Capítulo 21

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Isabela Rodrigues Guimarães acordou cedo naquele dia. Ao abrir os olhos, não conseguiu e lembrou que tinha colocado duas rodelas de pepino em cima das pálpebras. Rapidamente, retirou o legume de sobre si, encarando o teto do quarto. Virou-se para o lado e viu o marido que roncava debaixo das cobertas, entortando a cara de desgosto ao presenciar aquela cena. Nunca suportara os roncos do marido nesses quarenta e três anos de casada, mas não podia reclamar, pois sem ele, não estaria acordando numa mansão maravilhosa.
         
Levantou da cama, indo até o banheiro e encarou o espelho. O rosto dela estava cheio de um creme verde que, usava antes de dormir, para ter uma pele macia como a seda. Abriu a torneira e lavou-se. Logo em seguida, foi até a bacia com gelo e pôs a face ali dentro por alguns segundos e retirando-a.
         
Depois, encheu a banheira com água quentinha, despejando um sabonete caríssimo de rosas para criar uma espuma deslumbrante com um cheiro agradável. Despiu o pijama e desfrutou daquela delícia.
         
Hoje, seria o primeiro dia de tratamento do marido na quimioterapia. Eles marcaram às dez horas a sessão, não podendo faltar de jeito nenhum.
         
Ela gostava de José Roberto, não do modo piegas dele, contudo, nutria uma paixão. Fora o único homem que casara e a tirara da pobreza. Nem gostava de lembrar do passado, porque dava gastura só de cogitar voltar a reviver uma época que fizera de tudo para enterrar. Era grata pelo que o marido havia feito, entretanto, tinha medo que ele morresse e, não queria. Desejava mais dinheiro na conta. Por isso, nenhum questionamento ao contratar a melhor forma de tratamento, aquela doença iria embora na marra.
         
Enxugou-se e vestiu um roupão. Caminhou até o closet escancarando as portas que se abriam como uma sanfona, revelando um espaço que caberia mais um quarto enorme ali dentro. Começou a olhar as roupas, escolhendo a mais cara e elegante, assim como, os sapatos, que foram uma fortuna. Trocou-se, satisfeita com o luxo sobre o corpo dela e não aquela calça jeans puída do boteco que usara quando jovem. Ficou irritada. Por que aquelas malditas lembranças queriam voltar? Não gostava de relembrar o lado pobre. Ajeitou o vestido como forma de exterminar aquela má-nostalgia.
         
Quando virou-se para a cama, o marido já não estava mais dormindo, fora tomar banho. Era possível ouvir o barulho da água. Ótimo. Não tinha vontade de despertá-lo, senão pareceria uma empregada e, ela estava acima disso.
         
Desceu as escadas da mansão, dirigindo para a mesa do café que já estava posta, com alimentos de primeiríssima qualidade.
         
Ao sentar à mesa, a sua maravilhosa taça de frutas frescas com iogurte sem açúcar e desnatado, a esperava. Pegou a jarra de suco de laranja natural, pondo no copo, depois desfrutou o café da manhã, aos poucos, saboreando lentamente, pois não desejava ficar esperando José Roberto chegar, assim como esperá-lo acabar a refeição, sendo que, ela já havia terminado. Então comia devagar, dando tempo para que ele viesse, nem que, atrasado, assim não teria que esperá-lo tanto, acabariam quase ao mesmo tempo e sairiam juntos. Odiava aguardar as outras pessoas.
         
Ele apareceu, dando um beijo na testa da esposa e acompanhando-a. Seu semblante, a cada dia, ficava mais pálido e um cansaço tomava conta do corpo, querendo dormir e dormir. Mas, precisava aguentar o tranco, pois um contrato seria assassinado e teria que encarar um tratamento durante meses, por isso, não podia entregar-se tão facilmente.
         
Sentou à mesa, cortou uma fatia de queijo branco e pôs na torrada integral e serviu-se de chá de hortelã.
         
José Roberto falou com a esposa:
         
- Agradeço por me acompanhar no tratamento. Fico grato.
         
- Você é meu marido. Eu te amo. E, precisa recuperar-se para tocar a empresa. Sei que a TecnoFuture é o seu ar e o seu coração.
         
- Verdade, amor. Ainda, nesta semana, receberei os documentos para que eu e Gustavo possamos assinar. O contrato será bem específico. Enquanto ocorrer, o meu processo de cura, ele será o presidente. Quando a minha recuperação estiver a todo o vapor, voltarei a comandar como sempre fiz.
         
- É assim que se fala.
         
Eles terminaram de comer e levantaram-se.
         
O motorista já estava de prontidão na entrada da mansão, esperando o casal Guimarães. Assim que os avistou, abriu a porta traseira do veículo e os dois entraram.
         
O carro saiu daquela gloriosa residência, indo em direção ao seu destino.
         
O Hospital Albert Einstein era o lugar onde o magnata faria o máximo possível para não deixar a sua vida esvair diante dele, lutaria com todas as forças, ainda havia muito tempo de vida, queria aproveitar o máximo e desfrutar mais ainda das riquezas adquiridas durante todos esses anos que se dedicou a construir um império, tendo o maior conforto e segurança que o dinheiro poderia lhe fornecer.
         
José Roberto ficou um pouco com receio de perder o cabelo na quimioterapia, era vaidoso, gostava de vestir-se bem, sempre andava perfumado e nunca deixou exalar qualquer mau odor das axilas. Desde jovem, fora asseado e não perderia agora, aos 59 anos. Entretanto, se quisesse viver, o cabelo deveria ser o de menos. O que adiantaria cuidar da aparência e perdê-la no túmulo? Seria um desperdício.
         
O médico injetou a agulha no braço dele, onde o líquido iria passar dentro das veias para combater a leucemia mielogênica aguda, pingando paulatinamente no cateter intravenoso.
         
Isabela resolvera ficar na sala de espera. Enquanto estava ali, sentada, em uma das cadeiras, as memórias do passado procuravam uma brecha para entrar e trazer o passado à tona. Ela relutava com todas as forças, não queria reviver a juventude miserável, a época que não tinha nem um tostão furado para tomar um sorvete e ainda cuidar de uma mãe que era viciada em jogo. Respirou profundamente, concentrando-se e guerreando contra as lembranças, odiando a si mesma por cogitar o passado. Não queria voltar. Havia horror, pavor e nojo. Por que a recordação de uma garota atrás de um balcão aos 14 anos queria voltar? Era a culpa da pobreza que queria jogar na cara dela o quão fora amaldiçoada por falta de recursos e não nascera num berço de ouro? Como gostaria que isso tivesse ocorrido, nascer com pais ricos e cheios da grana. Um sonho que foi impossível.

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