Capítulo 50

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                                   Júlia
 
Diogo ficava tão lindo dormindo. Ainda mais agora que estava com a barba aparada, os cabelos cortados e um pouco mais gordinho depois que passou a se alimentar com mais frequência.
         
Eu fazia carinho na sua cabeça sem ele perceber, todas as manhãs desde que ele começou a morar com a minha família. Não conseguia evitar, era mais forte do que eu. Se não o tocasse, tinha a sensação que iria perdê-lo para sempre.
         
Quando o encontrei, depois de dois anos, não acreditei que ele pudesse estar naquele estado, todo sujo, roupas rasgadas e uma aparência horrível. Fora sempre um homem bem vestido e lindo. Mesmo com toda aquela camada de miséria, conservava ainda aquela beleza de arrancar o fôlego. Eu nunca tinha imaginado que tivesse parado na sarjeta, sofrendo, passando fome e sendo esquecido pela sociedade.
         
Ao lado dele, me sentia completa. Feliz por tê-lo bem pertinho de mim outra vez, unidos.
         
Depois de tanto tempo, analisando-o melhor, ele estava tão diferente quando nos vimos pela última vez, parecia mais frágil e, ao mesmo tempo, uma resistência que o fazia continuar de pé. Analisando melhor, nós dois tínhamos mudado. Já não erámos pessoas que ficavam como cão e gato num acampamento, mas dois seres que tiveram que lidar com a vida. O caso dele foi muito mais cruel do que o meu. Se eu soubesse que esse tal de Samuel obrigara o amor da minha vida sacrificar tudo para que eu não morresse, teria encontrado uma forma de ajudá-lo. Essa atitude de Diogo fez-me ver que ele se importava comigo de verdade, e não mais com a fama e a beleza que tinha construído. Ele merecia todo o meu respeito, merecia os sentimentos mais sinceros vindos de mim.
          
Não queria mais que sofresse. Desejava que pudesse recomeçar a vida, criando novas oportunidades. E faria de tudo para que Diogo se reerguesse e tivesse a chance de prosseguir na profissão que gostava tanto. Eu torcia para que o passado difícil não retornasse mais.
          
Levantei da cama, saindo de fininho. Não queria acordá-lo e nem Caolho que dormia no tapete do quarto. Eles precisavam de um conforto depois de viverem duramente nas ruas.
          
Voltei para o meu quarto e me troquei para mais um dia em que a rotina tomaria conta. Sinceramente, precisava dar um tempo e tirar algumas férias. Não que eu não quisesse trabalhar, mas eu nunca tinha trabalhado tão intensamente. Eu tinha que cuidar de duas carreiras. Uma de apresentadora e outra de empresária. Precisava dar uma freada para não enlouquecer.
 
                                     ***
 
O dia na empresa foi muito exaustivo, pois a reunião foi muito longa. Além disso, tive que ainda verificar alguns relatórios que estavam na minha mesa. Relatórios. Eu dei risada ao pensar nessas palavras. Quantas vezes, quando eu era estagiária, me matei segurando esses papeis enormes, cansado de fazer isso quase toda semana. Quem diria que eu estava por cima da carne seca.
         
Nesse meio tempo que eu estava imersa dentro do meu escritório, meu celular tocou, era o meu agente Rodrigo.
         
- Rodrigo, como é que vai? O que manda?
         
- Estou bem. Tenho uma notícia boa.
         
- Sério? O que seria?
         
- Um empresa de roupas chamada Dress Soft quer marcar uma conversa para que você possa fazer um comercial para eles. Na verdade, é um dos donos da empresa que querem conversar, uma mulher, na verdade. Seu nome é Isadora. Fez questão de falar com a gente pessoalmente.
         
- Que legal! Para quando? Preciso ver o espaço na agenda.
         
- Seria para hoje à noite. No restaurante Varanda.
         
- Mas já? Hoje o dia foi tenso. Se bem que é uma empresa famosa. Uma oportunidade bem interessante.
         
- Se quiser, posso tentar marcar para outro dia.
         
- Faz o seguinte. Tenta para umas novas horas. Vou tentar sair às cinco para ir tomar um banho e me arrumar.
         
- Vou falar com eles.
         
- Obrigado, Rodrigo. Você é o agente do meu coração.
         
- De nada, minha querida. Te encontro na entrada do restaurante.
         
- Combinado.
         
Rodrigo era meu agente responsável por lidar com a minha carreira de apresentadora. Ele que geria tudo, me ajudando bastante. Não sabia que ter um agente pudesse ser tão útil. Na verdade, foi mais um dos conselhos da Samanta Oliveira que me deu essas dicas desse universo dos famosos. Era bom ter alguém defendendo os interesses dos artistas. Na verdade, nem tive que fazer muito esforço, graças ao meu sucesso estrondoso, fui convidada a ser agenciada por ele.
         
Respirei fundo e continuei nas papeladas.
 
                                     ***
 
Fui embora da empresa no horário prometido, escapando do horário de pico da grande São Paulo, que ficava com as avenidas congestionadas de carros que transportavam trabalhadores de volta aos seu lares para mais uma noite de descanso. Mesmo eu saindo cedo, o trânsito já começava a se preparar para o modo caótico que iniciava-se partir das seis horas da tarde. Não me importava muito com isso, gostava dessa agitação toda, me deixando mais viva e muito ativa.
         
Quando cheguei à mansão depois de uma hora e meia de trajeto, fui procurar Diogo, antes de tomar um banho. Não conseguiria sair sem pelo menos dar um beijo nele. Fui até o quarto de hóspedes, não o encontrando, ficando alarmada, indo perguntar aos meus avós que responderam que ele estava na biblioteca. Suspirei aliviada.
         
Abri as portas, sendo recepcionada por estantes de madeiras lotadas de livros, me embebedando daquele cheio de papel acumulado, um perfume maravilhoso para o meu nariz.
         
Diogo estava na poltrona de couro, concentrado na leitura, nem percebendo a minha presença. Andei de fininho, caminho por de trás da poltrona enlaçando os meus braços no pescoço dele carinhosamente.
         
- Oi, meu amor – disse empolgada.
         
- Ju, eu nem vi você chegando – disse surpreso.
         
- Você estava tão compenetrado no livro que quis surpreendê-lo. Que livro você está lendo?
         
- Um Estudo em Vermelho de Arthur Conan Doyle.
         
- Não sabia que você gostava de ler.
         
- Gosto.
         
- Isso fui completamente inesperado.
         
- Por que?
         
- Nunca conversamos sobre isso.
         
- Verdade.
         
- Eu vou ter que sair, mais tarde a gente conversa.
         
- Aonde vai?
         
- Tenho uma conversa com uma empresária, ela quer que eu faça uma propaganda para a empresa dela.
         
- Que legal!
         
- Depois te conto tudo.
         
Para despedir, demos um selinho um no outro.
         
Saí da biblioteca para me arrumar.
 
                                    ***
 
Rodrigo, meu agente, me esperava, encostado no capô do carro. Ao me ver, me cumprimentou e perguntou:
         
- Preparada?
         
- Ansiosa, na verdade. Parece que vou fazer pela primeira vez uma propaganda.
          
- Aguenta a ansiedade – disse sorrindo.
         
O restaurante Varanda estava com a casa lotada de pessoas que podiam gastar uma boa grana ali dentro, pessoas ricas dos mais variados tipos, comendo naquele espaço.
         
O garçom nos indicou a mesa onde ela já estava sentada, nos esperando, a tal Isadora se levantou para nos cumprimentar.
         
- Boa noite. Tudo bem? Sou Isadora. Você deve ser a Júlia, não é? – falou solícita.
         
- Prazer, Isadora. Sou eu mesma. Esse é o meu agente Rodrigo.
         
- E bonito – elogiou.
         
- Obrigado. – Ele disse vermelho com o elogio.
         
- Por favor, sentem-se. – Ela convidou.
         
Fizemos o que ela pediu.
         
- Não gosto muito de rodeios, por isso vou direto ao assunto. Eu não vim aqui para fechar uma possível propaganda na televisão.
         
Rodrigo e eu olhamos um para o outro confusos.
         
- Como assim? – perguntei não entendendo aonde ela queria chegar.
         
- Eu sou Isadora. Eu vim falar sobre o Diogo, seu namorado.
         
Fique espantada quando ela disse o nome dele. Meu agente estava perdido, pois viera fazer uma negociação que não existia.
         
Então lembrei reconheci o nome dela e a minha cara fechou que nem um prenúncio de tempestade. Como ela ousava me enganar dessa maneira para falar comigo depois que tinha destruído a vida do meu namorado?
         
- A primeira namorada de Diogo – falei transparecendo minha raiva, não revelando que eu já sabia o que ela tinha feito junto com Samuel.
         
Os clientes que sentavam-se à mesa ao lado, viraram-se quando eu disse isso.
         
- Calma, por favor. O assunto que tenho para tratar é de extrema importância. Não quero chamar a atenção.
         
Rodrigo percebendo que havia alguma história entre nós, pediu licença, dizendo que iria embora.
          
Agora era só nós duas.
          
- Nós temos nada para conversar  – disse tentando não gritar ali dentro.
          
- Por favor, só me escute.
          
- Você tem um minuto.
          
- Tudo bem.
          
Ela suspirou.
          
- Fui eu, junto com Samuel, que armamos para que Diogo desaparecesse.
          
Não pude esconder o meu sarcasmo ao dizer:
          
- E conseguiram de uma maneira exemplar.
          
- Você sabia? – perguntou espantada.
          
- Sim. Eu reencontrei Diogo sem querer.
          
- Isso é uma noticia ótima – falou alegre.
          
- Não estou te entendo. Se pensa que vou dizer seu paradeiro para você fazer as suas maldades, está muito enganada.
          
- Eu não pretendo fazer mais nada com ele.
          
- Ah, não? - zombei. – Essa foi surpreendente.
          
- Estou falando sério, quero me redimir.
          
- Por que essa mudança repentina?
          
- Porque percebi muito tarde que Diogo não tinha culpa de nada. Tudo não passou de um mal entendido.
          
- Aonde você pretende chegar?
          
- Provavelmente, você deve saber, Samuel se vingou porque o pai de Diogo forjou falsas provas para incriminar o pai dele.
          
- Sim. Eu sei de tudo.
          
- Entretanto, o pai de Diogo é inocente. Foi a mãe dele que planejou isso.
          
Fiquei estarrecida ao ouvir aquilo, era uma revelação e tanto. Diogo ficaria extremamente chocado quando soubesse disso.
          
- Está me querendo dizer que todos esses anos, tudo passou de uma armação que resultou num mal-entendido?
          
- Sim.
         
- E que mal-entendido. Vocês não sabem o quanto ele sofreu, morando nas ruas. Se você o visse agora, ficara chocada como ele mudou.
         
Isadora começou a chorar na minha frente, desarmando-me um pouco. Não esperava essa reação.
         
- Eu me arrependo, Júlia, de ter feito isso. Ele não tinha culpa de nada. Foi uma vítima das circunstâncias. Sabe o que ele disse para mim?
          
- O que?
         
- Um dia, eu te amei também. E faria a mesma coisa por você. Se pudesse, eu mesmo botaria a culpa em mim só para salvar a sua mãe e a sua felicidade. Agora, tudo que vivemos juntos foi jogado na lata de lixo, por causa do seu ódio. Estou decepcionado.
         
Aquelas palavras eram realmente bem fortes.
         
Isadora se  recompôs do choro, nesse meio tempo, um garçom foi nos ver, perguntando se havia acontecido alguma coisa ou se pediríamos algo. Respondi que estava tudo bem e, assim que estivéssemos à vontade para escolhermos alguma coisa do cardápio, iríamos pedir alguma coisa. Ele assentiu, afastando-se da mesa.
         
- Eu fiquei tocada com o que ele disse, sentindo-me arrependida por tudo o que fiz.
         
- Você não só o envolveu, mas a mim também, que foi jogada na fogueira e parando numa revista de fofocas.
         
- Verdade. Por isso, quero reparar tudo. Mas me conte uma coisa? Como foi que reencontrou Diogo?
         
Expliquei para ela, não detalhando muito, ficando embasbacada.
         
- Realmente o destino quer que vocês fiquem juntos.
         
- O que você gostaria para se redimir?
         
- Na verdade, eu já fiz.
         
- Sério?
         
Isadora balançou a cabeça positivamente, em seguida, narrou em detalhes o que tinha feito para tentar reaver os bens roubados do pai de Diogo. Fiquei bastante surpresa, jamais tinha imaginado que isso pudesse acontecer, ainda mais se tratando do mau-caráter Samuel.
         
- O que acontecerá agora?
         
- Samuel quer falar com ele. Não posso dizer do que se trata, pois quer falar tudo pessoalmente.
         
Fiquei receosa.
         
- Não sei, não.  E, se for mais uma armadilha feita por vocês?
         
- Garanto que não.
         
- Preciso de uma segurança.
         
- Você tem a minha palavra que nada de ruim acontecerá com Diogo. Se houver qualquer tentativa traiçoeira eu impedirei.
         
- Ainda não é uma garantia.
         
- Acredite em mim.
         
- Vou dar um voto de segurança. Mas te dou um aviso, se acontecer qualquer coisa com o meu homem, eu vou caçá-los até o inferno e mato os dois. – Eu disse friamente que ela arregalou os olhos.
         
- Feito. Posso conversa com ele antes?
         
- Pode, mas não posso garantir se ele vai querer.
         
- Só de vê-lo, vai valer o risco.
         
- Então vamos para a minha residência. Só siga o meu carro.
         
Nos duas nos levantamos da mesa, indo embora do restaurante.
         
Enquanto eu voltava para mansão com Isadora me seguindo atrás, fiquei preocupada de como Diogo reagiria. Ele já tinha passado por tanto coisa por causa das tramoias de Samuel e Isadora, que não sabia como trataria a mulher que quis vê-lo no fundo do poço, devido ao um ressentimento do passado. Parecia errado fazê-lo encarar o primeiro grande amor da sua vida que o destruíra, jogando-o para viver como indigente nas ruas.
         
Só vendo a sua reação para poder saber.

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