Capítulo 47

141 6 11
                                    

Enquanto dirigia, ela sentiu uma ansiedade pelo o que estava prestes a fazer. Se fosse um tempo atrás, acharia isso um absurdo. Jamais imaginou buscar Isabela da prisão, uma mulher que colocara sua mãe na cadeia. Mas os tempos eram outros, muita coisa havia acontecido. Ela precisava dela depois que descobriu uma verdade que mudou tudo, fazendo-a repensar nos seus atos em relação ao que praticou com Samuel. Aproveitando que o cumprimento da pena dela chegou ao fim, iria ajudar aquela senhora a dar tudo de volta para Diogo, pois sabia o que realmente tinha ocorrido no passado.
         
A verdade era que Isabela tinha forjado tudo para que Reginaldo fosse acusado de desvio de dinheiro. Durante todo esse tempo, José Roberto era inocente, tendo sofrido uma vingança que não merecia, morrendo de desgosto por perder  aquilo que mais amava, a TecnoFuture.
         
Essas revelações foram ditas no dia que a chamaram para ir à prisão, o ser que mais odiava na terra queria falar com ela.
         
Isadora não queria reencontrar Isabela e encarar aquele rosto tão intragável. Já conseguira se vingar, gabando-se de ter triunfado. A resposta para o pessoal do presídio foi não, entretanto, os oficiais disseram que o assunto que a prisioneira queria falar era de extrema importância, alegando, também, que ela estava muito agitada.
        
Aquelas palavras deixaram Isadora com a pulga atrás da orelha. Achava aquilo muito estranho. Isabela não dava o braço a torcer no quesito perder, exibindo todo o seu orgulho de uma maneira voraz; nunca que pediria uma conversa com uma pessoa que a botara no xilindró. Então resolveu comparecer para desvendar esse mistério todo.
        
No dia da visitação, Isabela estava sentada à mesa, com as algemas nos pulsos, esperando Isadora se aproximar.
        
As duas se encararam, não dizendo nada, apenas transmitindo um ódio que sentiam mutuamente, faiscando de um modo incandescente como relâmpagos que prenunciavam uma chuva forte.
        
Depois desse atrito que tiveram por alguns minutos, transpirando raiva através dos seus olhares, Isadora começou o diálogo:
        
- O que você quer? – perguntou num tom frio e não escondendo a sua rispidez.
        
- Sente-se. O assunto que tenho para dizer não pode ser dito de pé – falou séria.
         
Isadora suspirou, não muito com vontade de fazer isso, mas tomou assento.
         
- Pronto – disse irônica. – Agora a majestade pode falar.
         
- Samuel veio me visitar na prisão.
         
- E daí?
         
- Ele veio esfregar na minha cara a sua vitória, explicando os motivos que cometeu atos contra a minha família. – Ela disse. – Fiquei sem palavras quando disse que as tramoias que tinha realizado era por causa da armação feita com o seu pai, sobre meu marido forjar documentos falsos para incriminá-lo de desfalque. Então percebi que o ato que cometi trouxe má interpretação e acabei com José Roberto.
         
- Como assim, um má interpretação?
         
- Fui eu que falsifiquei os documentos. Eu sou a responsável por trazer tanta desgraça para a minha família.
         
Quando soube de tudo isso, ficou perplexa. Não acreditando no que estava ouvindo, achando que fora apenas uma invenção para defender a memória do marido, entretanto, não era nenhuma estratégia para “inocentar" o homem que amava, pois ela só contou por causa que recebeu a visita de Samuel.
          
- Isso é inacreditável.
         
Isabela começou a chorar.
         
- Eu posso ser uma mulher ambiciosa, mas amava meu marido.
         
- E porquê você resolveu contar isso para mim?
         
- A sua rixa sempre foi comigo, não com Diogo. Estou apelando  para o amor empoeirado que ainda reside aí dentro.
         
- Não mais.
         
- Não se engane, o primeiro amor sempre deixa marcas profundas.
         
Isadora, depois disso, ficou mais triste ainda. Já não se sentia mais feliz quando jogou Diogo na sarjeta, começando a entrar em depressão e tomando remédios. Tinha se casado com seu cúmplice, era assim que chamava Samuel, um cúmplice que praticou atos horríveis. Por causa de estar doente emocionalmente, a relação entre eles começou a esfriar.
         
