempre de que estava falando com uma criança de quatro anos e meio. A brincadeira de fantasias continuou por cerca de uma hora antes de Candelária dizer a Chloe que era hora de ir para cama.
Cande: já passou meia hora do horário normal. Dá boa noite para o Ruggero- minha filha se aproximou de mim. Minha filha. Eu ainda tinha que me acostumar com isso. Ela parou na minha frente. Deus, ela era muito parecida com minha mãe. Mamãe a teria amado muito. Isso me fez lembrar que precisava encontrar um tempo para dar essa notícia a Meme. Não consegui me conter e segurei o rosto de Chloe entre as mãos. Não queria assustá-la, mas quis fazer isso a noite toda e essa era a minha última oportunidade.
Rugge: boa noite meu bem.
Chloe: você vai voltar?
Rugge: pode contar com isso Chloe- nunca havia dito palavras mais verdadeiras. Ela teria muita dificuldade para se livrar de mim.
[...]
Rugge on·
A noite havia sido muito melhor do que eu poderia ter imaginado. De volta ao carro o sentimento de ternura dentro de mim foi rapidamente substituído por preocupação quando peguei o celular e vi que Karol não havia respondido à mensagem com a foto. O desânimo me invadiu. Ela nunca deixava de responder às minhas mensagens.
Eu era um idiota.
Um completo idiota.
Não devia ter mandado aquela foto.
Meu coração começou a bater mais depressa. Eu devia deixá-la em paz esta noite ou ir direto para o Brooklyn?

Rugge: para na frente do prédio Louis. Ainda não sei para onde vou- quando o carro estava parando na frente do meu edifício o celular vibrou com uma notificação de mensagem.
Karol: desculpa, só vi agora. O telefone estava carregando no outro quarto. Você ficou um gato de boá. Que bom que correu tudo bem. Acho que vou dormir cedo hoje, estou meio indisposta. Até amanhã, beijo- suspirei aliviado por ela ter respondido e descansei a cabeça no encosto antes de reler a mensagem. Não sabia se ia ao Brooklyn ou não. Ela disse que não se sentia bem. Peguei o celular e liguei para ela, mas a ligação foi para a caixa de mensagens. Ela estava ignorando a ligação ou já havia ido dormir? Talvez tivesse deixado o aparelho no silencioso. Quando ouvi o sinal eletrônico para deixar a mensagem comecei a falar.
Rugge: oi, linda. Que pena que não está se sentindo bem. Só queria ouvir sua voz antes de ir dormir. Você já deve estar na cama. Correu tudo bem. Quero que conheça Chloe quando estiver preparada. Mas Karol, você precisa saber uma coisa. Acho que não estaria preparado para isso sem você. O homem que eu era há alguns anos não é o mesmo que sou agora. Eu estava destruído. Facundo era o melhor pai que ela poderia ter tido naquele momento. Estou convencido, mas por sua causa agora vou ser o tipo de pai que ela merece, porque você me ensinou muito sobre o que é importante na vida- parei.
Merda.
Diz que a ama. Fala de uma vez.
Rugge: Karol, eu...- BIP.
A porcaria do sinal me interrompeu.

An Unforgettable Love [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora