Era meu pai quem me levava e me buscava na escola quando eu era criança.
Como era perto, nós gostávamos de ir andando, para apreciar as paisagens ao nosso redor. Ele costumava dizer que aquilo o inspirava também — chegamos a pintar o trajeto juntos certa vez. Quando eu ficava muito cansada, ele me sentava em seus ombros e ia trotando como se você um cavalo. Eu gargalhava intensamente, até minhas bochechas doerem. E, ocasionalmente quando chovia e nós não tínhamos guarda-chuva, ele deixava eu me esconder debaixo da blusa dele. Sem contar as conversas que tínhamos no caminho, sobre o universo, criaturas mágicas e linha do tempo. Conversas malucas e sem sentido. Que eu amava.
Porém, agora...
Eu sentada no banco de trás do carro, mergulhada no silêncio. Quer dizer, silêncio para os outros, pois, para mim, o barulho dos meus pensamentos era ensurdecedor. Não parecia cair a ficha que aquele mesmo homem que me levava para a escola era o maior mafioso do mundo. Eu sabia que ele era um criminoso; sabia disso há anos desde quando ele foi preso por tráfico humano. Nunca o perdoei por isso. Mas não era só isso era? Não. Meu pai não era um simples traficante. Era o maior deles. Era o Comerciante de Almas.
E agora eu deveria enfrentá-lo cara a cara.
No banco do motorista, estava uma mulher que nos levava à cadeia onde meu pai estava preso. Uma das subalternas dos Tarasova — o que explicava a arma escondida em sua cintura. Ao lado dela, no banco do passageiro da frente, estava Dimitri. Disfarçado, claro. Usava calças e um casaco de moletom pretos, óculos escuros e um boné. Não era o melhor dos disfarces, mas ele insistiu em não me deixar fazer aquilo sozinha. Não reclamei. E não apenas porque eu precisava de apoio, mas porque eu sabia que Dimitri tinha muito mais motivos para ressentir o Comerciante de Almas do que eu. Aquele mafioso... meu pai, eu o odiava simplesmente por tudo que fizera. Mas Dimitri fora diretamente atingido. Seu pai, seu melhor amigo, e vários dos seus homens foram mortos. Era uma guerra pessoal entre ambas as máfias.
Desejei o Comerciante de Almas morto desde que descobri da sua existência. Agora que descobri sua identidade... Era confuso. Eu queria o mafioso morto, queria mesmo. Mas meu pai... Eu sabia que não havia redenção para ele, já que nem a prisão o parara, mas, ainda assim, ele era meu pai. Eu não podia simplesmente, de repente, torcer para ele morrer logo. Era um processo de associar meu pai ao vilão. E quando chegasse a hora de acabar com ele de uma vez por todas, eu tinha que ter certeza que não hesitaria.
Contudo, por enquanto... Eu me concentraria naquele dia. Em encontrar meu pai na cadeia, após mais de sete anos, para confrontá-lo. Não precisava explicar o motivo das minhas mãos estarem tremendo e do meu estômago estar embrulhado. Aquilo era suficiente para me deixar uma pilha de nervos, estressada e ansiosa da cabeça aos pés.
Tive que afastar aquelas memórias. Da nossa família. Do meu pai, principalmente. Porque, querendo ou não, ele não era mais aquele homem que eu conheci, talvez nunca tivesse sido. Meu pai era o Comerciante de Almas. Eu tinha certeza disso.
Quando chegamos na cadeia, o sol brilhava no céu. Seus raios de sol fortes beijavam a minha pele como um abraço quente, mas a temperatura estava amena, agradável. Era assim o outono em Miami. Fiquei de pé ao lado do carro, observando a grande estrutura de pedra vermelha que tinha uma aparência sinistra. Grandes grades de metal protegiam a entrada, e vários policiais patrulhavam cada canto do presídio. Era assustador pensar que pessoas ficavam ali dentro por anos; mas pior ainda era o que os levara até ali. Me dei ao luxo de analisar alguns dos guardas e me perguntar qual deles era corrupto a ponto de permitir que meu pai liderasse uma máfia mesmo estando ali.
— Zero a dez, o quão nervosa você está? — indagou Dimitri, posicionando-se ao meu lado e encostando-se no carro. Respirei fundo, o odor daquele lugar preenchendo minhas narinas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Beautiful Stranger
RomanceNa sua juventude, durante as férias de verão, Elaine Róson e Dimitri Tarasova se apaixonaram perdidamente um pelo outro. Porém, os trágicos caminhos do destino separaram os dois por oito anos, até que eles se reencontram para o casamento de Elaine c...