Nesses dois anos, aquele casal que tinha um fogo enorme e uma sede de vingança se apaziguou. A paixão foi se apagando. Isadora não mais sentia o mesmo calor. Samuel, por sua vez, não gostou da falta de ânimo dela, percebendo a frieza da mulher e ficando furioso. As brigas eram constantes, num desentendimento renhido, com acusações sem fundamento nenhum. O relacionamento deles piorou, de verdade, quando Isadora descobriu que Samuel tinha uma amante, como forma de provocá-la, pensando que as atitudes de sua esposa era o amor que nutria por Diogo. Ela arrancou a secretária a tapas do motel, fazendo-a se arrepender de ter se enrabichado no cara errado. Depois que expulsou a vagabunda do quarto, Samuel e Isadora brigaram, terminando com um tapa na cara dado pelo sexo masculino. Desde então, os dois mal se falavam. Ainda Isadora conseguia sentir a dor nas bochechas.
         
Ela sabia que estava sendo chifrada continuamente, não tendo mais vontade de espancar qualquer mulher que cruzasse o seu caminho. Estava decepcionada, amava-o com todas as forças, desde o dia que se encontraram no mesmo voo, indo a Espanha. Só que refletiu que, no início, poderia ser que fosse amor, mas percebeu que o caso deles era baseado mais em ódio por outras pessoas do que estarem juntos por um motivo mais romântico. Eles tinham o mesmo interesse, culminando numa união tóxica e macabra.
         
Queria reparar os erros, a injustiça cometida. Desejava que Diogo pudesse recuperar a sua fortuna e voltar a ter uma vida digna. Ela sofreu muito ao ver que a impressa especulava de uma maneira estrondosa sobre o seu desaparecimento. Ele fora uma vítima, não o culpado. Isso também foi um dos pontos que fez enxergar quem realmente Samuel era, uma pessoa que se vingava baseado no comparativo de ter crescido pobre enquanto Diogo não. Ela não era santa, sempre quis se vingar, mas se vingou por uma injustiça cometida.
          
Faltava pouco para chegar ao presídio, lembrando todo o plano que tinha tramado com Isabela. Primeiro, iriam contar a verdadeira história esperando que, talvez, Samuel reconsiderasse, talvez. Só que não contava apenas com isso, conseguira através de um detetive e, mexendo secretamente nas papeladas da TecnoFuture, provas da armação. Isabela tinha instruído direitinho, até falando com o ex-contador Moacir que não trabalhava mais na empresa, revelando os fatos. Todas essas provas serviriam de narrativa para lançar na imprensa a verdade que José Roberto não era o vilão, e, sim, uma vítima de uma vingança. Poderia ser que não fosse o suficiente, mas eram as armas que tinha que seriam usadas quando tivesse uma conversa com Samuel. Diante do histórico dele, sabia que era um homem que caía falcimente nos seus sentimentos. Torcia para que desse certo.
         
O que a deixava mais preocupada era a reação que ele teria com Isabela, pois se já fizera mal para Jose Roberto, imagine para ela, por isso, seria a guardiã daquela mulher. Quem diria que protegeria a pessoa que fez tanto mal a ela?
         
E a última coisa importante, Júlia precisava saber da verdade. Ela deve ter sofrido muito com a separação do seu amado, sendo uma obrigação saber o que de fato sucedera.
         
Estacionou o carro em frente ao presídio. Estava na hora de agir.
         
Ela se dirigiu  para dentro da construção, aguardando Isabela ser liberada.
         
Ela apareceu, usando a mesma roupa no dia que fora presa, caminhando com toda a elegância que restara da sua vida de riqueza, se aproximando de mim.
         
Isadora a levou  até o veículo e foram embora.
         
Permaneceram algum tempo sem dizer qualquer palavra, pois não eram amigas, ao contrário, ambas inimigas se unindo para interesses mútuos. Não havia nenhuma necessidade de ficar conversando ou puxando assunto aleatórios. Tinham apenas que suportar uma o outra. Isso durou todo o trajeto até chegarem na cobertura de luxo que Isadora tinha.
         
A cobertura dava vista para os inúmeros prédios da cidade; bonito, sofisticado e com móveis caros e muito bem projetados. Quando Isabela olhou aquela elegância toda, de um assovio, surpresa.
         
- Então a filha da empregada se deu bem na vida e tem bom gosto. Quem diria. Ganhou o meu respeito.
         
Isadora queria socá-la por esse comentário tão ridículo, mas se conteve, não queria entrar em atrito.
         
- As coisas mudam. Me esforcei para usufruir do bom e do melhor.
         
- Tenho que dar o braço a torcer. Você é das minhas.
         
- Não sou não. Eu não acusei ninguém de roubo. – Ela não conseguiu se segurar.
         
- Aí que se engana. Eu já fui pobre também, ficando rica graças ao meu marido, usando o dinheiro e fazendo de tudo para que não escoasse dos meus dedos enquanto você batalhou para poder se vingar de mim usar toda a sua grana para acabar com a minha família. No fundo, somos parecidas, dispostas a ir até as últimas consequências para cumprir nossos objetivos.
         
Isadora ficou quieta, no fundo, era verdade.
         
- Bem, já que estamos aqui, gostaria de esclarecer algumas coisas sobre esse plano. – Isabela disse.
         
- O que você gostaria de saber?
         
- Você não acha que esse plano não é um pouco falho? Pois não sei se Samuel vai voltar atrás nas suas decisões tão facilmente.
         
- Samuel é uma pessoa emocional. Vai ficar chocado com a revelação e vai querer reparar o erro.
         
- E a bronca sobra para cima de mim – falou um pouco descontente.
         
- Mais vai recuperar a sua fortuna.
         
- Exatamente. Mas Samuel é uma pessoa perigosa, vai querer ir atrás de mim. E, outra, posso muito bem continuar desfrutando do luxo sem estar perto. Por enquanto, posso ficar aqui, até que as coisas sejam devolvidas corretamente para o meu filho.
         
- Você realmente ama o dinheiro.
         
- Querida, o dinheiro abre portas que estão trancadas. As pessoas necessitam dessa coisinha linda para sobreviver. Pergunte para qualquer um se deseja ficar rico e terá uma resposta positiva. Ninguém quer estar na lama.
         
- Não acha que está generalizando todo mundo?
         
- Deixa a pessoa sem grana, com uma família para cuidar e passando fome para ver se a primeira coisa será pensar que precisa de dinheiro para sustentar a esposa e os filhos. Dinheiro move o mundo.
         
- Nesse quesito, você tem razão.
         
- Sempre. Todos querem uma vida de conforto, ter uma boa roupa, um bom calçado, carro, casa e um belo empreendimento que dê lucro para poder ter todas essas coisas.
         
Isadora ouvia aquelas palavras sabendo que eram verdadeiras, mas havia uma única pequena diferença, o amor ao dinheiro. Há pessoas que lutam para ter uma vida melhor, não para ostentar luxos. Não estava mais surpresa com as palavras do que essa senhora dizia na sua frente, pois era uma mulher que tinha se consumido na sua própria vaidade e amava a riqueza mais do que a si mesma, esquecendo do próximo e não medindo as consequências para cultivar o seu patrimônio com mãos de ferro.
         
- Bem, vou mostrar o seu quarto – disse Isadora encerrando educadamente aquela conversa.
         
- Espero que seja uma suíte com uma bela banheira, preciso tirar esse fedor de presídio do corpo.
         
- Pode deixar que eu só tenho suítes – disse, escondendo a vontade de vomitar as exigências daquela mulher.
         
- Maravilha.
          
Isadora conduziu até o quarto de hóspedes onde Isabela ficaria hospedada. O lugar era muito bonito, totalmente elegante, digna de uma rainha. Ao entrarem, a  ex-poderosa Senhora Magalhães observou atentamente cada meandro daquele espaço, satisfeita com o que viu, se deparando depois com umas sacolas de roupas da Prada.
         
- Isso é pra mim? – perguntou espantada.
         
- Sim. Essa roupa que você usa está fora de modo há muito tempo. Precisa trocá-la.
         
- Obrigado pela gentileza – disse sorrindo. – Não me leve a mal, eu fiz aquilo com a sua mãe pois vocês eram pobres e queria que meu filho casasse com uma mulher que tivesse posses, mas não faria de arrogada se vocês tivesse um relacionamento agora.
          
Isadora precisou de muito jogo de cintura para não esbofeteá-la. Ela não tinha nenhum censo e respeito com a memória de sua mãe. Pensava que as pessoas precisavam oferecer algo em troca para serem aceitas. Isso era ridículo. Como sabia agir com falsidade, deu um sorriso para agradar essa velha nojenta.
         
- Águas passadas – falou. – Eu já não o amo.
         
- Que pena – lamentou.
         
- Eu estou indo embora. Há uma empregada que cuida da cobertura, pode pedir as coisas para ela. E não chame a atenção de ninguém, pois não quero que Samuel saiba que você está aqui.
         
- Pode deixar. Sem me comportar. A empregada já preparou meu banho?
         
- Acho melhor a senhora fazer por si mesma.
         
- Tudo bem – suspirou.
         
- Depois nos falamos.
         
Isadora se afastou do quarto, respirando aliviada de não estar do mesmo lado daquela bruxa. Era impossível ficar perto dela. Sua arrogância passava de todos os limites, deixando qualquer um louco. Estava quase tentada em deixar Samuel acabar com a raça dela, mas se fizesse, se rebaixaria muito.
         
Entrou dentro do carro, indo embora sentindo-se mais aliviada.
 
                                      ***
 
Isabela sentou na cama para tirar os sapatos, pensando em José Roberto. Sentia muita falta dele. Fora um marido exemplar em tudo o que tinha feito, não a decepcionando em nada. Ela idolatrava o dinheiro, só que gostava do marido. Quando soube da sua morte, ficou sem chão. Ele tinha sido seu norte durante anos, deixando-a no maior conforto que um homem rico poderia proporcionar, nunca medindo esforços para agradá-la. Sempre via com joias caríssimas dos países que viajava a negócios, trazendo colares, anéis, pulseiras, brincos e braceletes uns mais bonitos do que os outros, além de echarpes caríssimos de várias cores e tonalidades. Levava em restaurantes mais caros da cidade de São Paulo, onde passavam a noite juntos, conversando coisas interessantes e rindo bastante. Não precisou mover nem um dedo para conquistar as coisas que viam de mão beijada, desfrutando com todo o prazer. Não queria que ele tivesse morrido, mas sabia de quem era a culpa, de Samuel que matou o seu marido de desgosto, fazendo questão de esfregar na cara dela quando estava presa, exultando pela morte do amor da sua vida que a salvara de um tio pedófilo e de uma vida miserável. Se pudesse, queria matá-lo por fazer tamanha atrocidade. Infelizmente, tinha que aceitar as migalhas da circunstância para sobreviver, fugindo de um homem perigoso e vingativo.
         
Quando Samuel veio a prisão e jogou na cara dela que tinha vencido, contando que seu marido tinha pagado por fazer mal ao seu pai, ela ficou estarrecida. Na verdade, ela que forjara tudo para se livrar de Reginaldo para que José Roberto ficasse com a empresa e o dinheiro, não imaginando que o filho viesse depois de muitos anos tramar um plano ardiloso que foi muito eficiente. Isabela tinha que dar o braço a torcer, pois fora um gênio, arquitetando uma vingança junto com Isadora para destruir a família Magalhães.
         
Ao escutar aquelas palavras, Isabela se arrependeu de ter incriminado Reginaldo, não um arrependimento genuíno, mas um arrependimento de ter praticado tal ato que tirou os bilhões que o marido tinha na conta por causa de uma vingança. Se soubesse que Samuel faria um plano tão bem construído, teria achado uma forma de dar fim nele quando ainda era uma criança. Como não dava para voltar atrás, teria que fugir dele como um cachorro enxotado pelo seu dono. Torcia para que ele mudasse de ideia e devolvesse todos os bens.
         
Outra questão que pairou sobre a sua cabeça foi Diogo. Ele estava desaparecido. Precisava encontrar o filho que era a única esperança de continuar com o legado do pai. Além do relato que Samuel fizera sobre José Roberto, mencionara o que fizera com o modelo mais famoso do país que tivera que doar por obrigação o dinheiro que conquistou e as suas coisas para Samuel, pois Júlia, a mulher que ele amava, poderia ser morta. Isabela ficou irritada ao descobrir que o filho tinha se enrabichado por uma pobretona e depois ficou famosa nas custas do beijo que Diogo dera, se tornando uma apresentadora de TV. Teria que lidar com isso mais tarde, caso o filho quisesse reatar o namoro. Ainda, a conheceria. Queria que ele se casasse com uma mulher que já nascera num berço de ouro. Precisava se focar para encontrar o herdeiro para continuar a gerar dinheiro, pois não entendia de finanças, só de gastar. E estava mais satisfeita que, com toda a certeza, o marido tinha deixado no testamento todo a fortuna para o filho e alguma coisa para ela.
         
Agora, um banho para esquecer os problemas e encarar os desafios de amanhã.
 
                                     ***
 
O café da manhã, na opinião de Isabela, não foi lá aquelas coisas; preferia a refeição que era feita na sua antiga mansão, mas dava para o gasto. Por enquanto tinha que se contentar com o que a vida queria. Ao terminar de comer, foi ao quarto se trocar, pois daqui a pouco Isadora chegaria para levá-la até Samuel.
         
Enquanto se vestia, se preparava mentalmente para lidar com um homem que, muito possivelmente, quando soubesse da verdade, não devolveria nada do que tivesse roubado, fazendo dela um alvo mais que palatável para saciar a sua fúria e honrar a memória de um pai que fora injustiçado. Por isso, antes de dormir, por precaução, tinha pego uma faca bem afiada na cozinha, discretamente, caso tivesse que se defender, enfiando nas entranhas daquele patife. Adoraria ver o sangue dele escoar através do intestino, jorrando que nem uma fonte e sujando o chão. Se não tivesse alternativa, mataria o desgraçado, ele tinha todas as cartas ao seu favor enquanto ela, nada. Mesmo que fosse presa outra vez, vingaria o marido com maestria. Queria ter uma arma para atirar bem no meio da cabeça dele, deixando um buraco que seria uma obra de arte espetacular. Quando terminou de se vestir, ficou esperando na sala de estar, até que o momento oportuno pudesse chegar para pôr um fim, de uma vez por todas, nessa novela. Duvidava que uma simples conversa pudesse resolver tudo.
          
Isadora chegou quase alguns minutos depois que Isabela tinha sentado no sofá, pedindo para que fosse para o carro, indo para a mansão de Samuel.
         
A residência se desabrochou logo à frente, depois de duas horas de um trânsito infernal da cidade. Já, de longe, poderia se ver a grandiosidade do lugar que impressionou Isabela. Se soubesse que ódio contra um ser humano desse essa força de vontade para se tornar uma pessoa bem abastada, teria aderido esse lema. Os portões se abriram, deixando que as duas entrassem com o veículo naquele palácio.
         
As duas ficaram em frente da construção, pois Isadora tinha algumas instruções a dar.
         
- Você vai ficar no saguão, que dá perto da sala de estar, enquanto falo com ele. Você vai entrar para confirmar a verdade, depois que eu contar tudo. Se entrar logo de cara, pode trazer um atrito muito grande. Eu tinha dito a ele que tinha algo muito sério para conversar que o deixou intrigado, dizendo que esperaria na sala de estar, logo pela manhã, quando eu fosse relatar o que se passaria.
         
- Tudo bem. Não estou muito afim de me desgastar emocionalmente tão cedo.
         
Isadora chegou a sala de estar. Samuel a esperava, de pé, numa posição que já aguardava no horário combinado.
         
- Então... O que é esse algo de sério que você gostaria de me falar? – perguntou sem dar um bom dia.
         
- E sobre o seu pai e José Roberto.
         
Ao ouvir o nome dos dois, sentiu uma raiva o inundando.
         
- Pensei que esse assunto estivesse encerrado – disse ríspido.
         
- Eu sei. Mas surgiu uma reviravolta que pode mudar tudo que você sabia.
         
Samuel ficou confuso, não entendendo o que ela estava querendo dizer.
         
- Do que você está falando?
         
- José Roberto não forjou falsas provas de desvio de dinheiro para incriminar o seu pai.
         
Aquelas palavras soaram como loucura para os ouvidos dele, ficando nervoso e se aproximando irritado perto dela.
         
- O que você pretende ao dizer isso? – perguntou cerrando os dentes de raiva. – Não vai usar esses argumentos tão estúpidos para me atingir, só porque eu ando dando umas puladinhas de cercas – zombou.
         
- Não. Jamais brincaria com os seus sentimentos dessa maneira. Sei o que sofreu durante esses anos. Por isso, contratei um detetive e consegui provas do responsável que acabou com a vida de seu pai. Isabela, esposa de José Roberto, é a culpada.
          
Samuel gargalhou de deboche, sabendo muito bem as reais intenções dela, o amor que tinha pelo Diogo. Sempre desconfiara que ela ainda gostava daquele verme.
         
- Aposto que essas provas são tudo falsas com intuito de devolver tudo para Diogo – disse com desprezo. – Eu sabia que nunca tinha deixado de amar esse cara.
         
- Eu o amei um dia. Mas, não suportei vê-lo pagar por um erro que não cometeu. Faço isso em memória a tudo que vivi com ele no passado.
         
- Em memória? – zombou. – Essa é a sua resposta?
         
- Sim.
         
- Acorda! – gritou. – Eu odeio Diogo! Ele teve tudo enquanto eu não tive nada! Ele mereceu pagar por isso!
         
- Você está usando uma justiça torta para o seu próprio ponto de vista! – disse firme.
         
- Não, não estou! E sai com essas provas fajutas da minha frente!
         
- Não são fajutas- disse Isabela entrando, não aguentando mais ouvir aquela lorota.. – Elas comprovam a verdade.
         
Samuel ficou chocado ao ver aquela mulher ali. Achava que ainda estava na cadeia, mofando.
         
- Eu armei tudo para que o seu pai deixasse a TecnoFuture, não meu marido. Ele nunca soube que fiz isso. Planejei tudo em segredo.
         
Ele ficou desarmado ao ouvir aquelas palavras, sendo percebida por Isadora que aproveitou a oportunidade, tirando uma pasta da bolsa, esticando os braços enquanto falava:
         
- Dentro desta pasta, tem uma perícia grafotécnica que pedi para o delegado, Parreira, meu amigo, providenciar, em relação alguns documentos assinados, comprovando a veracidade das informações.
         
Samuel pegou a pasta, ainda tentando assimilar o que acabara de escutar. Aquilo não poderia ser real. Retirou os documentos, vendo a perícia e todas as provas que inocentava Reginaldo e José Roberto. Era tudo verdade.
         
Ficou perdido mediante a essas revelações. Desde pequeno, nutria um ódio e uma sede de vingança para destruir a família Magalhães pelo mal que fizeram, traçando planos espetaculares para que a memória do pai fosse limpa, não tendo arrependimentos de concluir seus objetivos. Entretanto, isso não valia de nada, pois condenara duas pessoas inocentes que não sabiam que estavam envolvidas numa teia de mentiras. Quem era o culpado por sua desgraça, estava ali, bem na sua frente, Isabela. Uma vontade matá-la acendeu dentro do âmago, querendo vê-la debaixo da terra. Uma raiva tomou conta, fluindo numa força sem precedentes.
         
- Maldita! – berrou. – Como pôde fazer isso, desgraçada?
         
Isabela gostou da instabilidade de Samuel, assim como a sua vulnerabilidade, aproveitando para despejar todo o seu veneno contra o homem que matara o homem que ela amou.
         
- Porque o dinheiro é a única coisa que importa. Quando vi que José Roberto e Reginaldo fundaram uma empresa que explodiu no mercado, cheguei a conclusão, que o meu marido não poderia dividir o dinheiro com o seu amigo. Não aceitei que houvesse divisão de lucros por parte dos dois. A grana tinha que pertencer exclusivamente para uma única família.
         
- Você destruiu o meu pai, sua vagabunda! Ele morreu por sua causa!
         
- Estamos quites, meu querido. Meu marido também morreu, e por sua causa. Ficamos empatados.
         
- Como eu te odeio! – vociferou. – Acabei destruindo vidas que não tinham culpa!
         
- Erro de interpretação, é normal – disse numa voz fria. – Tenho que admitir que você agiu magistralmente em querer destruir a minha família. Parabéns. Estou impressionada. Você  foi muito mais esperto do que eu.
         
