Oito

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O carrinho com as comidas que pedi foi deixado através de uma outra porta. Eles tocaram um espécie de campainha, abriu-se uma portinha e o carrinho foi empurrado. Logo a porta fechou-se. Nem pude agradecer.

Olhei para aquele monte de comida e questionei se conseguiria comer tudo. É de fato bastante comida!

Como já tinha tomado um banho e estava de roupão, apenas aproveitei a comida maravilhosa e quentinha.

Mandaram um champanhe, provavelmente caro, e duas taças. Será que pensaram que eu estava com Deon?

Primeiramente provei um pouco de cada coisa e depois foquei nos que eu mais gostei do sabor. A bebida parecia fazer cócegas no céu da boca.

Depois de tanto comer e esvaziar a garrafa, me senti sonolenta. Resolvi deitar para descansar um pouco.

Levanto sobressaltada com o toque insistente do telefone. Esfrego os olhos e rastejo na cama até tirar o aparelho do gancho e encostar na orelha.

– Hum?

– Espero que esteja quase pronta, franguinha. Faltam trinta minutos para eu buscá-la.

Meus olhos, que estavam fechados, abriram-se em surpresa. Eu dormi tanto assim?

Ele encerra a ligação e eu corro para o banheiro. Tomo um belo banho, passo os cremes disponíveis e depois coloco a fantasia.

É simplesmente a coisa mais bizarra que alguém poderia usar. Isso é puramente desconfortável e ridículo.

A calcinha é dourada e tem um rabinho pregado na parte de trás. O sutiã tem ossinhos desenhados e mal cobre o seio inteiro. Tem um cinto imitando moedas de ouro que é pra ser colocado na altura do umbigo. Uma tiara ridícula imitando as orelhas de um cachorro, uma coleira onde tem escrito daddy's little bitch e um adereço para pôr no nariz e imitar o focinho.

Eu estou simplesmente abominável!

Amarro meu cabelo em um rabo de cavalo e suspiro ao me ver refletida no espelho.

Lá vem essa vontade ridícula de chorar de novo...

Que porcaria eu vou fazer hoje vestida assim? Vou até economizar minhas lágrimas porque sei que irei precisar de todas que eu puder até o final desse dia.

Do banheiro, ouço a porta principal ser destrancada. O mesmo cheiro forte de dentro do carro de Deon invande todo o ambiente. Dessa vez não tenho vontade de espirrar, mas de suspirar. Suspirar de cansaço. Esse cheiro para mim deve ser igual o do cavaleiro do apocalipse. Sempre trazendo más notícias e destruição.

– Espero carinhosamente que já esteja pronta. Muitos aguardam nossa presença no salão do hotel. – Surge na porta do banheiro. – Você ficou bem... chamativa. – Ri. – Penso se não seria melhor ficarmos aqui e...

– Você acha mesmo que eu deixaria alguém como você tocar em mim por livre e espontânea vontade? – Olho para ele pelo reflexo do espelho. Sua pose sai de relaxado para tenso em segundos. – Vamos, quero que isso acabe logo.

– Sinto muito avisar que isso não será possível. Siga-me!

Ele caminha na minha frente enquanto recebo olhares curiosos de prováveis hóspedes. Graças a Deus não tem nenhuma criança.

– Acho que deveria ter te mandado pôr um roupão. – Me observa de cima pra baixo. – Relaxe que aqui ninguém te conhece e também não são aceitos menores de 18 anos.

– Ah, obrigada. Estou tão confortável agora. – Debocho. – Espero que meus pais nunca cheguem a me ver assim. De resto, não ligo.

Ao sair do elevador, andamos mais um pouco e pegamos um outro elevador, mas esse parece mais privativo. Ele digita uma senha numérica para que o elevador saia do lugar após a porta estar fechada.

– Quando nos casaremos? Quero passar disso logo.

– Não me diga que já quer ir para a lua de mel? – Sinto minhas bochechas avermelharem. Não era isso que eu estava pensando. Ele ri diante do meu silêncio. – Você com vergonha de falar de sexo, mas estando vestida com uma fantasia erótica é o bug cerebral mais louco que já tive.

Optei por permanecer em silêncio. Não adianta conversar com esse perturbado. A porta do elevador se abre dando de entrada a um enorme salão. Vários homens e mulheres andam de um lado para outro. Todos bem vestidos e com taças em suas mãos.

Alguns garçons também transitam servindo os convidados. Luzes no teto piscam em diferentes sentidos e uma música dançante toca alto o suficiente para não se ouvir nada do que conversam.

Sinto Deon prender algo em minha coleira e quando dei por mim ele estava me puxando por uma corrente fina. Ele tinha um ar de louco quando o encarei.

Que homem é esse?

– Hoje você é a Lessie, minha cadela de estimação. – Puxa a corrente e eu saio do lugar. – Vamos, Lessie! Tenho vários amigos para te apresentar.

Meus olhos encheram-se de água, mas eu olhei para o teto repetidas vezes para controlar o choro. Isso não pode ser real. O que de tão mal eu fiz com esse homem?

Em pouco tempo eu virei o centro das atenções. Me doía olhar para alguns rostos e ver que riam e apontavam para mim.

– Mas... O que é isso, Deon? Deu para ser seguidor do BDSM? – Um homem se aproxima e aperta a mão de Deon. – Quem é a garota?

– Essa é Lessie, minha nova cadelinha. Pode passar a mão na cabeça dela. É dócil e domesticada. Sabe exatamente o seu lugar.

O homem aproxima-se e passa a mão nos meus cabelos. Permaneço de cabeça baixa. Isso é além do que eu estava imaginando.

– Você é louco, Deon. Ela é a...

– O show nem começou e você já quer spoiler do final, Fernando? – Desconversa. – Se não for dar petiscos a Lessie, preciso ir. Tem mais gente que quero mostrar minha cadela.

Sinto meu nariz arder e uma lágrima descer. Mas enxugo rapidamente. Não posso desabar. Não posso. Fui criada roçando mato e lidando com o sol quente na cabeça. Não posso ser derrubada com isso. Não posso.

Não posso...

Ele levou-me em várias mesas e eu aguentei de tudo. Xingamentos, deboches, comentários pervertidos, contatos físicos...
Estava começando a doer. Na alma.

– Querem ver como ela é obediente? – Ele anunciava como se eu fosse a sua maior descoberta. Que nojo! – Lessie, senta e põe a língua para fora. Agora!

Olhei para todos a minha volta e vi a expectativa nos rostos deles. Sério que eles acham isso curioso? Um ser humano sendo tratado como bicho?

Olhei para o rosto de Deon e ele tinha uma sobrancelha erguida. E eu entendi aquele gesto. Eu estava em suas mãos. Não sabia a extensão do seu poder, mas sabia que ele mataria meus pais em um piscar de olhos. Não posso pagar pra ver. Não quando quem está envolvido nessa sujeira são as únicas pessoas no mundo em que eu daria a vida.

Sentei como um quadrúpede, olhei para cima e pus a língua para fora. A risada foi geral.

É, eu suportei o choro até onde pude. Não dá mais.

Fragmentada (DISPONÍVEL POR TEMPO LIMITADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora