Capítulo 42

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                                  Diogo
 
As lágrimas caíam dos meus olhos sem parar, molhando as bochechas e respingando no piso frio do hospital. Uma dor muito gigantesca tomava conta, dilacerando o peito e destruindo tudo. Eu não conseguia parar de chorar, era impossível. O sofrimento que sentia estava interminável e constante.
         
Cinco meses havia se passado, e José Roberto, o ex-grande magnata da TecnoFuture, definhou. A Leucemia Mielogênica Aguda, uma doença cruel que avançou sem precedentes, ajudado pela decepção que ele sentia ao perder a sua fortuna, acabou com a sua vida. Me senti responsável por não conseguir fazer nada, só vendo o meu pai sofrer.
         
Ele se entregou de uma tal maneira para a doença que me deixou perplexo. Todos os dias eu tentava trazer ânimo e esperança, mas as únicas palavras que se repetiam dos seus lábios era: “Eu não quero viver, eu perdi tudo". Se entregando mediante ao golpe sofrido e, principalmente, com as notícias que eram divulgadas com frequência. Depois de dois meses, os jornalistas e repórteres começaram a diminuir nos noticiários sobre a nossa família, entretanto, ainda havia muitas especulações maldosas.
          
Isso ocasionou uma depressão profunda no meu pai, não querendo mais continuar o tratamento. Não queria vê-lo assim. Meu objetivo era que nós pudéssemos reconstruir o nosso relacionamento que nunca tivemos e viver como uma família de verdade, infelizmente, esse tão sonhado desejo escoava por meus dedos. Agora que eu tinha a oportunidade de recuperar o tempo perdido, se tornava em algo impossível. Por que nunca tive uma família de verdade? Por que? Sempre fui tratado como um estranho na minha própria casa. Achei que a minha sina era para não ser infeliz.
         
Fiz de tudo para salvá-lo, tentei, ainda por cima, obrigá-lo a continuar com o tratamento, pois já não podia respeitar uma vontade que o consumia, mas se tornou arredio, brigando comigo e dizendo que não queria fazer mais nada.
         
Como eu ansiava por ter a Júlia do meu lado, pertinho de mim, aqui no hospital, me abraçando, me consolando e dizendo que tudo daria certo. Até isso eu não poderia ter, pois os paparazzi começaram a ficar na minha cola, loucos para obter uma foto minha e descobrir algum pobre. Não queria manchar a imagem da minha amada e que entrasse em contradição para as pessoas quando a vissem ao meu lado. Iriam ficar perplexas que uma mulher que foi assedia por um beijo e, que, tinha exposto a minha safadeza à público, estaria com um homem desses. Ela perderia todo o crédito.
          
Eu estava sozinho na sala de espera, o médico dissera que meu pai acabara de falecer. Pedi um tempo para poder olhá-lo pela última vez, reunindo forças. Eu não aceitava que isso pudesse estar acontecendo. Meu mundo virava de cabeça para baixo. Consegui me recompor, avisando a médico que queria vê-lo pela última vez.
         
Fui levado ao necrotério onde o encontrei sem vida. Era estranho presenciar essa cena, pois ali estava meu pai, mas, ao mesmo tempo, não havia mais nada. Apenas uma casca vazia, um recipiente que não estava preenchido. Não aguentei, eu chorei outra vez e com uma intensidade maior. Eu não conseguia digerir esse fato, achando que fosse um sonho, um delírio provocado pela minha mente. José Roberto estava vivo, lutando para sobreviver e se recuperando, era isso. Mas quanto mais eu tentava me apoiar nesse ideia estúpida e sem sentido, mais a realidade gritava apontando que ele estava morto.
         
Beijei a testa fria dele, despedindo-me para sempre.
 
                                     ***
 
A lápide foi fechada. Coloquei o ramalhete de cravos em cima, sentindo uma dor que lacerava o coração e arrancava minhas vísceras. Aqui terminava a jornada de papai, enterrado no mesmo cemitério que Ezequiel. Fiquei por alguns instantes mergulhado no sofrimento, lamentando e remoendo a perda. Uma culpa viera me acusando de não ter dado tanta atenção para um homem que estava doente e pedia ajuda do filho, pontuando o modo como fui egoísta e cheio de mágoas e, também, rancor. Sim, rancor. Por isso, não quis assumir os negócios da família, pois eu tinha um amuleto, a fama da passarela. Usei a minha carreira como forma de me livrar das angústias que sentia, juntando com os traumas que vivi, achando que era invencível. No fundo, nesses últimos meses, percebi que era como uma criança, vulnerável, sem saber para aonde ir. Fiquei cego por muito tempo. Eu tentava compreender se essa reação toda era mais remorso do que qualquer outra coisa. Sei lá, eu estava tão confuso.
         
Não havia ninguém no cemitério além de mim. Logo que eu saísse daqui, uma nota à imprensa seria enviada contando sobre o falecimento, evitando que eu estivesse cercado de jornalistas tirando fotos e tendo mais uma pauta para explorar. Nem avisei a minha mãe, pois não queria que ela participasse, não merecia por tudo que fizera. O amor dela estava no dinheiro e nada mais. Meu pai fora usado para apenas ser uma conta bancária, ao bel-prazer de uma mulher que pensava em viver na luxúria.
          
Estava na hora de ir embora. Quando me virei, notei que um homem bem vestido de terno e com a aparência de quarenta anos me observava, sorrindo de um modo doentio e um olhar sombrio que já chegava perto de mim. Fiquei mais surpreso com Isadora que o acompanhava, transmitindo seriedade no semblante, deixando-me confuso e preocupado ao mesmo tempo. Aquele homem transmitia uma sensação ruim só pelo seu jeito de andar. Ele parou, ficando cara a cara comigo.
         
- Meus pêsames, Diogo – disse numa falsidade assustadora.
         
- Quem é você? Como sabe o meu nome? – perguntei. Logo em seguida, olhei para Isadora a questionando também: - O que você está fazendo aqui, junto com esse cara?
        
- Deixe-me apresentar. Sou Samuel. Filho de Reginaldo, o mesmo que foi acusado injustamente por desvio de dinheiro por seu pai que forjou falsas provas para incriminá-lo.
        
Fiquei perplexo. Então, finalmente, eu estava frente a frente com ele. Meus sentimentos estavam abalados e esse tal de Samuel vinha no meu momento de luto lavar roupa suja.
        
- Há um equívoco. Meu pai disse que não fez isso – disse não escondendo a minha insatisfação.
        
- Mentiras e mais mentiras. Por isso, tive que agir. Roubei a empresa do senhor José Roberto, além, é claro, de Isadora, meu grande amor botar a sua bela mãe na cadeia – sorria ao mencionar aquelas palavras.
        
- Agora entendi. Você também está aliada com ele Isadora – disse surgindo uma raiva que começava a borbulhar dentro de mim.
        
- Nós planejamos tudo. Como você acha que o seu beijo em Paranapiacaba repercutiu na mídia? Fui tudo obra das nossas mãos. Sabíamos sobre o seu patrocínio milionário, tirando essa bolada para te prejudicar e manchar a imagem do modelo mais famoso do Brasil e dos Estados Unidos – um deboche era notório enquanto se vangloriava.
        
- Então você é o desgraçado que jogou eu e Júlia na fogueira! – gritei não conseguindo mais controlar a fúria que fervia no peito.
        
- Eu mesmo! Me senti tão contente por causa disso!
        
- Parabéns – falei sarcasticamente e batendo palmas -, golpe de mestre. Xeque-mate! Tudo por causa do ladrão do seu pai, aquele vagabundo.
        
Aquelas palavras o feriram, arrancando o seu deboche e toda a sua crista de galo, deixando-o nervoso. Adorei fazer isso.
        
- Meu pai não é nenhum ladrão! Foi um homem honesto que foi traído pelo seu melhor amigo e ficou na miséria! – vociferou. – Não sabe o quanto sofri vê-lo amargurado e se afundando da bebida até morrer. Tive que trabalhar muito cedo, pagando um preço para ser bem-sucedido, enquanto você crescia no luxo, no conforto, sem mexer nem um dedo!
        
