Capítulo 33

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Há pessoas que nascem sortudas, ou como diz o dito popular, nascem com as bundas viradas para a lua. Elas conseguem de modo fácil serem bem sucedidas na vida, não tendo muito esforço e chegando ao topo deslumbrantemente. Também, há  pessoas que alcançam os seus objetivos lutando, dando o sangue para obter o tão almejando sonho. Por último, há pessoas que sempre se esforçam e continuarão batalhando pelos seus sonhos, mas nunca chegarão lá, devido a diversos fatores, patinando na vida, com a sensação que nada sai do lugar, não tendo o prazer de realizar o que tanto procuram.

Ezequiel era a primeira opção. Nasceu para brilhar sem mover um dedo sequer para almejar seus objetivos, não que ele não fosse uma pessoa dedicada, entretanto, veio para uma família que tinha dinheiro, pulando muitos obstáculos.

Isabela ficou tão feliz quando soube que ficou grávida. Teria um herdeiro para dar ao seu marido. Na verdade, achava que era o modo correto de retribuir tudo que José Roberto tinha feito. Fora uma sorte grande casar com um homem que a tirou de uma vida de sofrimento e ficou rico em pouco tempo, presenteando-a com todo o conforto possível. Sabia que os negócios da família continuariam prosperando, então um filho era muito mais do que bem-vindo.
         
Quando contou para José Roberto sobre a gravidez, imediatamente, uma alegria tomou conta dele. Levantou a esposa no colo e a girou cheio de felicidade, sorrindo que nem uma criança. Não importava se fosse homem ou mulher que nascesse, era uma criança que faria parte daquela família que ele presava tanto.
         
O casal soube depois de alguns meses que o bebê era do sexo masculino. Ambos ficaram radiantes, escolhendo o nome, Ezequiel. Imediatamente, mandaram pintar o quarto de azul, decorando-o com um monte de brinquedos e um belo berço. Parecia que nasceria um príncipe de uma grande nação de tanto requinte que havia ali dentro. De fato, na cabeça de Isabela viria o sucessor que cuidaria de toda a fortuna, futuramente.
         
Em 17 de março de 1981 Ezequiel nasceu.
         
Isabela sentia-se orgulhosa ao gerar o filho saudável que mamava cheio de vigor em seus seios, ávido para se alimentar. A felicidade era tanta, que ela não se incomodava de sair da cama todas as noites quando o bebê tinha cólica e chorava a noite inteira. Apenas desejava cuidar daquele que seria o sucessor do pai.
         
O bebê cresceu junto com o desenvolvimento  da TecnoFuture, uma empresa de eletrônicos que conquistava o coração dos brasileiros.
         
Ezequiel parecia ter sido predestinado a ser um homem de negócios, desde os nove anos, ele já tinha uma maturidade para um garoto de sua idade, além de ser o primeiro aluno de sua classe. Era um garoto curioso, pois quando descobriu que o pai era dono de um enorme império, ficou muito interessado, fazendo perguntas uma atrás da outra, interessado em cada detalhe. Inteligente e proativo, ele tinha algo dentro de si que o impulsionava a grandeza.
         
Isabela ficou radiante com tudo isso, mais ainda, quando nas aulas de etiqueta, a professora rasgava elogios pela desenvoltura do filha dela, comportando-se como um verdadeiro cavalheiro.
         
Durante as festas que seus pais davam, Ezequiel sabia se portar de modo fino e educado, um espanto para a classe A. Geralmente, meninos da mesma idade, ficavam nos seus quartos ou corriam no meio da festa para brincar, mas ele não. Sentava-se no sofá, quieto, olhando todas em volta, costas eretas e um olhar observador.
         
Em 1992, Isabela ficou grávida mais uma vez. Foi uma enorme alegria, principalmente para o menino prodígio, porque sempre sonhara em ter um irmão.
         
No dia 21 de abril de 1993, Diogo Magalhães veio a este mundo, sem saber do que o destino reservaria daqui a três anos.
         
Nos primeiros anos de vida, Diogo era bem tratado por Isabela que ansiava que mais um homem poderia cuidar dos bens da família. Não via a hora de vê-los trabalhando juntos, de terno e gravata, bonitos e afiados em aumentar cada vez mais o dinheiro na conta bancária.
         
Mas, muitas das vezes, os planos que são traçados não dão certo.
 
                                   ***
 
Ezequiel saiu da piscina. Era o término das aulas de natação. E toda vez, o professor o elogiava por ser o primeiro da turma. Ele suspirou, estava cansado de ser paparicado por professores, alunos e amigos. Isso o irritava profundamente, não gostava de ser o centro das estações, entretanto, quanto mais não queria mas se destacava.
         
Aos quinze anos, no Ensino Médio, muitos queriam ficar perto dele, o garoto que era o popular da escola, destaque em tudo o que fazia. Ele não gostava de chamar a atenção pra si, mas, como dito anteriormente, tudo o que fazia era destaque. Os estudantes queriam ficar ao seu lado, principalmente que era filho de um dos maiores empresários do país.
         
Depois que se trocou, saiu apressadamente. Não queria ouvir mais elogios dos seus colegas, paparicações e palavras com intuito de agradar o ego. Sentiu-se aliviado ao ver o carro que o buscava logo à frente do portão da escola, entrando rapidamente, aliviado por não ter que aturar essas coisas. Conseguiu fugir dos bajuladores. Então lembrou-se que havia um bajulador em especial, o pior de todos e do sexo feminino, sua mãe. Como detestava isso! Só faltava ser carregado pelo braço por ela. A sorte que seu pai não era assim, menos mau.
         
Os portões da mansão abriram. Ezequiel sempre se impressionava com a grandiosidade do lugar em que morava, achando até exagerado esse luxo. Gostava de ser rico, não podia negar, mas não era necessário esfregar para a sociedade todo poder que se tinha graças ao dinheiro.
         
Saiu do veículo, dirigindo-se para dentro da residência.
         
Ao pisar na sala de estar, foi recepcionado com todo o amor do mundo por um ser totalmente sincero e inocente, seu irmão mais novo.
         
Diogo, aos 3 anos de idade, corria em direção a Ezequiel todos dias quando voltava da escola, dando um abraço e dizendo numa voz doce:
         
- Meu maninho voltou. Que bom te ver. Vamos brincar?
         
Ezequiel sorria feliz. Mesmo sentindo um cansaço enorme das aulas na escola, gostava de brincar com ele.
         
Os dois faziam inúmeras atividades juntos. Brincavam de pega-pega, de esconde-esconde ou imaginavam que eram cavaleiros que precisavam derrotar o dragão malvado e resgatar a princesa.
         
Eram altas aventuras. Um relacionamento saudável entre irmãos. Ezequiel não ligava pelo simples fato de ser adolescente e agir como uma criança, fazia de tudo para que Diogo pudesse ser feliz.
 
                                    ***
 
A noite havia chegado. A família Magalhães estava reunida na sala de jantar. Eles não eram de falar muito entre as refeições, entretanto, era um dia atípico, pois José Roberto necessitava falar algo importante, uma notícia que mudaria o ritmo daquele lar, ansioso para dizer o que planejara por vários dias.
         
Antes de falar, concluiu a sua mastigação. Não queria engolir a comida com pressa, poderia engasgar. Fora sempre um homem que tomava as suas ações com cautela, sem muita pressa. Por isso, sempre conseguira fechar grandes contratos e tocar seus bens de uma maneira exemplar. Ser precipitado demais, poderia trazer grandes riscos. Toda vez que tinha alguma decisão importante para tomar, fazia com o máximo de cuidado e uma frieza absurda.
          
Quando o alimento pousou no estômago, ele falou:
         
- Minha adorável família. Gostaria de um pouco da atenção de vocês.
         
Isabela e Ezequiel pararam de ingerir o que estava no prato, atentos e surpresos por José Roberto puxar uma conversa, pois não era muitas palavras, um homem distante e fechado em si mesmo. Diogo não ligou muito para isso, concentrava-se em espalhar cada verdura e legume do prato, se divertindo em fazer isso.
         
- Como as férias de julho estão chegando, planejei de passarmos esse momentos juntos num Resort de luxo nos Estados Unidos, em Miami. Seria interessante aproveitar para termos uns dias de descanso.
         
- Mas que ótima ideia, amor. – Isabela ficou empolgada. – Quero estar na suíte presidencial de frente para o mar. Os Estados Unidos têm praias maravilhosas.
         
Como Ezequiel demorou a dar a sua manifestação, José Roberto o indagou:
          
- E, você, filho? Não vai dizer nada?
         
- Sei lá, na verdade. Estou tão acostumado a nossa rotina que nem imagino descansar. Pelo que me lembro, nós nunca fomos uma família de passeio.
         
Nesse quesito, ele tinha razão. Seu pai nunca tivera a iniciativa de viajar, ao contrário, o trabalho estava em primeiro lugar, no topo de qualquer coisa. Não que ligasse para isso, tinha os seus compromissos também. Escola, curso disso, aula daquilo e, de segunda e sexta, comparecia a empresa do pai para aprender a lidar com os negócios. Se fosse analisar realmente, Ezequiel estava igualzinho ao pai, mas com uma única diferença, não amava o dinheiro. Sabia que era necessário, respeitando o suor do pai que se esforçava todos os dias, dando o conforto que ele usufruía.
         
- Verdade. – José Roberto concordou. – Ainda bem que existe o sempre a primeira vez.
         
- Tem razão. Será algo novo. Vamos sim.
         
- Quem bom – falou satisfeito.
         
Depois desta conversa, o silêncio reinou e terminaram de comer.
 
                                   ***
 
As férias de julho finalmente chegaram, trazendo um momento que a diversão seria o único lema durante quinze dias no resort de luxo Sweet Dream.
         
Ezequiel acordou cedo naquele dia. Queria continuar dormindo na sua bela confortável cama e aproveitar o primeiro dia de que não teria que ir a escola logo pela manhã. Poderia dormir até mais tarde e passear para onde quisesse. Mas aquele dia não era como outros dias antecessores em que ficou de férias, dormindo até tarde e fazendo o que bem entendesse, iria viajar para outro país.
         
Fez um esforço, poderia descansar num dos quartos que, com toda a certeza, seriam os mais caros, descansando numa cama tão confortável como essa que ele estava deitado, além de estar a primeira vez  no país mais poderoso do mundo.
         
Os preparativos para a partida não demoraram muito, era apenas colocar as coisas no carro. Isabela já tinha arrumado as coisas com antecedência. Detestava deixar tudo para a última hora.
         
Havia uma alegria entre eles, uma alegria honesta de se divertirem, era a primeira viagem em família e, infelizmente, seria a última. Se os acontecimentos mais adiantes tivessem sido diferentes, talvez, muito desta história teria mudado e um futuro completamente diferente com possibilidades infinitas teria ocorrido. Coisas boas ou ruins. Entretanto, essa possibilidade estava fora de questão.
         
No aeroporto de Congonhas, Ezequiel olhava a grande quantidade de pessoas e o fluxo constante ali dentro. Parecia que não havia fim. Muitos entravam e saíam do avião sem parar. Se perguntava se o país inteiro estava numa constante viagem.
          
A voz no alto-falante anunciou sobre o próximo voo. Imediatamente, José Roberto e Isabela levantaram da cadeira, pegando suas coisas. A babá que cuidava de Diogo, rapidamente fez a mesma coisa, seguindo o casal. Ezequiel fez o mesmo, indo para o portão de embarque.
         
O avião decolou. Ezequiel sentiu um frio na barriga. Nunca havia entrado num veículo desses, achando extraordinário que um negócio tão grande como esse pudesse ficar suspenso no ar. Um certo desconforto tomou conta, além de sentir sua barriga esquisita, uma preocupação tomou conta,  pois o chão não existia mais, e não era muito agradável pensar no que poderia acontecer de ruim, caso houvesse problemas nas turbinas. Afastou o pensamento, olhando para a janela e vendo as nuvens brancas.
         
A viagem durou doze horas e trinta e três minutos, e o tédio tomou conta do rapaz. Parecia que o avião nunca avançava, dando a sensação que estava sempre no mesmo lugar. Dormia, acordava, dormia e acordava de novo. Não conseguia compreender como os seus pais ficavam tão tranquilos em suas poltronas, quietos. Até Diogo que era uma criança agitada dormia com a cabeça encostada no braços da babá que, também, não transmitia nenhum incômodo, lendo um livro.
         
Quando o piloto avisou que dentre alguns instante o avião iria pousar, Ezequiel suspirou aliviado. Não suportava mais ficar ali dentro, mas não estava preparado para a descida. A sua barriga reproduziu aquele friozinho desagradável e uma sensação que estava caindo tomou conta, pedindo a Deus que isso acabasse logo.
         
Desceu as escadas da aeronave rapidamente, já tivera sua cota de viagens em pleno ar, por enquanto.
         
A primeira coisa que notou foi o calor e o céu azul que exibia o sol em toda a sua potência. Ainda bem que tinha feito a sua lição de casa, pois o verão nos Estados Unidos era muito quente.
         
Uma limusine esperava em frente ao Aeroporto Internacional de Miami, pronto a levar a família Magalhães ao caminho pretendido.
         
Entraram dentro do automóvel e seguiram em direção aonde ficava o resort.
         
Ezequiel ficou maravilhado ao ver os primeiros vislumbres de Miami. Era um lugar magnífico, com uma praia de cor bem azul, contrastando com a areia branquinha e as palmeiras que faziam sombra para as famílias que curtiam aquele momento relaxante.
         
O Resort Sweet Dream desabrochou logo a frente, um lugar enorme e bonito que adornava aquele paraíso. Algumas pessoas acabavam de sair dali e outras adentravam naquele local vestidas com os seus trajes de banho, felizes por estarem curtindo aquele momento tão gostoso de suas vidas.
         
Os pedestres viravam as suas cabeças para ver aquela limusine se aproximando do resort,  entendendo que alguém importante estava chegando. Ezequiel achou desnecessário um veículo desse porte esfregando para todos que eram ricos. Não havia motivos para fazer algo tão fútil. Infelizmente, sabia quem tivera a ideia desse exagero todo, Isabela, a sua adorável mãe que amava ostentar luxo e não economizava nos gastos. Nem tentava fazer o pai mudar de ideia e evitar gastar dinheiro, porque gostava de fazer alguns caprichos da mulher, principalmente num momento tão especial como esse.
         
Ao entrarem no resort, foram tratados que nem reis e rainhas, ainda mais por terem chegado dentro de um veículo tão chamativo como aquele. Dinheiro poderia fazer o mar secar e encher sem nenhum problema, era necessário tê-los em mãos e o milagre aconteceria.
         
Ezequiel teve o privilégio de ter um quarto só para ele, não que fora por sua própria vontade, mas por sua mãe que o adorava paparicar com várias coisas. Não ficou irritado, já estava acostumado. Qualquer reclamação que viesse foi substituída pela paisagem que mostrava-se à frente. A janela do quarto dava de frente ao mar, com as ondas que iam e voltavam num movimento interminável.
         
Sentou-se na cama e admirou aquela exuberância por alguns minutos. Estava em paz, pelo menos um pouco, relaxando da vida que tinha. Desde pequeno crescera cercado de atenções, sendo preparado para os negócios da família. Ele não achava ruim ser uma pessoa voltada às finanças, gostava de tudo isso, mas ninguém nunca perguntou o que ele queria de verdade. Gostar de algo não significava que queria viver em função daquilo, era a mesma coisa de gostar de ver um filme, mas não era a mesma coisa de gostar de fazer um. Isso aplicava no mesmo contexto que ele estava vivendo, não curtia ficar dentro de um escritório. Seu sonho, na verdade, caso não fosse herdeiro de um grande império, seria ser um cantor bem famoso. Tinha uma bela uma voz, e fazendo aulas de canto, o resultado seria ainda melhor. Infelizmente, por mais que desejasse, parecia que não tinha a coragem de realizar o que realmente queria para a sua vida, pois uma doutrinação imposta na infância de ser filho do grande José Roberto e da senhora Isabela Rodrigues Magalhães se sobressaía mais do que as suas vontades. De tanto induzirem isso na sua cabeça, ficou acostumado a viver assim, não reclamando, afinal, tinha tudo, entretanto, havia um vazio nele, algo que faltava dentro si, sabendo muito bem o que era, ser ele mesmo. Como queria tomar as suas próprias decisões e não ter o fardo de carregar o que seu pai construiu nas suas costas.
         
Sua rotina consistia em ir a escola, depois curso de natação, inglês, espanhol, francês e as aulas intermináveis de etiqueta. Duas vezes na semana, o pai fazia questão que ele participasse das atividades diárias da TecnoFuture, sendo ensinado em mínimos detalhes cada coisa que era feita ali dentro. Aprendia com facilidade, entendendo os mecanismos necessários para a empresa funcionar de modo exemplar. Ezequiel nunca reclamava, gostava de saber das coisas que o pai tinha construído, mas, como dito anteriormente, era mais um fardo e uma imposição do que por livre e espontânea vontade. Ainda bem que era o irmão mais velho. Torcia para que Diogo fosse o oposto, indomável, que fizesse o que quisesse da vida, mais forte e mais livre. Apoiaria o irmão em qualquer decisão, mesmo que só ele tocasse a empresa, pois não tinha a força necessária dentro de si para ser um rebelde. Teria que conviver com isso todos os dias da sua vida.
         
Ezequiel saiu dos seus pensamentos, guardando-os, não era para ficar remoendo coisas desagradáveis e, sim, aproveitar aquele descanso que fora proporcionado como um milagre. Estava pronto para curtir esse momento tão maravilhoso, as férias.
 
                                   ***
 
Durante os dias que se seguiram foram de muitos divertimentos e luxo. Isabela desfrutava tudo que Miami podia oferecer, não perdendo nada, além de comprar em lojas caras vestidos, sapatos e algumas joias, deliciando-se com aquilo. Usando seus óculos escuros de grife Cartier, desfilando pelo shopping e denunciando que era rica e sendo atendida como uma rainha.  Quando terminava sua sessão de compras, sentava-se na sua cadeira de praia e bebia um vinho caríssimo de uma safra de cinquenta anos, sozinha, sem filhos para acompanhá-la e do marido; queria desfrutar sem nenhuma preocupação. Depois, pegava carona no iate que o marido tinha alugado, ficando em alto mar, como se fosse uma imperatriz, comendo as mais finas iguarias disponíveis. Nunca economizara em viver no conforto, adorava o que dinheiro poderia proporcionar, usufruindo deleitosamente.
         
Enquanto ela ficava aproveitando sua vida de madame dentro do iate, José Roberto já era ao contrário, gostava de estar no meio do mar, curtindo a imensidão que ia até o horizonte, tendo o seu minuto de paz longe do escritório, entretanto, sentia-se um pouco esquisito, pois estava acostumado a agitação do dia a dia da empresa.
         
Já, Ezequiel, era o mais comedido, seguia o roteiro das refeições do resort, nadava na piscina e desfrutava a praia com a suas águas azulzinhas que era possível ver o pé tocando na areia. Comprava sorvete e comida no quiosques da cidade, olhando os transeuntes que caminhavam na orla. Ele podia fazer tudo isso sem se preocupar em ter que ficar ao lado de seus pais, pois eles eram mais liberais nisso, deixando o filho ser feliz, a única coisa boa provinda da parte deles.
         
Diogo ficava o tempo todo com a babá que sofria em correr atrás dele, era uma criança agitada e curiosa, ainda mais num lugar completamente novo do que no qual estava acostumado, somado a curiosidade de uma criança de três anos que ainda descobria coisas novas na sua vida. A babá já não aguentava mais, precisava de um descanso, sentando na cadeira de praia enquanto o menino brincava na areia. Exausta, pegou no sono, não percebendo que Diogo aproveitou a situação, sumindo de vista. A pobre mulher, ao acordar, notando que ele não estava mais ali, entrou em pânico, começando a procurar pelas proximidades.
         
Nesse meio tempo, as nuvens brancas como algodão começaram a ficar cinzas, prenunciando uma tempestade e o vento dava as suas boas vindas para começar a se espalhar com toda a sua força. Então, o primeiro barulho de relâmpago ressoou estrondoso no céu. O rádio que estava num balcão de um dos quiosques declarou em inglês: “Uma tempestade fortíssima está prestes a surgir em Miami, com chuva e ventos fortes. Os meteorologistas advertem para que todos fiquem dentro de casa e os turistas em seus quartos.
         
Logo após ao primeiro ribombar causado pelas nuvens, os turistas olharam para o céu vendo que o dia lindo tornava-se em algo enegrecido. Alguns já saíam da água e iam para as suas respectivas famílias arrumarem as suas coisas, outras ainda teimavam em ficar, curtindo a praia. Entretanto, os guarda-vidas  de repente soaram os apitos, avisando que uma tempestade estava prestes a surgir.
         
No meio das águas, José Roberto ouvia com desgosto a guarda-costeira pedindo para que o iate retornasse em terra firme, fazendo Isabela ficar carrancuda. Não havia o que fazer, tinham que voltar.
         
Enquanto isso, a babá perguntava aflita se viram uma criança de três anos andando sozinha por aí. Para sua sorte, encontrou Ezequiel, pedindo ajuda e chorando em seguida. O rapaz, ao escutar aquelas palavras, um senso de urgência tomou conta, seu irmão estava perdido e correndo perigo, ainda mais com a virada brusca do tempo. Precisavam achá-lo, não queria que a mulher fosse demitida, porque conhecia a sua mãe muito bem, não admitia falhas. Juntos, iniciaram uma procissão em busca do irmão.
         
Diogo estava sentado na areia molhada, sentindo as ondas que molhavam o seu pé, experimentando uma sensação completamente nova. Uma alegria exalava de dentro dele, satisfeito em brincar ali, alheio aos acontecimentos que se desencadeavam. Era tão diferente aquele lugar, gostando de tudo. Quando o trovão explodiu, um medo tomou conta, nunca gostara desse som, mas continuou ali. Olhou para o horizonte, vendo o infinito e pensou: Por que não explorar isso? Levantou-se, indo em direção as águas.
         
A chuva desabou.
         
O clima mudou de modo brusco, expulsando qualquer um que ousasse a permanecer ali, causando agitação aos turistas. Os trovões reverberam novamente, desta vez, poderosos e com muito vigor enquanto a chuva apertava.
         
Ezequiel procurava loucamente o irmão mais novo. Um medo espalhava-se dentro da alma, porque uma tempestade estava bem próxima, e sabia que nada de bom provinha disso. Já tinha assistido reportagens sobre tempestades que desestabilizavam uma cidade inteira. Tinha até medo de pensar o que poderia acontecer com ele. A sorte estava ao seu lado, avistou Diogo de longe e o pânico rasgou as entranhas sem piedade; ele já estava com os ombros cobertos de água, avançando cada vez mais para o fundo. Avisou a babá que gritou de horror, em pânico, pensando que o menino iria morrer. Ezequiel não pensou duas vezes, correu desvairadamente até o mar e seu irmão começou a se afogar.
         
Ezequiel agilizou os passos, entrando, indo atrás do irmão. Diogo não conseguiu aguentar, afundou.
         
As coisas só ficaram piores, as águas estavam muito agitadas e a chuva caíam em todo o seu poderio agora, dificultando a visão. Ezequiel não se importou e mergulhou, enxergando o irmão e pegando-o. Ao emergir, tentou nadar para terra firme, indo contra a fúria da corrente com uma criança nos braços, sendo inútil, se afastando cada vez mais do ponto inicial onde começou o resgate. Submergiu, não era fácil se locomover por dois, lutando para retornar, tentando não largar o irmão enquanto o mar estava revoltado. Subiu outra vez, percebendo que não estava mais no mesmo lugar, estando do outro lado da praia, perto de um conjunto de rochas que ficava próximo à praia O rapaz tomou  uma atitude rapidamente, senão os dois morreriam. Será que dava para salvá-los indo para lá? Não tinha tempo a perder, decidindo de imediato, aproximando das rochas. Avistou um das pedras que tinha um buraco em seu centro, indo para lá. Com dificuldade, levou o irmão inconsciente até ali, subindo na rocha escorregadia de modo penoso, esforçando para salvar o irmão e conseguiu. Agora, só faltava ele. Tentou pôr uma das pernas em cima, mas escorregou, caindo e batendo a cabeça numa pedra. Uma dor o invadiu sem piedade, fazendo o perder a consciência, entendo que a morte estava chegando.
         
A última coisa que pensou minutos antes de toda a vida deixar o seu corpo foi: “Meu irmão está a salvo.”
 
                                  ***
 
         
A tempestade deixou a cidade turística em frangalhos. Tetos de quiosques estavam espalhados sobre a areia suja da praia. Vários utensílios humanos enfeitavam a paisagem, empilhados como animais abandonados. Algumas construções necessitavam de reparos urgentes. A sorte que o resort não tivera alguns danos. A cidade estava um caos, pessoas desesperadas, preocupadas e aflitas caminhavam transtornadas pelas ruas, procurando seus familiares perdidos. Bombeiros vieram ao socorro, assim como a defesa civil que tomou as devidas providencias para cuidar do desastre que se abatera.
 
                                    ***
 
Demorou alguns dias para que o corpo fosse encontrado e levado para reconhecimento. No IML, quando Isabela e José Roberto viram o defunto debaixo do lençol, choraram. Ezequiel estava morto. Foram cinco dias de buscas intensas até encontrá-lo.
         
Não era possível descrever a dor da perda naquele momento, os pais perderam o  seu filho prodígio que iria assumir os negócios da família e continuar legado. Agora, não havia mais como conquistar esse objetivo, tudo fora apagado.
         
Isabela não suportava com o que aconteceu, amava tanto o filho, o orgulho dela. Tudo que ele fazia era bem-sucedido, não havendo erros, e um futuro brilhante que fora interrompido por culpa da babá, que já estava demitida, e o seu filho mais novo, Diogo. Por que ele não morreu ao invés do Ezequiel? Infelizmente, sobrevivera. Estava hospitalizado se recuperando do afogamento.
         
Começava a se arrepender de ter ido viajar. Como poderia imaginar que uma tempestade se abateria, assim, de repente? Não podia suportar que essa desgraçada pudesse ter abatido a sua família.
         
Ezequiel foi transladado e velado em São Paulo, enterrado num dos melhores cemitérios da cidade. Poucas pessoas acompanharam esse momento tão triste e sofrível. O caixão foi colocado dentro do túmulo e a tampa de mármore foi colocada em cima enquanto as lágrimas de Isabela jorraram de angústia e, ao mesmo tempo, de ódio pelo único filho que sobrevivera. Diogo não merecia viver! Era culpado! Assassino! Ele agora teria que ser o próprio irmão mais velho e faria isso! Uma dívida precisava ser paga.

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