capítulo sete

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dimitri

Eu já fizera muitas tatuagens durante toda a minha vida.

Não o suficiente para ser impossível ver a minha pele, mas o suficiente para que peitoral e principalmente meus braços estivessem cheios delas. Ocasionalmente, quando olhava para elas, ainda conseguia sentir a agulha penetrando a tinta preta em minha derme. E, ainda assim, nenhuma delas doera tanto quanto a minha primeira tatuagem: o punhal no meu antebraço.

Mas não a dor física. A dor do fardo que aquele punhal me fazia carregar, um fardo em minhas costas tão permanente quanto a tinta em minha pele. O fardo de assumir os negócios do meu pai, os negócios ilegais da nossa família, passados de geração em geração, e mascarados por trás do nosso único negócio legal: o hotel. A rede de hotéis era um disfarce, pois enquanto todos acreditavam que lucrávamos com nossos hóspedes ricos, nós sabíamos a verdade: os hóspedes eram criminosos engravatados e era nos hotéis que os negócios ilegais aconteciam. E nossa família controlava tudo. Era a salvação e a maldição dos Tarasova, representada por aquele punhal e cravada em meu corpo desde os meus dezoito anos até o fim dos meus dias.

Eu não era o único com aquele punhal. Quando meus irmãos mais novos, gêmeos e filhos do meu pai com a minha madrasta, atingiram a maioridade, alguns meses depois de mim, um punhal foi marcado em suas peles também, mas em lugares diferentes. A tatuagem de Henry ficava na parte lateral do seu tronco, e a de Kessie ficava atrás da sua orelha. Eu já havia perdido a conta de quantas vezes as pessoas que namoramos ou simplesmente amigos de fora nos zombavam por fazer tatuagens iguais, acreditando ser só alguma ideia tola que tivemos na adolescência. Mal sabiam eles o que aquilo significava.

A máfia Tarasova começou com uma traição. Eu ainda me lembrava de como fiquei aterrorizado quando meu pai me contou a história, já que eu tinha apenas cinco anos. No início do século XX, nossa família prosperava na Rússia. O sangue azul da nobreza aristocrata corria em nossas veias, meus ancestrais eram donos de terras, viviam em casarões luxuosos, cercados de pompa e arrogância. Até 1917. Os Tarasova se posicionaram a favor da monarquia e foram perseguidos por isso. Querendo manter sua riqueza a todo custo, o irmão do meu antepassado o denunciou às autoridades em troca do seu apoio ao novo governo, o que o forçou a deixar o país. Ao desembarcar nos Estados Unidos, este meu antepassado casou-se com a filha do dono de uma hospedaria, e assim os negócios ilegais mascarados por hotéis começaram.

Invejoso com a prosperidade do irmão, o traidor foi atrás dele, propondo uma falsa parceria, apenas para tomar seu negócio depois. Meu antepassado, sabendo das intenções perniciosas por trás da aparente amigabilidade do irmão, fingiu acreditar na farsa, até o momento em que ele puxou uma arma para matá-lo. Meu ancestral foi mais rápido, apunhalando o irmão traidor no peito com um punhal. A partir daí, ele e todos os seus descendentes passaram a tatuar um punhal em seus corpos, como um símbolo da nossa família e uma promessa de lealdade incondicional a ela.

Pena que nem todos cumpriram aquela promessa.

Naquela reunião, minhas tatuagens estavam todas cobertas por um terno, um conjunto de calças, paletó aberto e colete pretos, além de uma gravata no mesmo tom e uma blusa social de botão branca por baixo. Era uma das várias roupas extremamente parecidas no meu guarda-roupa, feitas para exprimirem elegância e prepotência, tudo parte de um jogo de aparências em que a minha imagem tinha que ser de um homem poderoso, forte e impassível. Quando se tratava da máfia, manter aquela imagem era essencial para garantir subalternos fiéis e respeito de inimigos.

A sala onde eu, meus irmãos e alguns de nossos associados estávamos reunidos era ampla e escura. A sala ficava no hotel, logo acima do grande salão onde os jogos de azar ilegais aconteciam. O piso era forrado por um tapete vermelho com ornamentos variados, uma herança cara e valiosa. A longa mesa retangular no centro estava coberta por bebidas, copos e cigarros, e ali sentavam-se homens e mulheres importantes, mas subordinados a mim. As paredes não possuíam decoração, eram apenas pintadas com tons sólidos e tons, o que contribuía para atmosfera sombria do local. As únicas fontes de luz era o lustre com lâmpadas amarelas sobre nós, além da luz proveniente da janela, onde eu agora me encontrava, virado de costas para a mesa e com as mãos apoiadas no parapeito. A noite vibrava lá fora, pois nossas reuniões aconteciam no auge da madrugada, as estrelas e a lua sendo nossas únicas testemunhas.

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