- Vai começar com aquele papo de irmão ressentido clichê de novela, vai? – zombei.
        
- Tão clichê que tive o prazer de ver o seu morrer!
        
Não aguentei. Desferiu um soco em Samuel. Isadora, instintivamente foi ampará-lo, mas parou quando ele começou a rir, segurando o queixo e transmitindo uma confiança que me assombrou, piorando com o sangue que escoava do nariz e descendo para a boca, ficando uma pessoa apavorante.
         
- Não adiante me bater, eu venci. Venci! – gritava de prazer.
         
Samuel retirou um lenço do bolso, limpando o sangue do nariz e da mão como se houvesse todo o tempo do mundo, em seguida, pegou o celular do bolso, fazendo uma ligação.
         
- Sou eu. Isso, coloca a imagem de vocês.
         
Quando o celular foi virado na minha direção, eu congelei. Cinco homens armados estavam dentro de uma vã, perto da emissora que Júlia trabalhava.
         
- Como tinha dito, eu venci, Diogo. Destruí a sua família. Só falta você. Quero que desapareça dos holofotes, repentinamente. Quero que todos pensem que você não aguentou a pressão do escândalo dos seus pais e essa terrível morte. Doe a sua fortuna para uma instituição de caridade e venda os seu imóvel para mim com tudo dentro, um negócio discreto. Também, separe-se de Júlia. E, prometa para mim, que não vai contactar amigos, ninguém.
         
- Claro que não vou fazer isso! Você está louco – berrei.
         
- Claro que vai. Seria tão triste ver Júlia, a sua amada, baleada depois de um falso sequestro – disse irônico.
         
Comecei a chorar, aquilo era muita maldade.
         
- Pelo que conheço do seu histórico, você jamais trocaria o seu dinheiro e a fama por alguém. Não foi isso mesmo que você fez com o seu pai? Estive te vigiando por bastante tempo, seguindo os seus passos, eu sei tudo sobre você. Escolha, seu prestígio ou a mulher que ama.
         
O Diogo de antes até poderia trocar Júlia pela fama, mas não o de agora.
         
- Tudo bem.
         
Samuel ficou satisfeito, demonstrando em seu semblante uma alegria macabra. Olhei rapidamente para Isadora, triste e decepcionado. Mesmo que não mais tivéssemos nenhuma relação, pelo menos, ela poderia ter respeitado o que vivemos no passado, não participando desse ato tão cruel.
         
- Um dia, eu te amei também. E faria a mesma coisa por você. Se pudesse, eu mesmo botaria a culpa em mim só para salvar a sua mãe, e trazer felicidade pra você, Isadora. Agora, tudo que vivemos juntos foi jogado na lata de lixo, por causa do seu ódio. Estou decepcionado.
         
Ao dizer aquelas palavras, Isadora arregalou os olhos surpresa.
         
- Belo discurso, Diogo. – Samuel desdenhou. – Mas isso não vai funcionar. Ela já escolheu o seu lado. Ela me ama – disse dando ênfase a frase. – Pegue o número do meu celular, manteremos contato.
         
Fiz o que ele pediu, anotando o seu número de telefone na minha agenda do celular.
         
- Bom garoto. – Samuel elogiou. – Estarei de olho em você. Qualquer gracinha, Júlia morre. Entendeu?
         
- Entendi – sentindo um aperto no peito.
         
- Preciso ir. Vamos Isadora?
         
Ela fez um movimento com a cabeça sinalizando que sim.
         
Samuel e Isadora foram embora. Quando tomaram uma boa distância, comecei a chorar, berrando com todos os meus pulmões no cemitério que ecoou fortemente. Eu estava sem escolhas. Não queria perder o bem mais precioso que tinha. Júlia era o meu grande amor e não aguentaria vê-la morta. Não havia escolha, eu iria sacrificar tudo que consegui para que ela pudesse viver. O mais difícil seria me separar dela, quebrando o seu coração.

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