Capítulo 40

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                                  Diogo
 
O túmulo do meu irmão parecia tão sinistro ali naquele cemitério. Mesmo com o sol da manhã que batia na lápide, parecia que não dava nem um pouco de vida. Não sei se era impressão minha ou porque aquele lugar de um certo modo carregava um ar muito forte, uma sensação de perda profunda. Nunca  fui religioso ou algo do tipo, mas estar dentro deste lugar me trazia um sentimento depressivo, pois remetia-se um estigma de perda. Quantas vidas foram enterradas de um modo trágico? Quantas histórias boas ou ruins foram levadas com elas? Não havia como mensurar isso. Aquele lugar estava carregado de emoções de familiares que despejaram toda a sua dor e continuando as visitas como uma forma de apaziguar o luto.
         
Eu segurava um ramalhete de rosas vermelhas, encarando a foto de Ezequiel tirada aos quinze anos, meses antes de morrer, congelada para todo o sempre. Pus a mão no mármore frio, sentindo um monte de sensações que eu não poderia descrever, mas uma delas, era a liberdade de não carregar mais o peso da culpa que me destruíra por tantos anos. Estava livre para seguir em frente, sem deixar o passado me assombrar todos os dias. Comecei a chorar, não de tristeza, mas de alegria. Meu irmão me salvara da morte. Um ato de amor que eu deveria ter carregado, não sentimentos errados. Se ele não tivesse me salvado quando eu era pequeno, naquele mar que estava revolto, causado pela tempestade, provavelmente eu estaria com um túmulo bem ao seu lado, ambos mortos. Esse foi o maior sacrifício de amor que alguém fez por mim, de deixar-me viver. Fiquei imaginando se não tivesse acontecido aquele trágico acidente. Será que eu seria um Diogo completamente diferente? Como seria o nosso relacionamento? Minha mãe me trataria melhor? Muitas perguntas embasadas numa suposição que nunca aconteceria. Eu tinha que viver a realidade, o hoje, o passado já não contava mais.
         
Coloquei o ramalhete sobre o túmulo, presenteando Ezequiel com rosas vermelhas que lembravam a cor do sangue que representava para mim o sacrifício de me ter dado uma segunda chance de viver há vinte e cinco anos, podendo crescer e me tornar um modelo famoso. Um sentimento de gratidão tomou conta de mim, feliz por ele ter sido um cara legal. Acreditei que, se ele estivesse vivo, seríamos irmãos do peito, um apoiando o outro.
          
Fui embora, com uma paz que invadia cada poro do meu corpo, sem as algemas da acusação, da culpa e enterrando o Diogo narcisista, egocêntrico, metido e todas as características negativas que nutri durante anos para debaixo da terra. Agora, eu era um outro homem, pronto para viver intensamente.
 
                                   ***
 
Quando cheguei ao hospital, meu pai me esperava no quarto com um semblante triste. Fiquei preocupado, não queria vê-lo daquela maneira. Tentei animá-lo com alguma palavras de encorajamento, mas não deu certo, ele continuava amargurado e nem queria conversar comigo.
         
Levei-o até o carro, indo embora dali.
         
No trajeto, comecei a analisar a situação. Pelo que entendi, meu pai sofrera um golpe, perdendo todo os seus bens, não tendo mais aonde ficar. Então o único local que poderia estar era no meu apartamento. Fiquei contente, nós dois poderíamos reconstruir a nossa relação, viver como pai e filho de verdade. Mas, ao mesmo tempo, eu tinha que tomar providências, encarar Gustavo, o acionista mau-caráter da TecnoFuture que afanou as riquezas da família Magalhães. Precisava encostá-lo contra a parede.
         
Antes que eu pudesse racionar mais alguma coisa, José Roberto perguntou:
         
- Vai me deixar no asilo? – Sua voz soava pesarosa.
         
Olhei para ele sério.
         
- De onde tirou essa ideia maluca?
         
- Eu não mereço ser o seu pai. Na verdade, você nem se importa se estou doente.
         
- Não diga uma besteira dessas.
         
- Não adianta fingirmos que está tudo bem. Você me odeia, não quis assumir os negócios da família, porque fui um pai ausente.
         
- Realmente, não tive um pai durante todos esses anos. Vi a sua omissão mediante aos maus-tratos que a minha mãe fez comigo, sua falta de carinho, entretanto, não posso ficar remoendo isso. Você é o meu pai e vou cuidar de você, mesmo que não cuidou de mim.
         
Meu pai me olhou, arregalando os olhos de surpresa, lágrimas escorriam por suas bochechas.
         
- Você está falando sério?
         
- Estou.
         
- Eu não te mereço. Por isso, eu já coloquei na minha cabeça que devo morrer.
         
- Pai, não diga isso. – Aquelas palavras pesavam o meu coração.
         
- Passei a minha vida cuidando dos negócios e não consigo seguir em frente. Tudo que construí foi para o ralo.
         
- O importante é que você ainda pode recomeçar.
         
- Você não entende, filho. Quando um sonho é arrancado, você perde o rumo de sua existência. Pode parecer que sou um homem incapaz de entender essas coisas, mas desde que eu era garoto, eu sonhava com um futuro melhor. Já na adolescência, eu consertava as coisas para a vizinhança em troca do pagamento.
         
Então ele contou todo a sua trajetória de vida enquanto íamos para o meu apartamento. Fiquei espantado, pois nunca ele contara nada sobre o seu passado, agindo sempre esquivo em relação a sua vida profissional. Cada frase que dizia, me deixava impressionado. Nunca imaginei que ele fosse um tipo de pessoa tão sensível e voltada para os sonhos. Era bonito ouvi-lo falando sobre seus esforços de criar uma empresa.
         
O mais interessante foi a revelação que não tinha fundado a TecnoFuture sozinho, mas com um amigo chamado Reginaldo. Um amigo que o traíra da pior forma possível. Era interessante saber de tudo isso, não imaginava a profundidade da vida deste homem que sentava no banco do passageiro, lutando para chegar aonde chegou. Nós dois éramos parecidos, pois briguei para conseguir alcançar a carreira de modelo. Eu também não poderia negar que ele me deu uma pequena força, ainda que não acreditasse que eu pudesse dar certo.
         
Quando terminou de contar a sua narrativa, ele perguntou sobre a minha mãe, tive que responder com sinceridade.
         
- Ela está presa.
         
- E você não vai ajudá-la, pagando um advogado?
         
- Não.
         
Papai não esboçou reação nenhuma.
         
- Por que?
         
- Ela não é digna. Destruiu a vida de uma empregada, apenas por arrogância.
         
- Entendo. Eu aturei de mais as suas frivolidades. Por causa disso, você teve uma infância de merda. Não tiro a sua razão. Que ela pague pelo seu crime e reflita sobre os seus atos.
         
Fiquei aliviado. Pensei que teríamos uma longa conversa de libertá-la da prisão.
         
Depois, não conversamos mais, ficamos em silêncio. Mas notei que meu pai chorava quieto, com a cabeça virada para a janela. Eu não sabia o que fazer, nunca o tinha visto tão desarmado.
         
Quando virei a próxima rua onde ficava o condomínio de luxo no qual onde eu morava, vi algo que acabou com qualquer reação minha. Uma multidão de jornalistas se assomava em frente da entrada, parecendo um enxame de abelhas. Meu radar interno dizia que havia alguma coisa errada. A sorte que o meu vidro não dava para enxergar nada do lado de dentro, buzinando que me dessem passagem para que entrasse na garagem. Meu pai ficou confuso mediante a tantos jornalistas que se aglomeravam ali. Eles se agitavam querendo saber quem estava ali dentro do veículo e acabei ouvindo meu nome, ficando mais preocupado ainda.
         
Os repórteres queriam aproveitar a brecha da porta que se abria, mas o seguranças impediram que continuassem a invasão.
         
Ao entrar em casa, meu pai assentou no sofá para descansar e fui correndo para o meu celular à procura de notícias. Alguma coisa estava me avisando que um problema de grandes proporções batia a minha porta. Digitei o meu nome e fiquei paralisado pela notícia que saía na mídia.
 
BOMBA NA FAMÍLIA MAGALHÃES
Saiba tudo sobre as revelações arrasadoras dessa família
 
         
José Roberto Mendes Magalhães, um empresário conhecido nacionalmente e intencionalmente pelo seus produtos eletroeletrônicos produzidos pela TecnoFuture, doa todo o seu patrimônio para o seu acionista Gustavo. O motivo dessa ação foi que precisava parar o que estava fazendo para  e recomeçar a vida ao lado do filho Diogo Magalhães, o modelo conhecido dentro e fora do Brasil, e sendo acusado de assédio por Júlia Mendonça, a vítima. De acordo com as informações, Diogo não quis assumir os negócios da família, desprezando o pai que sofre de Leucemia Mielogênica Aguda, agora,  sendo obrigado a cuidar do pai.
         
Mas de acordo com as informações de Gustavo, agora o novo dono da empresa, seu patrão quis encobrir um crime que cometeu nos anos 80, contra o seu sócio que, na época, tinha rompido a sociedade com José Roberto que forjou falsas provas contra ele de desvio de dinheiro, com intuito de ser o dono majoritário .
         
Os fatos foram confirmados por Samuel Albuquerque, dono de uma das  empresas de marketing mais bem-sucedidas do Brasil. Ele revelou que ia bater de frente, desmascarando  José Roberto, e relatou a verdade para Gustavo que ficou perplexo e pretende reparar os erros, devolvendo a empresa para o filho de Reginaldo Albuquerque, um homem injustiçado na época.
          
Provas da falsificação foram descobertas, e Samuel diz que não irá denunciar o ex-empresário, o importante que a memória do pai seja honrada.
         
Para piorar a situação, a esposa de José Roberto foi detida e acusada de Denunciação Caluniosa, pois acusou uma emprega doméstica de roubo e pagou por uma crime que não cometeu. A filha da vítima, Isadora Ferreira, conseguiu provas que a incriminasse.
          
Essa mesma mulher que acusou uma mulher inocente, fez Diogo Magalhães ter problemas psicológicos graves por culpá-lo da morte do irmão mais novo.
         
A família ainda não se pronunciou sobre o caso.
 
         
Precisei de alguns minutos para assimilar tudo. Era muita coisa para entender de uma vez só. Eu estava chocado, sem reação, tentando reunir a minha sanidade para não enlouquecer. Isadora, junto com Gustavo, mancharam a reputação da minha família, mais Samuel Albuquerque, um cara que eu nem sabia que existia, acusando meu pai de algo terrível. Parecia que eu estava vivendo um pesadelo, pois isso ia me prejudicar muito.
         
Eu não queria mostrar para o meu pai essa notícia, ele já tinha sofrido com a pressão que subiu e teve que parar no hospital, não passando por fortes emoções mais uma vez.
         
Mostrei o celular para que lesse a reportagem na internet. Ao acabar a leitura, seus olhos estavam arregalados, além do choque a perplexidade que perpassava no semblante, deixando-me preocupado. Então ele começou a chorar profundamente que seus soluços ecoavam de dentro do peito. Abracei-o, consolando-o desse momento tão terrível.
         
Quando meu pai se recompôs um pouco, ele me disse:
         
- Está na cara que esse tal de Samuel e Gustavo estão juntos, filho. Agora tudo faz sentido – falou desesperado -, aproveitaram da minha fragilidade para armar o bote. Como fui ingênuo.
         
Ele desabou no choro outra vez. Eu acreditei nas palavras dele, eram verdadeiras.
         
