Capítulo 38: Mentira

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DYLAN

Eu suspiro ao ver meus pés flutuarem sob a força da água a minha frente, eu não os sinto como antes, não sei mais ou me recordo sequer de qual era a sensação anterior de ter algo fino atravessando minhas pernas, excepto pelos dedos esses sim eu sinto.

Esse é um dos meus maiores segredos no momento, com o passar dos dias da fisioterapia eu consegui desencadear um movimento pequeno no que diz respeito aos meus reflexos dos membros inferiores.

Eu consegui mexer os dedos do meu pé direito, dois dias depois foram os dedos do esquerdo e em seguida todos dias quando Alissa me acorda para irmos ao jardim das traseiras e me ajuda a calçar meus sapatos eu sinto a ponta de seus dedos finos e delicados fazerem cócegas em mim.

É preciso um esforço enorme para não rir e essa tem sido minha única esperança até agora. A única coisa que me faz acreditar que eu poderei voltar a me locomover por conta própria algum dia.

A água reluzente da piscina a minha frente ilumina a sala grande, sua cor é num tom de azul muito claro devido aos azulejos que servem de estampa para o seu interior e ajudam a refletir o movimento da água sobre meu rosto.

Eu espero alguns minutos pelo próximo passo do anônimo, já é uma grande conquista para ele ter me feito cair de novo na sua teia compulsiva e moldada por jogos doentios movidos pelas cordas da manipulação presas em seus dedos que me usam de fantoche.

Eu estou esperando enquanto sinto meu coração apertar e observo o sol ir embora por completo deixando a escuridão escapar.

Quando era mais novo me lembro que eu tinha muito medo da noite, pode não parecer assustador para uns.

Mas o escuro, o silêncio e só o fato de eu estar ali exposto meio dele fazia meu coração inchar e logo em seguida uma pontada que conheço bem demais chamada ansiedade me atingir.

Minha mãe para me acalmar as vezes me distraia com qualquer coisa que eu gostasse antes de me deitar para estar cansado ou feliz demais para não me recordar do medo do escuro.

Minha atividade preferida era quando ela me dava uma de suas canetas de tintas permanentes coloridas e pegávamos todas as fotos instantâneas que tirávamos da caverna azul, eu nunca entendi porquê ela gostava tanto daquele lugar mas, mais tarde eu percebi.

Minha paixão por fotografar surgiu com ela, eu tentei escrever algumas vezes para ver se pegava o jeito que ela tinha para escrever e combinar perfeitamente bem as palavras que lia sempre para mim e eu tatuei no meu corpo.

Mas acho que minha cabeça é ferrada demais para eu conseguir me concentrar em todo saco de sentimentos acumulados que habitam em mim e pô-los no papel.

É muita pressão para mim, por isso eu preferi fazer a outra coisa fotografar e aprender que certos momentos não poderiam ser descritos nem com mais de mil palavras mas podiam ser congelados e guardados.

Então por isso no fim do dia recolhíamos nossas fotos e tentávamos escrever na parte inferior livre em branco algo que pudesse servir de uma legenda para aquele momento, eu gostava daquilo porquê não precisava pensar muito e ficar confuso como sempre no papel, apenas escrevia o que sentia ao ver aquele momento congelado.

Era ainda melhor porque tinha a presença de minha mãe comigo, mesmo que Seth dissesse que era ridículo.

Se eu pudesse o congelar para sempre também eu sei exatamente o que escreveria na legenda... O mesmo que escreveria para esse cara ao ouvir o toque de um telefone agora.

Dangerous collisionOnde histórias criam vida. Descubra agora