Capítulo 19

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Antes que Milena soubesse da foto na capa da revista “Conte Mais”, sua vida estava imersa nas atividades do orfanato. Durante todo o feriado prolongado de carnaval, ela esteve presente junto com as crianças e jovens, lendo capítulos do livro de Monteiro Lobato e alguns contos clássicos dos Irmãos Grimm e Andersen. Não só isso, mas brincando com os orfanados e dando todo o amor que era possível.
         
Ela não desejava outra coisa a não ser ajudar, trazendo alento aos órfãos, como também, sorrisos e alegria. Isso a fazia esquecer de Diogo que estava longe, acampando com um amigo, divertindo-se no feriado, sem a presença dela. Por isso, estar ali, era tudo de bom.
         
Paulo, o professor de português do orfanato, olhava à distância seu grande amor ocupada com as crianças e jovens. Ele gostava de ouvi-la lendo, as palavras saiam perfeitamente, doces e delicadas como um aroma de jasmim ou uma brisa de verão. Parecia que as personagens das histórias se desgrudavam das próprias páginas, criando vida e inundando o ambiente com as suas ações.
         
Durante o tempo que Milena ficou de voluntária, ela e Paulo sempre se encontravam na hora do jantar, conversando os mais variados tipos de assuntos enquanto saboreavam a deliciosa comida feita por Jussara, uma cozinheira de mão cheia que tinha amor pelos órfãos, fazendo pratos uns mais saborosos do que os outros.
         
O feriado prolongado de carnaval havia acabado e, Milena, não poderia mais disfarçar que ficava o dia inteiro fora com as amigas, sendo que estava fazendo outra coisa, porque não queria que os pais soubessem. Eles eram muito materialistas, visavam o dinheiro e o conforto, não priorizando o próximo. Nesse último dia, ela leu A Pequena Sereia, deixando os ouvintes vidrados em cada frase, até saberem o que iria acontecer.
         
Milena despediu-se de todos, logo após o jantar, abraçando e beijando nas testas e nas bochechas daquelas pessoas que precisavam de uma família para não se sentirem mais sozinhas. Quando ela terminou, Paulo se aproximou.
         
- Se continuar assim, você terá que adotar a todos – ele disse brincando.
         
- Não seja exagerado – falou com um sorriso.
         
- Estou falando sério.
         
- Do jeito que olham para você e como a tratam, parece mais a mãe deles.
         
- Quem dera, eu pudesse ser.
         
- Você seria uma mãe incrível – elogiou.
         
- Imagina.
         
- Falo sério. É notório o seu lado materno quando está perto deles. O carinho, a atenção e o amor são os sentimentos que mais se destacam.
         
- Assim, você me deixa sem jeito.
         
- Desculpe, se fui indelicado.
         
- De maneira nenhuma.
         
“Por que Diogo não poderia ser como o Paulo?” Milena pensou. Realmente, ela questionava-se o porquê de seu namorado não ser atencioso. Mesmo que ele desse toda a atenção, parecia que havia algo que o deixava distante, como se nunca tivessem sido namorados de verdade. Era um questionamento estranho, pois eles estavam a há um ano juntos, mas as impressões mostravam-se bem palpáveis.
         
- Nos veremos, de novo, amanhã? – Paulo perguntou.
         
- Agora virei com menos frequência.
         
- Por que?
         
- Porque o feriado acabou.
         
- Entendi. Então a gente se vê a qualquer dia.
         
- Tá bom.
         
- Até logo.

- Até.
         
Milena o deixou, dirigiu para a saída do orfanato e indo embora para casa com o seu carro.
         
Enquanto estava dentro do veículo, no meio da Marginal Pinheiros, os pensamentos dela voltaram para o homem que mais amava, Diogo, o modelo famosíssimo que havia a conquistado no primeiro instante que o viu no cruzeiro.

                                  ***

Diogo estava encostado na balaustrada do navio, olhando o mar e usava uma camisa havaiana desabotoada, mostrando todo o seu tórax. Milena sentia-se tonta e enjoada, pois não estava acostumada a viajar de navio, parando ao lado dele e olhando as ondas que aguardavam ansiosamente o vômito dela.
         
Diogo percebeu que a moça não transmitia uma feição das melhores, parecendo que iria morrer.
         
- Você precisa de ajuda? – ele perguntou preocupado.
         
- Eu já vou melhorar – ela respondeu sentindo o esôfago dar um solavanco para colocar o almoço para fora.
         
- Não achei muito segura a sua resposta – falou sorrindo.
         
Milena vomitou. Diogo virou de lado para não ver aquela cena nojenta. Depois que, ela parou, ele a olhou novamente.
         
- Se quiser, posso ajudá-la.
         
- Como?
         
- Olhe fixo para o horizonte e não se mexa.
         
- Sério isso? – ela perguntou meio descrente.
         
- Confie em mim.
         
Milena fez o que ele pedira. Aos poucos, a sensação de ânsia de vômito começou a diminuir, aliviando-a.
         
- Deu certo!
         
- Viu? Eu tenho toda a razão – Diogo falou vitorioso.
         
- Mas, por que olhar para o horizonte? – perguntou curiosa.
         
- Isso ajuda a estabilizar os sentidos, por causa que o navio fica balançando e dá instabilidade na pessoa.
         
- Isso é incrível. Qual é o seu nome?
         
- Diogo. E o seu?
         
- Milena.
         
- Muito prazer.
         
- O prazer é todo meu. Espera! – Ela virou rapidamente para ele. – Bem que eu achei você familiar. É o Diogo Guimarães, o modelo mais famoso do mundo! – O enjoo voltou que fê-la olhar o horizonte mais uma vez.
         
- Eu mesmo! – confirmou sorrindo de um jeito galanteador.
         
- Eu sou sua fã! – exclamou empolgada.
         
- Fico lisonjeado.
         
- Mais tarde quer ir ao cassino comigo?
         
- Claro. Por que, não?
         
- Ótimo. – A empolgação dela beirava ao último grau.
         
- Mas você está bem, mesmo? Não quero que aconteça um acidente.
         
- Depois dessa dica de hoje, acho que não.
         
Milena deu o número da cabine para ele pegá-la mais tarde. Os dois se despediram, cada um indo para o lado aposto do navio.
         
Pedro Alcântara, o poderoso magnata, havia adquirido a melhor cabine daquele cruzeiro para a esposa e a sua filha Milena. Quem entrasse ali, veria o luxo faiscando em todos os lugares, dando inveja a qualquer um.
          
Ela entrou, sentando na sua cama, ainda sentindo um pouco de mal-estar, mas olhou para a janela que dava para ver o mar, concentrando-se, mais um vez, no infinito azul. Enquanto isso, a mente dela pensava em como fora audaciosa ao convidar um desconhecido para terem um momento juntos, mesmo que Diogo fosse famoso, ainda assim, era um estranho. E, olha aonde iriam, num cassino, a proposta havia sido muito mais absurda. No fundo, uma sensação de alegria tomara conta, estava dois dias naquele cruzeiro, sozinha, sem nenhuma amizade, apenas acompanhada dos pais e, uma companhia, faria bem. O navio tinha tudo o que poderia se imaginar, até um shopping, entretanto, não havia graça divertir-se consigo mesma.
         
A água quente do chuveiro caía no corpo de Milena como uma massagem, relaxando e fazendo diminuir um pouco a ânsia. Depois do banho, ela abriu a mala de viagem e procurou sua melhor roupa, pois queria estar apresentável e bonita para ele. Escolhera um vestido floral laranja com o fundo branco, pondo uma meia-calça por baixo, assim como, colocou um sapato preto, penteou os cabelos para trás fazendo um rabo de cavalo e passou um batom vermelho.
         
Olhou-se no espelho, satisfeita com o resultado, achando-se maravilhosa. Viu as horas no celular constando que havia sido precipitada, tomando banho muito cedo, mas não importava, o aguardaria até que ele batesse na cabine e, enquanto isso, pegou um livro que estava com a leitura pela metade, mergulhando na história.
         
Quando deu seis horas, uma batida na porta ressoou, interrompendo a leitura dela, colocou o livro em cima da cama e foi ansiosa atender.
         
Diogo sorriu para Milena quando a porta foi aberta, e vestindo-se muito bem. Ela também retribuiu sorrindo, feliz por ter companhia.
         
- Nossa, como você está linda – ele elogiou.
         
- Obrigada – ela respondeu corando. – Você também está.
         
- Fico feliz em saber. Vamos? – perguntou erguendo o braço direito para ela.
         
- Vamos – aceitando o convite em ficarem próximos um do outro.
         
Ambos caminhavam pelos corredores do navio de braços dados, cada um sentindo o calor do outro por estarem juntos. Milena estava inebriada pela beleza de Diogo, seu charme e carisma, não enxergando mais nada além dele.
         
O cassino estava lotado, ardendo de pessoas viciadas nos caça-níqueis e nas mesas de jogos. Era possível ouvir o tilintar das moedas que caíam das máquinas e as pessoas que recolhiam o dinheiro de maneira desesperada e ansiosas, prontas para mais uma rodada viciante. Garçons passavam com taças de bebidas nas bandejas, oferecendo para cada um que quisesse, entorpecendo para que os jogadores ficassem mais imersos naquele lugar.
         
Milena ao olhar tudo aquilo, ficou pensando se fora uma boa ideia vir até ali. Não sabia aonde estava com a cabeça para fazer uma proposta como essa, de ir ao cassino. Contudo, Diogo parecia bem à vontade, conduzindo-a através do salão até uma mesa onde havia um monte de homens e mulheres em expectativa vendo a roleta girar para que a bolinha branca caísse no número correspondente.
         
- Está pronta para apostar? – Diogo perguntou.
         
- Não estou muito segura.
         
- Não se preocupe, vamos fazer uma aposta baixa, se perdermos, vamos embora.
         
- Tudo bem. – Um medo tomava conta, sendo nítido na voz dela.
         
- Nada de errado vai acontecer – ele assegurou.
         
Realmente, a sorte estava com os dois. Na primeira vez, a bolinha caiu no número que Milena escolhera que comemorou de alegria. Na segunda vez, Diogo conseguira também, deixando os dois empolgados e acabaram se beijando.
         
Milena ficou envergonhada, mas o coração dela, palpitava desenfreadamente, apaixonada por um homem tão viciante e sedutor, sabia que, naquele instante, era o cara certo para o resto da sua  vida.
         
Eles fizeram uma última e terceira jogada, ganhando mais uma vez e arrancando murmúrios de reprovação por parte dos concorrentes, indo embora com uma quantia razoável no bolso.
         
Os dois resolveram ir para uma balada que estava ocorrendo dentro do navio, ao chegarem perto do local, o som da música estremecia as paredes pelo alto volume e de um som potente que fazia todo mundo cair na folia, dançando sem parar, enlouquecidamente, e com copos de bebidas nas mãos de mais variados estilos, sabores e cores.
         
Diogo a levou até o balcão, oferecendo uma cerveja. Ela aceitou, tomando um pequeno gole enquanto ele revirava de um trago só, pedindo mais uma. Milena se empolgou ao ver o futuro namorado bebendo e fez da mesma maneira. Os dois ficaram rapidinho bêbados, rindo um da cara do outro e indo para pista de dança.
         
Como o álcool estava lá nas alturas, Milena dançou agarradinho com o Diogo que aceitava sem questionar, apertando a bunda dela e lascando um beijo poderoso. Os hormônios começavam a pipocar entre eles e uma excitação tomou conta dos dois, pegando fogo em tudo.
         
Milena foi para a cabine de Diogo e transaram.
         
No dia seguinte, o sol da manhã irradiava seus raios, aquecendo o local e iluminando tudo. Milena acordou e uma ressaca a invadiu sem misericórdia, tonta e querendo saber onde estava. Olhou para os lados, percebendo que não estava na sua cabine, achando-se confusa. Mas, ao olhar para a lado, viu Diogo de olhos abertos e sorrindo, compreendendo o que acontecera. Uma felicidade irradiou dos poros dela, correspondendo o seu amado com um beijo.
         
- Bom dia, amor! – ela falou.
         
- Bom dia. Dormiu bem?
         
- Mais ou menos. Acordei com dor de cabeça.
         
- Eu também – disse dando mais um beijo nela.
         
- Meus pais devem estar desesperados. Eu sumi à noite toda.
         
- Você teve um motivo especial para isso.
         
- Vou apresentá-lo para eles.
         
- Mas nem pedi em namoro ainda.
         
- Então peça.
         
Diogo ficou um pouco receoso.
         
- O que foi?
         
- Não, nada.
         
- Tem certeza?
         
- Tenho.
         
O modelo a olhou por alguns instantes.
         
- Quer namorar comigo?
         
- Sim.
         
Milena estava com o coração a mil, não acreditando que estava namorando o Diogo Guimarães, um modelo famosíssimo.
         
Quando ela estava prestes a entrar na sua cabine, um homem de idade, mas vigoroso e, de boa aparência, apareceu.
         
- Filha, onde você esteve à noite toda? – perguntou preocupado.
         
- Oi, pai. Eu estive... – ela não sabia como explicar. Tinha medo de dizer que passara a madrugada transando. -... por aí.
         
Pedro Alcântara levantou uma sobrancelha em desconfiança.
         
- Você sabe que é muito mau em mentir, não sabe?
         
- Eu sei – bufou.
         
Ela entrou na cabine sendo seguida pelo pai que fechou a porta atrás de si.
         
- Agora, pode me explicar. Tenho toda a paciência do mundo – ele disse sério.
         
- Eu conheci um cara...
         
- Nome?
         
- Diogo Guimarães.
         
- Nem preciso perguntar o que fizeram.
         
- Não – falou constrangida.
         
- Ótimo. Vou matá-lo. Qual o número da cabine dele? – perguntou friamente.
         
- Nós estamos namorando.
         
- Namorando? – O poderoso magnata já começava a sair do sério. – Mal se conheceram e já estão namorando e o cara  viola a minha filha.
         
- Foi amor à primeira.
         
- Amor à primeira vista que transou logo, no primeiro encontro! – repreendeu.
         
- Não foi bem assim.
         
- Ah, não foi? Então explique – ironizou.
         
- Eu estava com muito enjoo e ele me ajudou a ficar melhor.
         
- Que lindo! – A raiva de Pedro Alcântara começava a borbulhar.
         
- Mas você não sabe da melhor parte – tentou ficar empolgada e dizer algo para que houvesse a aprovação do pai.
         
- Fale, antes que eu o mate de tanta porrada.
         
- Ele é o famoso Diogo Guimarães, o modelo mais famoso no Brasil e nos Estados Unidos.
         
- Humm – o interesse do ricaço cresceu. –  Poço, perdoá-lo.
         
- Sério? Por quê? – perguntou incrédula com a cara de pau dele ao saber que poderia tirar vantagem deste namoro.
         
- Diogo Guimarães é um sucesso internacional, minha filha. Qualquer produto lançado no nome dele, vende milhões.
         
- Não acredito que você mudou de ideia só por causa disso? – perguntou indignada.
         
- Pensei que fosse um playboyzinho qualquer. Convide-o para jantar conosco esta noite.
         
- Tudo bem.
         
Pedro Alcântara foi embora deixando a filha pasma.
         
Milena não acreditara no que havia ocorrido, simplesmente o pai dela mudou de opinião por ser apenas, Diogo, o modelo dos holofotes. Incrível! Pelo menos, conseguira a aprovação do namoro.
         
Mais tarde, os dois se encontraram na piscina.
         
Diogo nadava perfeitamente, exibindo os ombros largos e os braços fortes. As mulheres que sentavam-se nas cadeiras, espiavam discretamente, abaixando o óculos de sol e admirando a beleza daquele homem, já as outras não tinham nenhum pudor.
          
Milena apareceu, pois eles haviam combinado de se encontrar na piscina. Enquanto vinha a passos lentos, notou como o namorado dela era bonito, percebendo, também, os olhares do mesmo sexo feminino investindo  olhares contra ele. De pirraça, ela se aproximou da borda da piscina e gritou:
         
- Diogo, meu amor!
         
Ele virou a cabeça.
         
- Milena! Venha nadar comigo!
         
Ela retirou o roupão, pondo numa cadeira e, exibindo o seu biquini laranja, mergulhando nas águas.
         
Os dois beijaram-se.
         
Enquanto se divertiam na piscina, Milena contou o convite do pai.
         
- Claro que irei!
         
E, continuaram ali, naquele maravilhoso dia de sol.

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