Dois

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Sem saber o que fazer, Deolinda acalenta os cabelos de sua filha. O choro de Melina denunciava que Joe estava errado. Os homens lá fora tinham vindo para o mal.

– Fala com a gente, Melina. O que aconteceu?

A garota dos cabelos claros e olhos cintilantes não sabia o que dizer aos seus pais. Era simplesmente surreal dizer que precisava ir embora e que casaria com um estranho.

Seria isso tráfico de mulheres?
Ou venderiam meus órgãos?
Ou me colocariam como escrava em algum lugar?

Com toda paciência do mundo, nem sabendo como conseguira, explicou tudo que ouviu do Rael. Os pais de Melina entreolharam-se, assustados. Mas aquele olhar denunciava ser outra coisa além de espanto.

– Você... Vocês sabem quem são eles? Digo, quem está interessado em mim. Vocês precisam me dizer.

–Olha, fia... Você sabe que é adotada e que sua mãe biológica deixou você nos meus braços, depois fugiu dizendo que você estaria protegida com a gente. – Deolinda odiava ter que ficar revivendo esse dia.  – Pouco depois vimos no jornal a mesma moça, só que morta. Diziam que foi por assaltantes, mas não acreditamos. Esses homens devem ter a ver com isso, Melina. Eles podem te matar.

– Mãe, calma. Na primeira oportunidade, avisem para o Murilo. Eu vou com eles ou vão atear fogo em tudo e morreremos. – Logo beija a testa da senhora aflita. – Eu vou arriscar e seja o que Deus quiser. Saibam que amo vocês, muito! Obrigada por terem me criado e me amado como filha.

– Não se despeça, Melina. – Joe soa aborrecido. – Você vai voltar, meu girassol. Eu sei que vai. Deus é pai, ele vai te proteger e te trazer de volta. Por favor, tome cuidado. Não faça nada impensado.

Melina arrumou tudo que podia em uma mala velha, dada por Murilo na penúltima vez que tinha vindo visitá-los. Ela já não conseguia mais chorar, só temer.

O que será que querem comigo?
Qual a intenção disso tudo?

Melina foi criada subindo em vacas, arando a terra, comendo fruta do pé, plantando e colhendo... Não sabia o que era a vida lá fora. Poucas vezes que foi na cidade vender alguma coisa voltava rapidamente.

Apesar de atrativa, a cidade causava medo. Era estranhamente apertada demais. Carros, pessoas, prédios, lojas... Tudo em exagero. Queria conhecer melhor, sim, mas não para viver. E algo dentro dela avisava que era para lá que estava indo. Para o meio dos enormes arranha-céus e lojas pomposas.

Arrastou a mala até a porta da casa, onde Rael riu ao ver o estado do objeto cor de abacate. Melina o encarou com raiva. Despediu-se mais uma vez de seus pais e pediu para que sua mãe fosse forte. Pelo menos até ela voltar. Melina estava contando que voltaria.

– Vamos, garota. Estou de saco cheio de tanto mosquito. Que lugar infernal!

– Melina. Meu nome é Melina.

Rael olhou em deboche para a garota e depois jogou sua mala no porta-malas. Colocou uma venda nos olhos de Melina e empurrou-a no banco de trás do carro. Melina ofegou assim que deram partida no carro.

Enquanto não enxergava nada, resolveu refletir. Esperava grandemente que se morresse, Murilo cuidasse direitinho dos seus pais. Joe não podia fazer muito esforço e Deolinda estava numa fase ruim. Eles não podiam ficar sozinhos.

Se morrer, o que fez da vida para dizer que não apenas fez peso na terra? Qual sua importância?

Rejeitou esses pensamentos assim que se deu conta de que eram autodestrutivos demais. Melina também lutava para não afundar em depressão. Era difícil, mas fazia isso pelos seus pais.

E agora? Estando longe?

– Seu silêncio denuncia que está pensando demais, garota. Relaxe, ninguém vai te matar. Não se for obediente, claro.

– Isso ajuda bastante. Estou em paz agora. – Melina ousa debochar, mas se arrepende. – Desculpe.

– Não me faça simpatizar com você, garota. – Rael sorri. – Vamos o resto da viagem em silêncio. Continuarei pensando aqui em quais órgãos vou remover de você primeiro.

A risada de Rael, típica de um fumante, faz Melina retrair o corpo. Estava com medo, isso era notório. Só não fez xixi na roupa porque sua bexiga estava vazia. O medo que estava sentindo fazia suas mãos tremerem involuntariamente.

A viagem demorou quase uma hora, mas Melina nem se deu conta disso. Não conseguiu ver o tempo passar, fez apenas um mapa mental das possíveis coisas que podem fazer com ela. Isso tinha sido tortura demais.

– Chegamos, garota. Deixa eu remover a venda.

Sem nenhum cuidado, Rael puxou a venda fazendo Melina estranhar a claridade. Logo se viu de frente a um galpão velho e com a pintura gasta. Do outro lado era uma floresta densa e escura. O clima também tinha mudado. Mesmo estando com um vestido, sentia frio como se estivesse nua. Abraçou o corpo esperando ordens.

– Aqui será sua casa, garota. Deveria agradecer pela linda paisagem. Vai se sentir em casa, aposto. – Rael e seu bando riem. – Entre. Tem alguém lá dentro esperando por você. Vai, anda! Depois levamos sua bagagem horrível.

Ela assente e começa a dar passos vacilantes em direção a porta do galpão. Era grande e muito pesada. Mas para sua sorte, tinha um bom espaço para que seu corpo passasse.

O local estava mal iluminado, mas era enorme e tinha uma escada que dava acesso ao andar superior. Melina gira no mesmo lugar, observando cada detalhe. Era de fato maior do que aparentava.

O cheiro não era dos melhores, mas resolveu ignorar. Ainda em passos vacilantes, subiu a escada e deu de cara com uma porta. Tocou a maçaneta gélida e girou-a lentamente. A porta estava aberta.

Empurra a madeira lentamente e surpreende-se quando vê uma pequena sala. Logo depois uma cozinha americana e a esquerda tinha mais uma porta. Suspirou e também girou a maçaneta.

Um homem estava de costas, observando o mundo lá fora através de uma janela pequena e suja. Ele tinha suas mãos nos bolsos e uma postura ereta invejável. Melina se viu ajeitando a coluna rapidamente.

O tal homem, vestido com um terno cinza caríssimo, vira-se contemplando o olhar acuado de Melina. Ele a observa em silêncio. A garota sente-se despida com seu olhar hiperavaliativo.

– Seja bem-vinda, futura senhora Castilho. 

Fragmentada (DISPONÍVEL POR TEMPO LIMITADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora