PERNAS CRUZADAS

215 32 30
                                    

Possibilidade.

Essa se tornou a minha palavra preferida daquele dia em diante.

A verdade é que eu nunca conheci o real sentido da vida, não antes de estar à beira da morte. E se eu fumasse todos os cigarros do mundo, corresse em direção ao abismo, pulasse sem paraquedas, ainda existiria a possibilidade de eu sobreviver. Eu não esperava ser salvo, não de maneira literal. Mas, mesmo que ninguém aparecesse no último segundo, eu não morreria no penúltimo dia da minha vida.

E lá estava eu prestes a voltar para casa. Os médicos avaliaram o meu caso pela última vez após eu ser submetido a uma bateria de exames. Eu gostaria de dizer que criei certa empatia pela a equipe que cuidou do meu caso durante àquelas três semanas em que estive internado, no entanto eu realmente não desejava vê-los outra vez.

Gracie me visitou ao menos duas vezes por semana e trouxe roupas limpas. O meu pai apareceu algumas poucas vezes no intervalo entre uma reunião e outra. Jade não ousou pisar naquele hospital. Noah e os caras da banda me enviaram mensagens. Irla veio em dois sábados, conversou um pouco e foi embora.

Resumidamente eu passei a maior parte do tempo sozinho. Isso não era estranho para mim. A verdade é que eu era acostumado com a minha própria companhia, mas isso não significava que eu a apreciava.

Bebi coquetéis de remédios, me limpei das outras drogas e dormi cedo durante todas as noites silenciosas, sem vestígio algum de agitação. Eu sentia falta do sol, da música e da adrenalina das ruas da minha cidade.

E no tão esperado dia de ir embora, eu levantei bem cedo, tomei banho sozinho, vesti uma camiseta branca com calça moletom, penteei o cabelo todo para trás, dobrei os lençóis e guardei alguns dos meus pertences na mochila que eu levaria comigo.

Não sabia ao certo quem viria me buscar. Imaginava que talvez pudesse ser o motorista do Bruce ou a Irla. De qualquer maneira, eu não desejava a companhia de nenhum dos dois.

Vislumbrei através da parede de vidro o cenário da cidade pela última vez. Um olhar de despedida, mas sem apreço algum, apenas indiferença.

Abri a porta, entrei no elevador e desci até o térreo após a recepcionista avisar pelo o interfone que a minha namorada estava à espera no estacionamento B. Isso significava que, infelizmente, eu iria com Irla para a mansão.

Não lembrava do momento em que entrei naquele hospital, mas era incrível a sensação de estar indo embora.

Eu levava comigo apenas uma mochila de couro, as roupas que vestia e duas cartelas de remédios pela metade. Isso era tudo. Acontece que a medicação eu jogaria na privada ao chegar em casa.

As portas automáticas se abriram quando eu me aproximei da saída. Eu parei por dois segundos, respirei e segui andando.

O estacionamento era gigantesco, mas não havia tantos carros como eu esperava. E, por trás de uma névoa densa de fumaça, eu finalmente encontrei os seus olhos cintilantes.

Jade.

Não era a porra da minha "namorada", e sim a porra da noiva do meu pai.

Pensei em dar meia volta, porém era tarde demais. Ela me viu e ainda teve a ousadia de acenar.

Eu abaixei a cabeça, amaldiçoei todos os santos e fui andando até o conversível preto que ela certamente havia ganhado do meu pai no tempo em que estive internado.

J∆DE (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora