Capítulo 09 | I Just Can't Quit Now

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Capítulo 09 | Não consigo deixar agora

Mais uma tarde sentada no sofá com Vó Marta. Apesar do vácuo gerado por nossa falta de interação, a televisão ligada impede o ambiente do silêncio. O barulho de metal na maçaneta da porta não causa reação em nenhuma de nós.

- Bom dia! – cumprimenta Eva.

Ela entra como um arco-íris radiante que surge entre gotas grossas de chuva. Respondo levantando uma das mãos, com preguiça de me virar completamente. Eva dá um beijo na cabeça de vovó e deixa sua sacola ecológica de compras na poltrona ao lado do sofá.

- Trouxe um presentinho para você, Anna! – anuncia ela.

A curiosidade me vence, e levanto para ver Eva tira um pacote com um brinquedo de morder de dentro da bolsa.

- Bem, não é exatamente para mim. – comento. 

- Pode ir se acostumando, maninha. – avisa. - Cadê o papai?

- Trabalhando.

- Hoje é domingo. – lembra ela, como se eu estivesse me confundindo ou algo do tipo.

- Hora extra para ajudar a sustentar a filha grávida e desempregada.

- Drama queen.

- Sério? Você acha mesmo que eu estou dramatizando a situação?

- Bem, você tem um emprego.

- Trabalho é diferente de emprego. Eu tenho um trabalho provisório.

- Mas não custa ser um pouco mais positiva, sabe? Ainda mais na sua situação.

Solto uma risada amarga, o que chama a atenção da vovó. Ela inclina sua cabeça lentamente para mim. Não faço ideia do que passa em sua mente enquanto ela me encara, talvez nem ela faça. Após alguns segundos sem demonstrar nenhuma emoção, ela volta novamente seu olhar para a tela luminosa e alienante.

Eva senta na poltrona ao lado do sofá, se acomoda e também olha para a tela por um instante, mais como por um reflexo natural do ser humano do que por realmente se interessar no que está passando.

- Querida, você acha que é a única no mundo passando por um momento difícil na vida? – começa Eva, com um tom sério raro e inesperado. – Me deixe te contar sobre as crianças que passam fome em todo país. Ah, não, espere. Me deixe te contar algumas coisas sobre como é ter um emprego fixo, uma casa a pagar em mil prestações, um marido entediante e dois filhos para criar. Você acha que só porque sua vida não é como você esperava que seguir alguns padrões é sinônimo de felicidade e realização?

A pergunta é retórica, por isso não respondo. Além do mais, nunca quis seguir os padrões, pelo contrário. Admito que nos últimos tempos me pergunto se este não foi meu verdadeiro erro. Provavelmente se pudesse voltar atrás, faria tudo como Eva. Só para ter tudo resolvido como ela tem. Ou será que ela não tem? Nunca considerei esta possibilidade antes, mas pelo visto posso estar errada mais uma vez.

- Eu realmente não estou no clima para ouvir sermões. – digo, para evitar mais confissões. Verdades duras demais são a última coisa que preciso.

- Ótimo, que bom, pois eu não estou mesmo no clima para dar um. – responde ela. - Mas, sinceramente, parece que você precisa de uma sacudida para acordar. Atitudes negativas não vão te levar a lugar nenhum.

Me levanto e vou até a cozinha. Eva vem atrás de mim. Vovó fica sozinha, mas não parece se dar conta da mudança.

- Você ainda pode dar um jeito nisso. – continua Eva, mesmo após sua promessa de "não-sermões". – Por favor, reveja como você percebe o que você tem, e o que você não tem também. Aliás, como foi seu encontro com o Leo ontem?

- Bom. – respondo, enquanto abro a torneira da pia para lavar o pouco de louça acumulada ali.

- E...? – instiga ela, curiosa. - Como ele está?

- O mesmo Leo de sempre. - conto. - As coisas que fizeram com que me apaixonasse por ele ainda estão lá. As coisas que me fizeram não o suportar mais, também estão. Na verdade, acho que a grande maioria pertence aos dois grupos ao mesmo tempo.

- Imagino que ele tenha ficado feliz em ver como essa lombriguinha fofa já está grande.

- Ficou. – digo.

Não tenho coragem de dizer a Eva que mal deixei ele tocar ou ver minha barriga. Estava irritada, ele tinha me irritado, só não me lembro mais porquê. Agora percebo quão desnecessária foi essa atitude. Paro de enxugar a louça que tinha acabado de começar. 

- Vou dar uma saída e já volto. – me despeço de Eva e pego as chaves do carro no balcão.

- Para onde você vai? – pergunta ela, surpresa.

- Eu já volto! – grito, já fechando a porta atrás de mim.

Me divirto ao imaginar a expressão atônita de Eva, sentada em choque na mesa da cozinha. Mas preciso aproveitar esse impulso, mais uma vez. Dessa vez, já sem tanto medo e com inesperado alívio.


Um amor para toda vida e nada mais [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora