Capítulo 27

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                                  Júlia

Eu não estava acreditando no que aquela senhora acabara de me dizer. Era demais para ter uma absorção tão rápida no cérebro. A assimilação demorava a chegar. Um, porque houve segredos e situações do passado que foram escondidas pelos meus pais. Dois, um sentimento de amargura abateu-se sobre mim, principalmente, a falta de confiança. Como omitiram uma verdade dessas? Eu merecia ter sabido desde o início.
         
A verdade contada através de outra pessoa era mais dolorosa do que vinda das pessoas que estavam ao meu lado. Por mais que fosse difícil, tinha que ser dita.
         
Rita Prado era a minha avó. Mãe de Lúcia Prado Mendonça e herdeira de uma das mais famosas e bem sucedida rede de hipermercados chamada Compre Tudo. Se essa notícia tivesse chegado de modo aleatório, teria achado uma piada de muito mau-gosto, uma troça ou uma zombaria. Entretanto, tudo era factível.
         
Minha mãe fugira de casa aos 19 anos com o meu pai, apaixonados um pelo outro, lutando contra a reprovação da família Prado. Ela renegara as riquezas para ser livre e viver um amor impossível.
         
- Eu sei que fui errada – continuava Rita Prado a dizer a verdade -, me arrependo muito. Durante esses vintes e seis anos, não tive mais contato com ela. Eu fui contra o romance desde o início, inconformada por Lúcia relacionar-se com um pé rapado que se distanciou de mim. E, quando descobri que minha filha estava internada num hospital por agressão doméstica, não suportei. Precisava fazer alguma coisa. Entrei em contato com o programa da Samanta Santos, explicando tudo e conseguindo localizar você.
         
- E o que você pretende? – perguntei desconfiada.
         
- Reparar os erros do passado.
         
- Como?
         
- Quero cuidar dela e desejo que você venha morar na minha casa.
         
- Isso é muito repentino. Preciso de um tempo. Quem me garante que você não dará pitaco na minha vida?
         
- Já tive lições o suficiente.
         
- Entendo.
         
Rita pegou na minha mão.
         
- O que ofereço é um futuro, Júlia. Uma vida melhor. Sei que dinheiro não é tudo, mas é necessário para dar conforto. Sua mãe é herdaria dos bens da família, assim como você.
         
- Eu ainda não consigo processar essas revelações.
         
- Porque veio de modo inesperado.
         
- Pois é.
         
- Não se preocupe com isso, no momento.
         
- Tá bom.
         
- Respeitarei o seu tempo. Será que posso ver a Lúcia?
         
- Que tal, amanhã?
         
- Combinado. Pegue o número do meu celular.
         
Anotei na minha agenda.
         
- Então está combinado, amanhã de manhã virei te buscar, minha neta.
         
- Estarei no aguardo.
         
- Você terá a oportunidade de conhecer o seu avô.
         
- Mais surpresas.
         
Rita sorriu.
         
- Verdade. Preciso ir.
         
Recebi um abraço bem apertado. Havia sinceridade naquele gesto.
         
Despedimo-nos e ela foi embora dentro do seu carro que era dirigido pelo motorista particular.

                                 ***

Passei quase a noite toda pensando sobre a minha mãe.  As coisas que havia escondido relacionada a família. Ainda eu sentia aquela sensação de traição e de falta de confiança. Ela poderia ter me contado, tentaria compreender e daria apoio. Entretanto, fiz um esforço para entender o ponto de vista dela. Acho que, no fundo, o senso de proteção maternal falou muito mais alto. Não queria envolver a própria filha num passado que lutara para sair. Será que aprovaria meu contato com a vovó? Não havia reposta.
         
Outra questão martelava na cabeça, se eu aceitaria viver uma nova vida cercada de luxo e conforto, um direito familiar. Até horas atrás, eu não sonhava encontrar com uma senhora rica e dizendo que eu fazia parte da família. Era algo inesperado e fora de série. A decisão de mudar de vida só viria mediante a reação de Rita ao ver minha mãe. Aí, uma resposta seria dada.
         
Acordei cedo, tomei café e me arrumei. Depois de alguns minutos, a campainha soou, era ela. Fechei a porta de casa e fui para a rua.
         
O motorista estava de pé, em prontidão, me esperando com a porta do carro aberta. Fiquei desconfortável, não estava acostumada com regalias, hesitando por alguns instantes. Entrei.
         
Vovó sorriu quando me acomodei ao lado dela.
         
- Bom dia, minha neta.
         
- Bom dia.
         
Ela pegou a minha mão carinhosamente e apoiou na sua perna. O veículo começou a andar e fomos embora.
         
Quando nos aproximamos do hospital, falamos na recepção e fomos direto para a ala específica.
         
Rita, ao ver a sua filha entubada, em coma e sem um mínimo de reação, chorou. Não um choro escandaloso, mas amargo e cheio de arrependimentos, aproximando-se da filha e a beijando na testa, segurando as mãos inertes de uma mulher que estava presa em si mesma. Aquilo me comoveu, vovó estava realmente arrependida do que fizera no passado, ainda mais ao ver a filha naquele estado tão lamentável.
         
- Me perdoe – ela balbuciava. – Fui muito dura contigo. Supérflua. Orgulhosa. E, muito arrogante. Mas, ao mesmo tempo, meu sexto sentido de mãe avisava que o homem que fui contra, não era uma boa opção e a deixou neste estado lamentável. Foi a sua escolha, eu sei. Respeito muito. Só que no suporto vê-la assim, sem podermos trocar qualquer palavra.
         
Rita virou-se na minha direção.
         
- Você permite que ela vá para um hospital com mais recursos? Assim, terá um tratamento mais adequado. Não posso deixá-la desta maneira.
         
Lágrimas caíam dos meus olhos.
         
- Sim.
         
Vovó chorou mais ainda. Abracei-a, permitindo que desabafasse todos os erros cometidos que guardara por tanto tempo para fora. Eu já tinha a minha decisão, iria ter uma vida nova e proteger mamãe e eu de meu pai. Seria mais seguro, a coisa certa a se fazer.
         
- Escute, vó.
         
- Fale, Júlia.
         
- Morarei contigo.
         
- Sério?
         
- Nunca falei com tanta certeza. Será melhor. Tenho medo que Roberto, o marido de minha mãe, faça algum mal contra mim.
         
- Compreendo, perfeitamente.
         
- Obrigada.
         
- Então, antes de tudo, vamos conhecer a sua futura casa.

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