- Não seja cínica! Se você não fosse ambiciosa, nada disso estaria acontecido.
         
- Deveria agradecer por seu pai ter morrido. Você, com a sua sede de vingança, se tornou um homem rico, saindo a pobreza que o cercava. No fundo, eu fui benéfica para você e Isadora.
         
Samuel não conseguia acreditar que aquela mulher pudesse dizer aquilo sem emoção nenhuma. Não se importando com a dor dos outros, e espezinhando mais ainda.
         
- Você é louca!
         
- Pragmática, eu diria – disse auto se elogiando. – Tudo o que fiz foi para proteger os interesses do meu marido e filhos.
         
- Seu interesses, você quer dizer.
         
- Pense da forma como achar melhor. Isadora, eu não tenho mais nada para fazer aqui, quero ir embora antes que eu comece a ter náuseas de continuar essa discussão pífia.
         
- Eu prometo que vou acabar com a sua raça! – disse cheio de ódio.
         
- Só para esclarecer, sua mulher já acabou comigo há dois anos quando me colocou atrás das grades.
         
Isabela saiu da sala de estar, deixando Samuel carregado de emoções que ferviam como numa panela, freneticamente.
         
Isadora estava sem reação ao presenciar a discussão entre eles. Sabia que Isabela era uma mulher desprezível, mas escutá-la falando daquela maneira contra o amor da sua vida, ficou de queixo caído. Não sabia que essa mulher poderia se superar. Nem a prisão havia acabado com a crista de galo dela, só tinha arrefeçado, só isso.
         
- Fique aqui. Preciso levá-la embora – falou depois de sair dos seus pensamentos.
          
- Leve essa maldita pra longe da minha residência, se não pego a minha arma e dou cabo nela!
         
Ela saiu.
         
As duas se encontram na frente do carro que viera, estacionado em frente a mansão.
        
- E, agora? – perguntou Isabela curiosa. – Quando ele devolverá a fortuna?
        
- Temos que esperar um pouco. Ele está muito abalado.
        
Elas entraram no carro, partindo dali.
 
                                      ***
 
Quando se vive numa mentira que se torna verdade por muito tempo, descobrindo que aquilo que acredita não é o verídico, isso desestabiliza qualquer ser humano. Pois não há mais nada no que se apegar, apenas o vazio. Samuel estava nesse dilema, lutando para poder reordenar todas as suas crenças e convicções que eram seus fundamentos criados desde jovem. Ele acreditou que seu pai fora vítima do seu melhor amigo, mas a história era completamente diferente, a mulher do melhor amigo tramara tudo. Uma raiva tomou conta dele, jogando os objetos da sala de estar para qualquer lado e quebrando as coisas, estava muito frustrado. A realidade era muito dura para encarar, principalmente uma revelação bombástica que mudou o rumo da sua vida.  
         
Começou a chorar, logo após a fúria ceder para a tristeza. Voltando sentimentos que não queria reviver, toda dor que passou ao ver o próprio pai se entregando a cada dia na bebida.
         
Um grito ecoou de sua boca, potente, poderoso e indomável, carregado de amargura, ódio, dor, lamento, perda e desgraça.
          
Como amava o seu pai. Como desejava tê-lo vivo ao seu lado. Ter um abraço e um beijo. Como queria  ter crescido com um exemplo masculino dentro de casa, alguém para se inspirar, e passar o resto da infância, da adolescência, da juventude compartilhando as possíveis vitórias que poderia ter conquistado, caso não tivesse acontecido tantas desgraças, não planejando se vingar, mas criando um futuro de alegria para si. Passou a vida lutando para ser alguém de sucesso com intuito de apenas destruir as vidas que o destruiu. O que seu pai pensaria dele? Talvez, apoiasse essa loucura toda. Mas, fora um preço muito alto a se pagar que custou vidas de inocentes que não tinham nada ver com o sofrimento que passara.
         
Samuel ficou ali sozinho, debulhando-se em lágrimas, soluçando de tanta decepção, refletindo se tudo o que fizera valeu apenas. Só saiu dali quando as lágrimas secaram.

Pedaço de Mau CaminhoOnde histórias criam vida. Descubra agora