Capítulo 12

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                                Diogo

Eu não sabia que quebrar a perna era tão horrível assim, uma dor aguda, pulsante e insuportável. Para completar todo o drama, as ardências dos cortes espalhados através do meu corpo, faiscavam como um carrasco adorando executar o bandido na guilhotina. O pior, chorei em frente da Júlia! Que vergonha!
         
Além disso, sentia medo achando que ninguém nos encontraria, perdidos naquela natureza irritante por séculos. Talvez, não aguentaria tanto tempo daquela maneira.
         
Com o passar das horas, nada havia mudado. Júlia permanecia ao meu lado, sentada, preocupada também e cheia de cortes, principalmente, naquele rostinho dela e com uma aparência melhor do que eu. Merda! Minha tática de beijá-la não havia dado muito certo.
         
Então uma tontura surgiu e fechei os olhos, dormindo. Se fosse só isso tudo bem, mas as malditas lembranças retornaram para me atormentar.

                                  ***

A primeira coisa que retornou à mente foi a governanta Sofia que penteava meus cabelos na frente do espelho, os ajeitando para a festa que iria acontecer na Mansão Guimarães. Um medo devorava-me, preocupado em não agir corretamente entre os convidados, sendo obrigado a ouvir as palavras ásperas da mamãe que não eram muito legais, ainda mais para uma criança de oito anos.
         
Na verdade, eu não tinha vontade de descer para pôr todas as aulas de etiqueta à prova, queria ficar no quarto, quieto, sem falar com ninguém. A solidão, naquela época, era uma amiga e tanto.
         
- Pronto, Diogo. Seus cabelos estão bem aliados. – A governanta disse orgulhosa.
         
- Obrigado.
         
Olhei o reflexo que o espelho reproduzia, vendo meus cabelos cheios de gel e penteados para trás parecendo um magnata, lembrando de papai de uma maneira triste, fazendo o meu semblante mudar.
         
- O que foi, menino? Não gostou? – Sofia perguntou preocupada.
         
- Não, nada  – sorri para disfarçar.
         
Ela derretia quando eu fazia isso, deixando-a feliz. Não queria chateá-la. Mas lembrar de papai doía tanto, porque só se preocupava com ele mesmo, enchendo-me de presentes para tampar o buraco da ausência.
         
- Então vamos descer, rapazinho?
         
- Sim.
         
A governanta Sofia pegou nas minhas mãos para sairmos do quarto. Assim que chegamos ao corredor que, dava próximo à grande escadaria, ouvi vozes e mais vozes que conversavam lá embaixo.
         
Descemos, andando através daquelas pessoas ricas que tomavam taças de champagnes e, se serviam de novo,  à medida que os garçons passavam por entre eles.
         
Isabel, minha mãe, conversava com um casal quando nos aproximamos.
         
- Com licença, senhora Guimarães. – A governanta chamou.
         
- Um momento, por favor – respondeu aos convidados. – Diga, Sofia.
         
- Seu filho.
         
Mamãe olhou para mim como se eu fosse um objeto qualquer, pegando na minha mão com nojo, agradecendo a ela. Depois, agachou-se e disse sorrindo:
         
- Diogo, como eu ensinei.
         
Balancei a cabeça concordando.
         
- Esses são Mario Assunção e Amanda Assunção.
         
- Muito prazer senhor e senhora Assunção – cumprimentei estendendo a mão.
         
- Que educado! O prazer é todo meu, garotinho. – O Sr. Assunção deu um aperto de mão.
         
- Bem educado seu menino, Isabel – elogiou a Sra. Assunção.
         
- Eu agradeço. Ele tem que está a altura para comandar, futuramente, a TecnoFuture – disse com um falso orgulho.
         
- Mario! – Uma voz masculina saudou contente.
         
- José Roberto – saudou reciprocamente.
         
Papai e ele se abraçaram de modo afetuoso.
         
Logo em seguida, meu pai olhou pra mim, fez um meneio sério com a cabeça e foi recepcionar os outros convidados.
         
Fiquei o tempo inteiro de lá para cá sendo o troféu bonitinho da família, nada mais e nada menos, permanecendo em silêncio enquanto mamãe interagia com os convidados. Quando eu tentava dizer algo, disfarçadamente sentia os ombros pressionados, recebendo um aviso para que calasse a boca.
         
Depois de algumas horas, os presentes se reuniram na enormíssima sala de jantar onde uma gigantesca mesa de mogno exibia-se centralizada, arrumada conforme à etiqueta, bem elegantemente.
         
Cada convidado foi tomando o seu assento enquanto meus pais, cada um, acomodavam-se nas pontas da mesa e, eu, fiquei ao lado de mamãe que, a todo instante, olhava para mim, observando, se aconteceria alguma gafe causada pelo filho dela.
         
O pessoal da cozinha começou a servir o jantar, distribuindo em cada prato carne de cordeiro ao limão, acompanhado de um bom vinho. Os empregados pareciam dançarinos no meio da sala de jantar de tão treinados que eram, sem cometerem nenhum erro. Para mim foi servido a mesma comida, mas suco no lugar do vinho.
         
Coloquei tudo o que havia aprendido com a professora de etiqueta em prática e tomei o máximo de cuidado possível para não errar, nada poderia sair fora do planejado, senão consequências terríveis viriam.
         
Foi, então, que a desgraça aconteceu, sem querer, derrubei o copo de suco que caiu na mesa e rolou até o chão, provocando um estrondoso sonido ao espatifar-se de encontro ao piso, chamando a atenção dos convidados.
         
O medo dominou-me de uma maneira arrebatadora. Lentamente, olhei para a mamãe que fizera uma cara de reprovação, empalidecendo o meu rosto enquanto as lágrimas desciam silenciosamente através das bochechas. Precisava ser forte, sem fazer escândalo em frente aos convidados.
         
Rapidamente, um dos empregados apareceu de imediato, limpando o chão. As pessoas sentadas à mesa voltaram as suas refeições como se nada houvesse ocorrido. Fiquei muito grato, pois não me recriminaram, na verdade, nem se importavam, ao contrário da mulher que se chamava de mãe.
         
Finda a festa, corri de volta para o quarto, sabendo o que viria.
         
Ela entrou fechando a porta atrás de si com uma ferocidade arrasadora, apertando o meu braço numa truculência absurda.
         
- Incompetente! Estragou o jantar! – Mamãe vociferou.
         
- Foi sem querer. Era apenas um copo, ninguém ligou – falei chorando.
         
- Não me interessa que seja um mísero copo! Nada poderia ter saído errado, nada! - sacudia-me violentamente arregalando os olhos numa fúria cega.
         
- Por favor, para! Você está me machucando.
         
- É para machucar mesmo! Estou te educando para frequentar as melhoras festas do país! Um copo quebrado é inaceitável!
         
- Prometo que farei melhor, prometo! – estava desesperado.
         
- Duvido, seu inútil! Infelizmente, você não é como ele!
         
- Mamãe, me perdoe, por não ser igual. – As lágrimas caíam em  abundância.
         
Um copo quebrado não significava nada numa classe social mais alta, algo pífio e irrelevante. Mas, nesse caso, era ódio e implicância mesmo. Talvez, naquela época, eu não estava no nível dessa pessoa e jamais poderia substituí-la, nunca!
         
Quando mamãe afrouxou as suas mãos em meus braços, saí correndo do quarto e indo até o jardim. Encostei-me em uma das árvores e chorei amargamente.

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