Capítulo 45

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Querido leitor, esses últimos capítulos foram intensos. A partir de agora será assim, pois esta história encaminha-se para a sua reta final. Aperte bem o cinto. Cuide do seu psicológico. A partir deste capítulo, novidades e bastantes emoções.

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                                   Diogo
 
Dois anos depois
 
Caolho abanava o rabo querendo o pedaço de pão que eu tinha comprado na padaria com as esmolas que pedi, latindo para que pudesse comer. Eu disse que seria para mais tarde, pois era a única coisa que tínhamos para nos alimentar. Não satisfeito, choramingou usando as patinhas para pedir um bocado, não consegui resistir, dando uma parte bem pequena que comeu com um vigor enorme, depois, me lambeu sem parar agradecido. Ele tinha esse nome de Caolho desde que despertei numa manhã, percebendo-o debaixo das cobertas, dormindo no quentinho, por causa do frio. Assim que abriu os olhos, começou a abanar o rabo pedindo carinho e vi que ele não tinha o olho direito, então resolvi tê-lo ao meu lado. Foi um alívio ter uma companhia, ainda mais morando nas ruas sem ninguém.
         
Depois que Caolho fez a sua refeição antecipada, guardei o pão na caixa de isopor velha que ficava ao lado do meu colchão esburacado e a coberta esfiapada que me protegia do gelo da noite.
         
Ser morador de rua não era nada fácil. As pessoas não nos enxergavam, como se houvesse algo que nos deixava invisível. Vi milhares delas passando todos os dias pela cidade de São Paulo, apressadas, pensando em si mesmas e no objetivo que precisavam cumprir, sem olhar um instante se quer para os mais necessitados. A invisibilidade era só quebrada quando eu estendia as minhas mãos e pedia esmolas. Alguns me davam algumas moedas e outras diziam que não tinham.
         
Foi desafiador viver nas ruas. Nas primeiras semanas senti-me desesperado, chorando muito. Eu tinha crescido no conforto, no luxo e nunca precisei sobreviver para o dia seguinte. A vida era muito mais tranquila quando se tinha tudo ao alcance das mãos. Vaguei pelas ruas por muitos dias, não querendo pedir dinheiro, resistindo ao máximo, ainda mais que eu tinha dinheiro na carteira, relutando ainda de praticar tal ato. Quando não havia mais grana e a fome apertou, fui obrigado a esmolar. Algumas pessoas não quiseram estender a mão de imediato, pois uma semana se passara quando vendi a minha mansão num condomínio fechado para Samuel, estando bem vestido e a minha beleza que era destaque, fazia que desconfiassem e não dessem nada para eu poder comprar. À medida que eu ficava mais sujo, na mesma proporção conseguia alguns trocados.
         
O mais desafiador era o cheiro ruim que meu corpo começava a exalar, além da roupa que acompanhava junto o fedor, ficando aflito para tomar banho. Comecei a ter chulé, porque eu permanecia o tempo todo calçado.
         
Sofri muito durante as noites, ainda mais no inverno, passando maus bocados. Eu tremia muito dormindo debaixo da ponte, nem conseguindo fechar os olhos, na verdade. Passava a madruga inteira sem descansar e chorando muito. Às vezes, Júlia vinha a minha cabeça, pensando em como ela poderia estar, se estava bem ou não. Mas acreditei que a vida estava sendo favorável, pois era melhor estar longe dela do que a sete palmos debaixo da terra.
         
O que me surpreendeu foi os outros moradores de rua que perceberam que eu agonizava todas as noites de frio, me ajudaram a encontrar um colchão velho e doando um cobertor para mim. Fiquei tão grato, que desabei em lágrimas. Eles ainda deixaram ficar perto deles, pois perceberam que eu era recém-morador de rua.
         
Nesses dois anos, tive que lutar com todas as minhas forças para não desistir de viver. Sempre pensando em coisas positivas, dizendo a mim mesmo que o melhor iria acontecer. Um dia, essa situação difícil iria mudar, retornando das cinzas. Minhas pretensões não era retomar a carreira de modelo, mas de conseguir um emprego e recomeçar. Já não tinha mais vontade de estar nos holofotes, cercado de jornalistas que desejavam saber um pouco da minha vida. Queria sossego, pois não queria que Samuel descobrisse que eu tinha quebrado o nosso acordo, machucando a pessoa que eu precisava que estivesse protegida. Só almejava comer com dignidade, vestir com conforto e ter um teto sob a minha cabeça. Se o Diogo do passado, aquele gostosão arrogante, tivesse sabendo que eu não desejava mais o luxo e a fama, ele teria zombado de mim e rido sem parar. Quando se não tem mais nada, aí percebe-se que se tinha tudo. Pois a ingratidão é um verme miserável que não deixa perceber que as coisas mais simples são as mais essenciais, como ter um lugar para ficar e comer.
         
Com o tempo, acostumei a viver assim. Um dia, eu estava numa calçada de um bairro, no outro, estava numa calçada de uma avenida agitada. Um dia, cansei de ficar como andarilho, me instalando debaixo do museu do Masp, na Paulista, onde ali tinha espaço suficiente para ficar. Era mais fácil para pedir esmolas e tinha alguns estabelecimentos legais onde eu poderia comprar alguma coisa e, também, estar perto de um lugar agitado me deixava mais vivo.
         
À noite chegou, a barriga começou a roncar. Tirei o pão de dentro do isopor, assim como uma garrafa d'água que estava pela metade, para me alimentar. Caolho ficou alvoroçado quando viu a comida, abanando o rabo tão rápido que parecia uma hélice de helicóptero, louco para ganhar o seu segundo pedaço. Dei para ele que comeu parecendo um aspirador de pó, pedindo mais. Falei que não, pois eu não tinha comido nada e ele já comera duas vezes. Como se tivesse entendido, se acalmou. Abocanhei a comida, bebendo água junto, para estufar o estômago, saciando a fome.
         
Depois de algum tempo, olhei para o  relógio digital que marcava 22:00 horas. Como eu não tinha nada de interessante para fazer, fui dormir. Caolho entrou debaixo das cobertas num rompante, se aconchegando ao meu lado para descansar também. O sono veio e esquecei por um momento que vivia numa situação precária, indo ao mundo dos sonhos.
 
                                     ***
 
Acordei bem cedo. Precisava voltar a pedir esmolas mais uma vez para conseguir alguma coisa para alimentar-me e sobreviver mais um dia. Meu estômago se revirava que nem uma contorcionista de circo, querendo ser preenchido com alguma coisa. Eu só tinha um pouco de água que havia sobrado, mas dei para Caolho que não tinha tomado nada ontem. Não me desesperei. Eu tinha quer ter esperanças como todos os dias, conseguindo mais trocados para comprar alguma.
         
Não havia nenhuma novidade para se pedir dinheiro, a única coisa necessária a se fazer era perguntar se o transeunte tinha algum trocado para me dar. Perambulei pela Avenida Paulista, com Caolho ao meu lado por duas horas, conseguindo apenas um real de moeda. Um desânimo queria tomar conta de mim, mas eu precisava persistir se quisesse continuar seguindo em frente.
         
Cheguei perto de uma cafeteria chique, onde uma moça, que estava de costas, segurando um saco com a marca do lugar, abria a porta do carro. Vi que era a oportunidade perfeita para pedir dinheiro, pois pessoas ricas tinham, com toda certeza, dinheiro, podendo ganhar uma boa quantia. Aproximei dela, estendendo as mãos para conseguir alguma coisa.
         
- Moça, com licença. Será que você poderia me dar uns trocados?
         
- Claro – disse parando o que estava fazendo e virando-se para mim.
         
Meu coração disparou freneticamente, querendo saltar da boca da surpresa que acabou de acontecer. Senti as pernas tremerem e um espanto tomava conta de mim. Não podia ser! De todas as pessoas que eu poderia encontrar, não imaginei que fosse essa. Não deu para reagir, fiquei ali, parado, não me mexendo de espanto.
          
Júlia estava na minha frente, perplexa ao me ver.

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