KAMI-NO-MICHI

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Levi Mackenzie

Desenhava a lápis em uma folha amassada os olhos orientais da deusa do Sol, Amaterasu Omikami.

Seus longos cabelos negros eram densos, mas não tanto volumosos. Eu pintava de preto todos os detalhes vermelhos do kimono branco. Apesar de ser ateu, eu admirava muito os kamis —, os deuses da única religião puramente japonesa, Xintoísmo.

Amaterasu projetava o Sol com a mão direita em um ar desafiador.

Os olhos, que eu acabara de desenhar, estavam fixos em ponto fora do papel como se pudessem me enxergar.

— Que se foda! — Eu disse, dobrando a folha em quatro partes e a guardando no bolso de trás da calça jeans. — Vai demorar muito, Noah? Estou derretendo de calor. — Reclamei, afastando a camiseta do corpo e assoprando dentro dela. 

— Só um minuto, cara! — Ele gritou da cozinha que ficava há uns três metros da sala.

Eu escorreguei pelo o sofá e, jogando o lápis para cima, contei mentalmente os segundos que levaria para cair na minha mão.

—Três.

— Três o que? — Noah pergunta confuso com duas latas de cerveja na minha frente.

Deixo o lápis jogado no sofá e pego a cerveja.

Noah se sentou na poltrona a minha esquerda, ela deveria ter uns cento e poucos anos. Noah me disse uma vez que a sua mãe herdou da avó dele, e que a avó ganhou da bisavó paterna no presente de casamento.

Presente de bosta.

Mas Noah gostava daquela poltrona velha e encardida. Gostava porque se sentia próximo à família que morava em outro estado. Se viam uma vez ao ano — no Natal — e fingiam não ser completos desconhecidos.

— Três semanas para as aulas voltarem. — Eu desconversei. O som da lata sendo aberta ecoou por toda a sala.

Apesar da televisão estar ligada em um canal esportivo que transmitia a final de um campeonato de futebol americano, a casa de Noah ainda assim era silenciosa. Ele morava com dois gatos muito estranhos.

Linkin me encarava se eu fosse um intruso, enquanto Park ronronava se esfregando na minha calça naquele exato momento. 

Eu iria ficar repleto de pelos brancos. Teria que me limpar antes de chegar em casa porque Gracie era alérgica.

— Eu não estou nenhum pouco animado com isso. — Noah respondeu meio vagarosamente, encarando a tela.

— Eu também não. — Dei um gole. — Mas talvez seja melhor. Não vou ter que olhar na cara da Jade porque estaremos ocupados.

— Ela cursa direito, não é?

— Sei lá — Eu sabia, só não quis dizer.

Dando outro gole na cerveja gelada o suor parou de escorrer pelo vão da minha coluna. Noah morava em um prédio quente para caralho. Era como se Amaterasu tivesse criado um sol exclusivamente para ele. Taí a inspiração do desenho, aquele calor dos infernos. 

J∆DE (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora