Capítulo 28

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                                 Diogo

Meu celular parecia uma sinfonia com tantos barulhos de notificações. Eram intermináveis, numa cascata sem fim. Os jornalistas não me davam trégua nas redes sociais, pior, até na frente do apartamento onde eu morava eles se aglomeram como gafanhotos famintos querendo uma entrevista. Se fosse em outros tempos, desceria correndo, agora não estava muito afim. Não porque a situação ficara péssima pro meu lado, nada disso. Queria ser diferente por causa da Júlia. Só que não daria para ficar evitando os terremotos que se assomavam por tanto tempo.
         
Li, na internet, matérias que detonavam a minha imagem com títulos bem gritantes como: DIOGO GUIMARÃES, O MODELO MAIS FAMOSO DO MUNDO, É UM ASSEDIADOR DE MULHERES. As feministas começaram a ficar na jugular, ameaçando no Twitter as empresas que me patrocinavam a não darem mais patrocínio a mim, caso contrário, haveria boicote nos produtos. Logicamente, além das mensagens, atendi inúmeros telefonemas de empresários falando sobre o caso, alguns diziam que me apoiava, outros ligavam para querer realizar quebra de contrato. Literalmente, a reputação que criei se desmanchava como poeira.
         
Sinceramente, uma tristeza abateu-me. Eu gostava de ser modelo, uma profissão que ajudou a me levantar contra as atrocidades de Isabela, uma mãe que queria a todo custo criar uma cópia do seu filho Ezequiel. Espezinhando-me com um prazer maligno e maldoso. Por outro lado, tudo fora causado por mim. Se eu não tivesse agido como um babaca com Júlia, talvez, as coisas seriam diferentes ou não. Eu continuaria sendo o mesmo arrogante de sempre. Mas sou grato, ela fez-me reconhecer quem eu era de verdade, fazendo-me ser quem sou agora, não um homem que se escondia atrás de uma casca, querendo pisar nos outros. Confesso, no fundo, desejava demais que as coisas fossem diferentes, tendo uma família normal e cheia de amor para me dar. Infelizmente, havia certas coisas que não eram possíveis serem realizadas.
         
A única coisa que eu queria fazer era ligar e conversar com a Júlia. Precisávamos resolver esta questão. Poderia estar passando na cabeça dela que eu odiaria tudo o que ela tinha feito. Não. Ela foi exemplar. Foi, por isso, que me apaixonei, uma mulher que me dobrou ao meio e provou que o mundo não girava ao meu redor. Era muito recente pensar tão diferente, mas o amor trouxe a luz aos meus olhos, enxergando a verdade. Júlia foi a cura da minha alma. E, que cura.
         
Eu ligava no celular dela e só dava ocupado. Tentaria fazer a mesma coisa que eu tinha feito da última vez, iria até a casa dela. Queria contar que recuperei o seu estágio.
         
Ao sair de carro, os jornalistas vieram num exame, pipocando flashes e tentado me obrigar a abrir a janela para conversar. Cuidadosamente, fui saindo de perto deles, sem machucá-los, indo embora.
         
Quando cheguei lá, hesitei. Será que ela me evitaria? Eu torcia que não. Toquei a campainha. Demorou alguns segundos, então ela apareceu, vendo-me. Estagnou-se, receosa. Vi uma reação de autodefesa também. Acho que acreditava que eu iria brigar ou jogar toda a minha arrogância na sua vida por ter falado aquelas coisa sobre mim no talk show.
         
- Júlia, por favor. Vamos conversar – falei gentilmente.
         
Aproximou-se, abriu o portão e entrei.
         
Fomos até a sala de estar. Ela me encarou.
         
- Olha, se você veio aqui me recriminar pelo o que fiz na televisão, pode esquecer.
         
- Na verdade, não. Eu mereci. E fiquei muito preocupado quando você não atendeu as minhas ligações e nem me recebeu na sua casa.
         
Júlia arregalou os olhos de espanto. Não esperava por uma reação tão diferente.
         
- Obrigada.
         
- Quero saber, por gentileza, o motivo de não atender o telefone. Pode ser sincera.
         
- Eu estava te evitando. Cheguei a conclusão que fui precipitada em termos uma relação. Foi num momento de fragilidade.  Não poderia amar um homem que desgraçou a minha vida com um beijo e me infernizou no acampamento.
         
- Te entendo. Fui um babaca.
         
- Olha, você dizendo isso, me impressiona.
         
- Eu sei. Até a mim. Olha, te amo. Quero ficar junto contigo.
         
- Não sei, Diogo – disse indecisa.
         
- Aquele dia, quando declaramos nosso amor um ao outro, não foi um devaneio. Era real.
         
- Me prove que não está brincando com os meus sentimentos, que não está tentando me seduzir.
         
- E que prova gostaria?
         
- Peça desculpas.
         
- Farei melhor.
         
Com carinho, peguei na mão dela e a conduzi no sofá. Ela sentou, depois a acompanhei.
         
- Antes de pedir desculpa. Preciso pedir desculpas pelo motivo real.
         
- Como assim?
         
- Quando nos conhecemos pela primeira vez, fiquei muito indignado e intrigado pela sua reação comigo. Você agiu de um modo frio, não sendo aquelas tietes loucas chamando a atenção para tirar fotos ou pedir autógrafos. Aquilo deixou-me puto, pois meu ego adorava ser ovacionado por todas as mulheres do planeta e ter a atenção da mídia. Foi aí que fiz algo muito pretencioso, uma aposta com Castro. Eu te conquistaria e transaria contigo. A aposta era no valor de dez mil reais.
         
Júlia ficou espantada. Uma reação de choque perpassou no seu rosto.
         
- Não acredito que Castro aceitou essa aposta!
         
- Ele foi contra desde o início. Ele apostou porque sabia que eu iria perder.
         
- E, ficou com o dinheiro, com certeza – disse irônica.
         
- Não, recusou.
         
- Estou muito desapontada! Você agiu da forma mais ordinária possível. De modo baixo, sem nenhum senso de respeito ao próximo. – Suas palavras estavam carregadas de uma frieza impressionante.
         
- Você se mostrou uma adversária digna. Não cedia as minhas investidas, fazendo-me ficar louco. Como alguém poderia resistir ao gostosão aqui? Eu pergunta comigo mesmo.
         
- Típico de você.
         
- E, foi isso que me conquistou. Você foi diferente das outras mulheres que eu estava acostumado. Não que elas fosse menos dignas, não. Há algo diferente, um ar indomável que não se deixa levar por ninguém. Forte. Mostrando pra mim que as mulheres não são objetos  sexuais. Estou reaprendendo a ser um homem de verdade. Porque essa arrogância toda foi um casulo que eu escondi os meus sentimentos.
         
Contei sobre o meu passado. A relação entre minha mãe, meu pai e o meu irmão Ezequiel e um segredo que carregava por anos. Falei, também, sobre herdar a TecnoFuture e o patrocínio. A cada palavra sendo posta pra fora, as lágrimas rolavam em abundância, uma dor insuportável que estilhaçava-me, mostrando uma vulnerabilidade que não tinha mostrado a ninguém. Júlia ouvia admirada as revelações que saíam, os medos, as incertezas e as mágoas, apertando a minha mão gentilmente.
         
- Você não tem culpa daquele fatídico dia. Foi uma fatalidade.
         
- Eu sei. Mas se eu tivesse evitado, talvez, eu teria me livrado de muita coisa.
         
- Entendo.
         
- Me perdoa por ter sido tão idiota?
         
- Diogo, olha pra mim.
         
Eu fiz o que ela pediu.
         
- Eu estou impressionada com a sua melhora. Compreendi o porquê de você agir de um modo tão irritante. Eu te perdoo.
         
- Sério?
         
- Sim. Eu pensei que você ia me esculachar com a entrevista que fiz no All Night. Mas eu estava errada.
         
- Eu mereci.
         
- Mesmo assim, acho que peguei pesado.
         
- Não se culpe. Colhi o que plantei.
         
- Só que há outras questões que precisam serem resolvidas.
         
- Que outras questões?
         
- Você precisa pedir desculpas para a Milena e ajudar o seu pai.
         
- A Milena posso até pedir. Meu pai, Júlia? É demais.
         
- Eu sei. Meu pai também não é flor que se cheire.
         
- Preciso de tempo.
         
- Darei todo o tempo do mundo.
         
- Falarei com a Milena.
         
- Que bom.
         
- Agora, você me perdoa, mesmo?
         
- Sim, Diogo. Te perdoo. Era pra pedir desculpas, lembra? – riu.
         
- Lembro. Desculpas – eu ri.
         
- Desculpas aceitas.
         
Então começamos a dar risada mais ainda, achando aquela situação engraçada.
         
- Preciso contar algo também – Júlia falou.
         
- Diga.
         
- Eu descobri que tenho vó e sou rica.
         
- O quê? – perguntei espantado.
         
Júlia me contou tudo, revelando que a sua vó viera rapidamente até a casa dela, ao descobrir que Lúcia, a filha dela, estava em coma. Fiquei  pasmo ao saber dessa reviravolta que aconteceu ao meu grande amor, deixando-me alegre. Ela merecia, uma mulher batalhadora e honesta.
         
- Estou muito feliz – eu disse.
         
- Obrigada.
         
- Que comece uma nova vida. E, falando em nova vida... Que tal a gente continuar o nosso namoro?
         
- Temos que ir com calma, ainda mais que ficará estranho eu ter denunciado você de assédio e todo mundo ver-nos juntos.
         
- Tem razão, Ju.
         
- Vamos devagarzinho.
         
- Você quem manda. Mudando de assunto, tenho uma novidade.
         
- Qual? – perguntou curiosa.
         
- Consegui recuperar o seu estágio.
         
- Como? – Ela estava perplexa.
         
- Eu sou herdeiro da TecnoFuture, então pra mim, foi fácil.
         
- Obrigada. Obrigada, mesmo. Só não sei se quero continuar ali, ainda mais que posso ter uma oportunidade na empresa do meu avô.
         
- Melhor ainda. Agora quero fazer algo – disse todo sedutor.
         
- O que foi? – Ela ficou interessada.
         
- Me beija.
         
- Com o maior prazer.
         
Quando estávamos prestes a nos beijar, ouvimos uma voz masculina e bêbada ao nosso lado:
         
- Então a putinha da minha filha está se roçando com outro homem. Quem sabe ele não te dá uns tabefes e vira dona do lar?
         
Aquelas palavras transformaram meu humor numa tempestade furiosa e cheia de relâmpagos. Não gostei nem um pouco das palavras desse velho.
         
- Pai, sai da minha casa!
         
- Claro que não! A sorte que você deixou o portão aberto, fui entrando.
         
- Vai embora!
         
- Mas não vou mesmo!
         
Levantei do sofá num rompante, encarando-o.
         
- Você a ouviu. Fora! – Eu disse segurando a raiva.
         
- Escuta aqui, rapaz. Você chegou agora na minha família. Não se intrometa. Essa vagabunda tem entender que quem manda em casa é o macho. Se você ficar que nem florzinha, ela vai de dar galhadas e...
         
Não o deixei continuar. Meu punho direito já tinha socado o rosto dele que o fez voar para o outra lado da sala, caindo no chão. O sangue fervia dentro de mim, parecendo uma panela que embolia sem parar.
         
- Nunca mais diga essas palavras tão ordinárias! – berrei.
         
Júlia olhava pasma.
         
Ele se levantou, limpando o nariz que escorria sangue.
         
- Escute, moleque! – esbravejou. – Eu vou te mostrar o que é um soco de verdade. Não esse golpe de bichinha enrustida.
         
Não me controlei. O pai de Júlia veio na minha direção me desferir um soco, mas fui mais rápido, dando no queixo dele que caiu no chão inconsciente.
         
Comecei a respirar devagar. Estava descontrolado. Precisava recompor-me. Ninguém iria machucar a Júlia, ninguém. Ainda mais um homem desprezível desses. Só de imaginar que fiquei nessa categoria de homens machistas, dava-me náuseas.
         
- Você está bem? – Júlia perguntou.
         
- Estou. Desculpe, amor. Sei que é o seu pai, mas ao ouvir o modo como ele fala sobre você, me revoltou.
         
- Não precisa se desculpar. Ele mereceu.
         
- Foi ele quem agrediu a sua mãe, certo?
         
- Sim.
         
- Chame a polícia. Mande prendê-lo. Aproveite a oportunidade.
         
- Tem razão. Está na hora de botar um fim nisso.
         
Júlia ligou para a polícia. Roberto foi preso. A polícia o levou sendo acusado de agressão contra a esposa, pagando pelos seus crimes.
         
Abracei a minha amada enquanto os oficiais colocavam o pai dela no camburão. Senti as dela lágrimas que desciam do rosto, molhando a minha camisa. Confortei-a, dizendo que tudo iria ficar bem.
         
Depois de algumas horas, me despedi. Precisava ir embora. Na verdade, tinha que concertar mais uma burrada, uma questão que envolvia Milena.
         
- Qualquer coisa, me liga – disse preocupado.
         
- Obrigada.
         
- E boa mudança.
         
E a beijei no portão e fui embora.

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