A situação estava fora de controle, um desastre se abatera sobre nós. A nossa imagem estava manchada, danificada. Eu já estava comprometido por causa da denuncia que a Júlia fizera, agora isso seria a minha ruína. Todos iriam me estigmatizar declarando que eu era o filho que não queria ajudar o seu próprio pai, que eu não tinha nenhum caráter. O que maia me doía era saber que Isadora, com toda a certeza, estava mancomunada com esses dois, pois conseguira se vingar de Isabela, minha mãe. Eu estava de mãos atadas.
         
Meu celular começou a tocar, avisando das inúmeras mensagens que eu recebia, além de várias ligações de empresários, principalmente do meu agente, que disparavam sem cessar. Ignorei todas, até a do meu amigo Castro, menos da pessoa que eu mais amava, Júlia.
         
- Diogo! – Ela disse preocupada. – Soube o que aconteceu. Estou perplexa. Você está bem?
         
- Na verdade, não. Estou muito chocado com tudo o que aconteceu.
         
- Isso sobre o seu pai e a sua mãe é verdade?
         
- Só a parte da minha mãe. O resto, acredito que foi esquema de golpe.
         
- Sinto muito.
         
- Olha, nada mais me surpreende agora. Depois de hoje, nada que vier pela frente vai me deixar espantado.
         
- E o seu pai, como está?
         
- Arrasado. Perder a empresa que tanto se dedicou e saber dessa notícia catastrófica o abalou. Estou preocupado com a pressão dele, pois pode subir. Ele está passando por tensões emocionais muito fortes.
         
- Eu vou deixar você reorganizar as suas ideias. Amanhã eu te ligo.
         
- Tudo bem.
         
- Beijos.
         
- Te amo.
         
- Também.
         
A ligação foi encerrada.
         
Fiquei ali, pensando no que iria fazer para lidar com toda essa desgraça.
 
                                    ***
 
Os dias que se seguiram não foram nadas fáceis, pois a mídia martelava incessantemente, explorando cada parte da desgraça que tinha acontecido. Como eu e meu pai não queríamos nos manifestar com o ocorrido, isso foi motivo para que houvesse mais lenha na fogueira para que a imprensa continuasse divulgando as atrocidades cometidas pela família Magalhães.
         
Fiquei três semanas dentro de casa, não saindo para nada. Eu não queria encarar os jornalistas que continuam a se aglomerar na porta do condomínio de luxo, ansiosos para arrancar qualquer informação minha. Acompanhei através das redes sociais as atrocidades que as pessoas estavam comentando, principalmente a campanha de cancelamento contra mim, falando que eu era um mau filho, assediador e tinha uma família problemática.
         
O que mais me preocupava era como o meu próprio pai estava reagindo a tudo isso, acamado na cama, no quarto de hóspedes. Ele não queria se alimentar e nem dar uma volta, deixando-me tenso. O pior que ele não queria mais fazer o tratamento contra a Leucemia Mielogênica Aguda, uma doença muito grave que precisava de um acompanhamento médico. Tentei convencê-lo a se tratar e encontrar um doador de medula óssea compatível para conseguir a cura, lutar e reconstruir as coisas, entretanto, nada disso o animou. Ele me disse que não queria mais viver e não se importava com o transplante de medula ou com a quimioterapia. Eu não poderia obrigá-lo a fazer essas coisas, era um direito dele, só que vê-lo se afundando me fazia sentir muita dor. Parecia que eu era um incapaz, não conseguindo lidar com a situação. Uma sensação de impotência tomava conta, deixando-me de mãos atadas, além da pressão psicológica que eu aguentava por causa da mídia. Tudo o que construí poderia ruir rapidamente.
         
Não dava para ficar muito tempo assim, eu precisava ajudar o meu pai e tentar arranjar uma maneira para amenizar toda essa confusão que eu estava passando, mas, infelizmente, os meses que se seguiram foram tão intensos e uma virada brutal na minha vida, me mudou para sempre.

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