HOMICIDA

181 24 20
                                    

Isaac Hammond

Conviver com uma pessoa doente é abraçar o silêncio e esquecer aos poucos o som da sua voz

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Conviver com uma pessoa doente é abraçar o silêncio e esquecer aos poucos o som da sua voz.

A cada dia que se passa as memórias agradáveis se tornam distantes e as horas se repetem.

Uma rotina incessante.

Levantar as 7:30 da manhã, trocar a fralda descartável, realizar uma higiene com lenços umedecidos e alimentá-la através da sonda ligada diretamente na veia.

As 10:30 separar as medicações intravenosas e fazer a aplicação.

Quando o relógio marca 12:00 horas é necessário fazer uma nova troca das fraudas e alimentá-la.

O dia segue basicamente assim, em um ciclo infinito de vazio.

A minha mãe às vezes abria os olhos. No começo eu ficava animado, achando que ela estava voltando a ter consciência.

Com o passar dos anos eu entendi que ela jamais me enxergaria realmente. Os seus movimentos eram involuntários por conta do trauma que sofrera. Ela poderia abrir os olhos e fazer alguns sons com a garganta, mas ela não estava ali, ela simplesmente não interagia com o mundo a sua volta.

O seu cérebro era danificado, toda a sua vida foi drenada. Ela estava apenas a mercê dos meus cuidados, e mesmo sendo algo cansativo e triste, eu permaneceria ao seu lado até o seu ou o meu último dia aqui na Terra.

Uma enfermeira me ajudava. Ela que cuidava da minha mãe quando eu não estava em casa ou ficava doente.

As duas eram amigas de infância, cresceram no mesmo bairro onde eu nasci e fui criado. Apesar dela nunca querer cobrar pela a prestação de serviço, eu fazia questão de pagá-la mensalmente.

O meu dinheiro era contato. A maior parte ficava para tudo o que envolvia a minha mãe.

Não havia luxo na geladeira, mas nunca faltou remédios ou comida para a minha mãe. Ela trabalhou a vida inteira para me criar. Portanto, merecia ter dignidade ainda que não estivesse consciente.

— Obrigado por ficar aqui hoje à noite, Sra. Willvert. — Eu sorri amigavelmente quando ela passou pela a porta da minha casa. — Pretendo voltar antes das seis da manhã.

— Isaac, meu filho, não se preocupe. Eu vou ficar até às dez. — Ela segurou a minha mão com as suas. — Se divirta bastante. Você merece.

— Eu realmente não pretendo voltar tão tarde. Sei que a senhora deve estar cansada porque ontem ficou no turno da madrugada. Não deve ser nada fácil essa rotina hospitalar.

Ela soltou uma risada gostosa de se ouvir e me olhou transbordando ternura.

A senhora Willvert tinha metade da minha altura, bochechas grandes e usava óculos de armação redonda. Era um amor de pessoa. Mesmo eu reclamando, ela trazia comida quase todos os dias, porque dizia que eu estava muito magro.

J∆DE (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora