Capítulo 30

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No dia seguinte, a queda da família Guimarães teve início. Gustavo estava chegando à mansão, logo de manhã, junto com os advogados, para ter a assinatura dos papeis.
         
Horas antes, José Roberto terminava de se arrumar, olhando-se no espelho e vendo as entradas que começavam a surgir no seu cabelo. A quimioterapia estava agindo e enfraquecendo os fios. Uma tristeza tomou conta. Nunca imaginara que passaria por esse momento tão difícil na vida. Sempre fora um homem forte, cheio de vigor e trabalhador. Não gostava de ficar parado, ociosidade nunca fora algo bom. Entretanto, o corpo já reclamava de cansaço e agia mais lentamente. A doença estava presente, querendo corroer aos poucos toda a saúde. Esperava que o tratamento médico tivesse efeito. Sua esperança era um transplante de medula óssea, alguém compatível. A esposa dele, Isabela, fizera os exames, mas não havia compatibilidade nenhuma. Queria pedir ajuda para Diogo, uma ideia logo descartada. Os dois não se davam bem.
         
Ao ficar pronto, pondo o terno, a gravata e o sapato social, saiu do quarto, caminhando através dos corredores da mansão sozinho. Já estava acostumado a não ser esperado pela esposa, afinal, ela nunca gostara de esperar ninguém. Enquanto dirigia-se ao seu objetivo, observava os móveis da casa, os cômodos com as portas fechadas ou abertas, pensando que tudo aquilo fora construído com muito esforço. Era um garoto pobre que não tinha dinheiro, mas com uma vontade de vencer enorme. Ele amava o dinheiro, não por ser bilionário e usufruir aquilo como exibicionismo, ao contrário, era por ter conquistado com mérito e ter vencido na vida. Sentia-se chateado, desejava que seu filho continuasse os negócios da família e,  que, perdurasse por muito tempo, alcançando os netos. José Roberto trabalhou com muito afinco, viajando para vários países e fazendo negócios com inúmeros empresários, tendo êxito, expandindo mais e mais o império, a TecnoFuture. Quando criou esse nome, foi numa época que o computador era uma novidade que ganhava cada vez maia força e grandes empresas como a Microsoft e Apple investiam em tecnologias. Por isso, o nome da empresa tinha a junção de duas palavras em inglês, technology e future, significando: “O Futuro é a tecnologia”.
         
José Roberto começou  numa garagem, junto com o seu amigo Miguel, ambos aficionados por tecnologias, desmontando os computadores novos ou quebrados, investigando e tentando criar o seu próprio negócio. Como o conceito já estava criado, era apenas produzir o produto numa escala maior, nesse caso, o aparelho, não o software, que no caso, pertencia as empresas norte-americana. Foram anos bons, onde usou a sua juventude para sonhar e realizar seus sonhos.
         
Desceu as escadas, indo até a mesa do café da manhã, sentando-se enquanto Isabela já estava alimentando-se havia algum certo tempo. Pegou uma torrada integral e cortou o queijo o branco, despejando na sua xícara, o chá.
         
- Hoje os papéis serão assinados – puxou conversa.
         
Isabela não o ouviu. A mente estava mergulhada no que acontecera ontem, preocupada, pois a qualquer momento a polícia viria ao encalço dela. Fugir estava fora de questão, não abandonaria o marido e era ré primária, poderia responder em liberdade. Nem tinha conseguido dormir à noite, remoendo no cérebro a audácia daquela mulher em aprontar  com ela. Como desejava matá-la. Se soubesse que isso iria acontecer, teria posto a empregada na cadeia e matado a filha. Não iria contar para o marido, seria doloroso de mais e muito decepcionante, até que não houvesse como mais esconder.
         
- Isabela! – José Roberto falou mais alto. – Estou falando contigo!
         
- O que foi?! – Ela saiu dos seus devaneios.
         
- Eu estou falando com você e não está me dando nenhuma atenção.
         
- Eu estava absorta nos meus pensamentos.
         
- E, o que seria? Geralmente, você está mais preocupada em comer do que pensar logo pela manhã.
         
- Deixa pra lá. O que quer falar comigo?
         
- Hoje o contrato será assinado. Gustavo assumirá a empresa enquanto faço o tratamento.
         
- Infelizmente. Deveria ser o nosso filho.
         
- Ele jamais aceitará. Tem implicância conosco.
         
- Não me sinto segura passando os nossos negócios para quem não é da família.
         
- Não se preocupe, Gustavo é de confiança. Ele é um dos nossos acionistas, além de ter crescido na empresa com méritos honráveis.
         
- Espero.
         
Ao terminarem o café da manhã, se ajeitaram, aguardando Gustavo chegar.
         
Ele apareceu, acompanhado dos advogados. Ao adentrar na sala de estar, o casal Guimarães os perceberam. Houve cumprimentos e, logo em seguida, começaram a tratar do que realmente interessava.
         
- Aqui estão os papeis – disse Gustavo abrindo a pasta.
         
- Ótimo. Vamos assiná-los?
         
- Não gostaria de ler o contrato antes? – Isabela perguntou.
         
- Bobagem. O contrato foi redigido de acordo com as minha exigências – José Roberto respondeu.
         
- Perfeitamente.
         
Gustavo tirou a caneta da pasta e entregou a José Roberto junto com os documentos para a assinatura.
         
Isabela observava, esperando que todos os procedimentos fossem realizadas. Não gostava da ideia de outra pessoa conduzindo os negócios, não sabia se essa pessoa conseguiria continuar o maravilhoso trabalho que o marido fizera por tanto tempo, entretanto, não havia escolha.
         
José Roberto sentou no sofá, apoiando a pasta nas pernas e começou a assinar o contrato, depois de feito, entregou tudo para o novo presidente da TecnoFuture, Gustavo sorriu discretamente, satisfeito que o plano dera certo, agora, todos os bens pertenciam a ele.
         
- Bom, senhor e senhora Guimarães. Creio que vocês já podem se retirar desta casa.
         
- O quê? – Ele disseram em uníssono.
         
- Isso que vocês ouviram – respondeu num tom frio.
         
- Você está de palhaçada, Gustavo! – Isabela o repreendeu.
         
- Não estou brincando. Neste documento que o seu marido acaba de assinar diz que ele passa todos os seus bens para mim, tudo.
         
- Não é possível! – José Roberto se levantou rapidamente do sofá, mas sentindo uma tontura e sendo amparado pela esposa. – As cláusulas são bem específicas, você seria presidente até a minha recuperação.
         
- Não sei do que está falando. Não me lembro de ter dito isso.
         
- Cínico! – Isabela esbravejou. – Isso foi tudo um golpe!
         
- Por que, Gustavo? – José Roberto queria saber.
         
- Não há um por quê. Você doou legalmente os seus bens. Darei até o fim da tarde para que os dois possam ir embora. Como sou uma pessoa generosa, podem pegar as suas roupas e fazerem as malas.
         
- Maldito! – O Senhor Guimarães gritou. – Você me enganou!
         
- Calúnia e difamação é crime. Passar bem.
         
Gustavo e os advogados foram embora, deixando os recém falidos em choque.
         
A derrocada havia apenas começado.
         
Isadora já havia ido a delegacia e mostrado as gravações para o delegado, seu amigo. A polícia iria agir assim que o contrato fosse assinado e foi isso o que ocorreu. Ao sair da mansão, Gustavo sinalizou as autoridades que entrassem e fizessem o serviço.
         
Não houve nem tempo de assimilação para o pobre casal, pois o delegado Moreira e os seus homens adentraram o recinto, assustando os dois.
         
José Roberto estava confuso ao ver aqueles homens ali, ainda mais que tentava digerir os recém-acontecimentos que sucederam.
         
- O que os policiais fazem na minha casa? – perguntou o ex-magnata dizendo sua casa, não aceitando a catástrofe que se abatera na sua vida.
         
- Sou o delegado Moreira, vim dar ordem de prisão.
         
Isabela já sabia o motivo específico, ficando irritada e nutrindo um ódio muito grande contra Isadora, aquela vaca! Sabia que era uma questão de tempo, não havia escapatória.
         
- Voz de prisão pra quem? – José Roberto estava receoso.
         
- Para a Senhora Guimarães. Ela está presa por incriminar uma pessoa inocente.
         
- O quê? – Ele estava sem chão. – O que significa isso? Só pode ser brincadeira! Duas merdas uma atrás da outra vindo na minha vida! – bradou.
         
- É verdade – Isabela disse.
         
José Roberto olhou para ela, pasmo.
         
- Explique-se! – Outra tontura se abateu nele, sendo conduzido até o sofá pela esposa.
         
- Lembra da Joelma, aquela empregada que foi presa há vários anos, por roubo?
         
- Lembro – falou tentando se recompor.
         
- Eu a incriminei.
         
Se o mundo desabasse ali mesmo, não teria mais problema, uma sucessão de desgostos se juntavam num ataque ferrenho contra José Roberto. Não conseguia suportar o pesadelo que estava presenciando.
         
- Por que? – perguntou num fio de voz.
         
- Por causa de Diogo. Ele apaixonou-se pela filha dela. Eu tinha que fazer alguma coisa.
         
As lágrimas começaram a jorrar incessantemente dos olhos do velho. Era decepção o que sentia, pelo filho que não quis assumir os negócios da família, pela esposa que fizera uma atrocidade como aquela e pela traição de Gustavo. Tudo bem que não fora um exemplo de pai ou de pessoa, mas, jamais, iria fazer algo tão covarde como incriminar alguém. Sentiu nojo de Isabela naquele instante.
         
- Saia de perto de mim!
         
- Não faça isso comigo – ela começou a chorar.
         
- Saia de perto de mim! – gritou com todas as forças.
         
Ela recuou, chorando.
         
- Eu te dei tudo, Isabela! Tudo! Mas sua obsessão por culpar Diogo pela morte de Ezequiel foi longe de mais! Aquilo foi um acidente! Era só separar a moça dele de outra forma!
         
José Roberto berrou aquelas palavras, mesmo não se sentindo bem e com tontura.
         
- O senhor quer que chame uma ambulância? – perguntou o delegado preocupado.
         
- Não. Vou pedir a uma das empregadas e a leve daqui.
         
O delegado Moreira meneou a cabeça e tirou uma algema. Aproximou-se Isabela e as colocou nela que chorava sem parar. Antes que saíssem o delegado disse:
         
- Senhor, somos do terceiro distrito da polícia caso alguém da família queira ir vê-la.
         
- Obrigado – José Roberto agradeceu.
         
O delegado e os seus homens a levaram, deixando José Roberto sozinho, chorando e com mal-estar.
         
Antes de entrar na viatura de polícia, Isabela olhou pela última vez a grandiosa mansão que morara por anos, triste que ali não era mais seu lar. Ao ser posta dentro do carro, ela chorou enquanto se afastava daquele lugar. Sabia, também, que não tinha nem um advogado para se defender.

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