A luz do sol invadiu o quarto, mas não trouxe qualquer alívio. O ar estava pesado, como se as paredes da casa estivessem a fechar-se sobre mim. As batidas na porta ecoaram como trovões nos meus ouvidos, e o meu coração acelerou.
O dia havia começado, mas eu não estava pronta para o enfrentar...
Arrastei-me até à casa de banho, o chão frio a morder-me os pés descalços. O espelho refletiu um rosto irreconhecível: olhos inchados, vermelhos e angustiados. As lágrimas da noite anterior tinham deixado marcas profundas, como rios de tristeza a escorrer pela minha pele. Tudo quase tão mau como o sabor amargo que tinha ficado na minha boca depois de vomitar na noite anterior.
Afundei-me no chão, contra a parede gelada, abraçando as minhas pernas trémulas. A dor no peito era insuportável, como se tivesse voltado a ser aquela criança aterrorizada que se escondeu na dispensa. As palavras cruéis, as memórias dolorosas, tudo se misturava num turbilhão de emoções. Não havia forças para enfrentar o dia lá fora, para sorrir e fingir que estava tudo bem.
***
Forcei-me a recuperar a calma, mesmo com o meu estomago embrulhado a ameaçar expulsar o pouco que tinha ficado. Levantei-me com pernas trémulas e tentei aguentar-me da melhor forma possível.
A água quente do chuveiro escorreu pelo meu corpo, lavando as lágrimas e o desespero. O que ajudou um pouco de certa forma, mas ainda sentia que podia -e ia- desabar a qualquer momento.
De volta ao quarto, fui surpreendida. Em cima da cama, estava uma bandeja de madeira com o meu pequeno-almoço preferido: torradas barradas com compota de framboesa e um chá fumegante com um doce aroma que enchia o ar. Os girassóis, com seus rostos virados para o sol, pareciam sorrir para mim. E então, encontrei um bilhete, escrito com letras cuidadosas:
"Não preciso olhar nos seus olhos para compreender a sua dor. Vi-a crescer menina, sei as suas forças e as suas fraquezas. Então lembre-se de ser como estes girassóis, que encontram sempre uma forma de se virar para a luz. Para um novo amanhã cheio de esperanças.
Hunter"
Amarrotei o bilhete e joguei-o no lixo.
Talvez essas palavras pudessem alegrar a minha mãe, mas jamais funcionariam comigo.
Uma leve pontada de raiva e incompreensão atingiram-me. Resolvi usá-la a meu favor antes que voltasse a ser substituída pela sensação de incompetência. Comi e saí com cuidado para não ser notada. Precisava de ar puro e não aguentava ver o que o Valério fez por minha causa.
Pelo menos ainda não.
Caminhei pela rua sem rumo, os passos arrastados como se carregasse o peso do mundo nos ombros. O sol estava escondido atrás de nuvens cinzentas, como se também ele tivesse razões para querer passar despercebido. Como se nem o sol quisesse ter acordado naquela manhã... seria melhor se pudéssemos dormir até os problemas e as complicações desaparecerem...
As pessoas agitadas passavam por mim atarefadas com as suas próprias vidas. Não tinha a certeza se gostava disso ou não. Quer dizer, eu não queria ninguém a perguntar-me como eu estava, mas seria bom ter alguém para ficar simplesmente ao meu lado em silêncio.
Suspirei.
O que eu queria mesmo era desaparecer, esquecer tudo o que me atormentava. Quanto menos danos deixasse para trás, melhor. Não aguentava ver as pessoas magoarem-se à minha volta, e continuar a culpar-me por isso.
Percorri cerca de dois quilômetros a pé, os sapatos gastos de tanto raspar no chão. Até que, quando estava a atravessar a estrada, ouvi um carro buzinar. O som cortou o ar como uma lâmina afiada. Olhei sobressaltada e vi os faróis a aproximarem-se, o motor rugindo como um monstro faminto.
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Filhos da Máfia- Uma família fora do normal.
Teen FictionGêmeos separados à nascença por cinco anos. Um erro marca o coração da protagonista e assombra-a para sempre. Ela volta para casa; uma casa um pouco diferente. Lá ela conhece o seu pai, dono da máfia, o seu gêmeo e mais cinco crianças adotadas...