Fiquei ouvindo coisas como "olha, ela é mesmo uma bela cadelinha." Ou "Onde conseguiu animal tão obediente assim?".
Eu não podia atacar, nem com atitudes e nem com palavras. Queria poder ter dentes bem afiados e morder a canela de todos eles.
Vi quando a irmã de Deon e Cristine se aproximaram da mesa onde ele está sentado . O olhar de Tábata para mim não foi de deboche ou superioridade. Ela pareceu não gostar do que viu. Abaixei novamente a cabeça.
– Encerre essa palhaçada, Deon. Você está ultrapassando os limites com a garota. – Tábata soa agressiva e mandona. – Ou você para com isso ou...
– Ou o quê? Vai me pôr de castigo? – O tom de voz dele é de puro deboche. Que idiota! – Suma daqui, Tabi. Não quero ter que mandar te prenderem em um dos quartos para que você me deixe em paz.
Escuto os saltos dela pisando forte e quando ergo o olhar vejo que ela saiu pisando duro. Eu estava cansada de ficar sentada no chão frio. Doía bastante as pernas e a coluna. Mas tinha outra coisa que doía mais. E a dor era latente.
– Bom, é hora do show!
Ouço Deon dizer antes de se aproximar de mim e me levantar do chão. Depois ele pede silenciosamente que eu o siga.
Subimos em um pequeno palco e as luzes se voltaram para mim. É o fim!
– Boa noite, queridos amigos e sócios. Estou imensamente grato em vê-los aqui. Hoje é um dia muito especial para mim e eu não poderia deixar que passasse em branco. – Enquanto ele falava, olhei para algumas pessoas e vi que nesse momento ninguém prestava atenção em mim. – Quero apresentar a vocês a verdadeira face por trás da cadelinha Lessie. Perdoe a escolha do nome, eu falei a ela que não era um nome muito original. – Todos riram. – Lessie nada mais é do que Melina Martins, ou melhor, Melina Hartmann.
Virei meu olhar para Deon que parecia estar altamente satisfeito em abrir o que acabou de dizer para todos ali.
Ele tinha um ar de satisfação e ego inflado. Parecia que o que ele acabou de dizer era a coisa mais importante do século.
Esse é o meu sobrenome verdadeiro? Hartmann?
O alto burburinho não me deixava pensar direito. Minha cabeça parecia que ia explodir. Olhei mais uma vez para Deon, mas agora ele tinha um smartphone nas mãos.
– Essa é a minha cadelinha agora, Maximilian Hartmann. Reconhece? Sim, é a sua filhinha. Uma feliz coincidência ela ter vindo parar nos meus braços. – Ele tira a atenção da tela do celular e acena para mim com a mão livre. – Dá um oi para o papai, Lessie. Ops, desculpa. Ainda não me acostumei que não posso chamá-la assim sempre, querida.
As lágrimas caíram pesadas no exato momento em que a ficha foi caindo. Comecei a ofegar tentando focar em uma coisa só, mas tudo estava altamente embaralhado. Acabei vomitando tudo que tinha comido pouco tempo atrás.
– Ainda não a domestiquei totalmente. Ela foi criada no mato, Max, como animal. Espero você mandar flores me agradecendo por ter resgatado sua filha. Sabe onde me achar.
Eu não conseguia me erguer. Vomitar me deixou fraca demais. Eu não sabia se chorava ou tentava controlar o próximo jato de vômito.
Ninguém ousou se aproximar de mim. Ninguém. Eu estava me sentindo suja, fedorenta e humilhada.
Não sei de onde tirei forças, mas me levantei ainda cambaleante por ficar tanto tempo na mesma posição. Encarei Deon, que me olhava sério, porém avaliativo.
Assim que senti que tinha uma boa dose de forças na perna, corri em sua direção. Ele arregalou os olhos, mas não dava tempo de ter nenhuma reação.
Esmurrei seu olho com tanta força que ele foi lançado ao chão. Chacoalhei a minha mão como forma de aliviar um pouco a dor enquanto observava as pessoas cercando-o.
Eu era a vítima nisso tudo, mas ele que recebe atenção. Afinal, que pessoas são essas?
– Já entendi que você tem algum desentendimento com meu pai biológico, mas EU NÃO TENHO CULPA DE NADA! – Grito sentindo o choro vir. – EU NÃO TE FIZ NADA! IDIOTA! CRETINO!
Ele levanta com a mão no olho e me encara como se pudesse me matar só com seu olhar. Não quebro nosso contato visual.
– Você é meu passe, franguinha. Eu vou destruir seu pai através de você. Queira você ou não.
Assenti com um sorriso de derrota nos lábios, dei a volta e segui para a saída daquele lugar. Por onde eu passava, as pessoas se afastavam.
Assim que saí do salão, não sabia por onde seguir. Uma moça fardada aproximou-se de mim. Afastei meu corpo assim que ela tocou em meu ombro.
– Não lhe farei mal. Venha comigo.
Eu não sabia como sair dali e também nem poderia. Eu só queria respirar. Chorar em paz. Morrer, talvez.
Ela me ajuda a descer umas escadas escondidas por uma passagem secreta e depois abre uma porta revelando um quarto bem simples.
– No banheiro tem um roupão e escova de dentes nova. Toma um banho, cuida de você um pouquinho. – Ela me olha com pena. – Vou pedir algo pra você comer.
– Não, não quero comer. Não vou conseguir. – Sussurro sentindo um cansaço tão grande querendo me engolir. – Um chá serve.
Ela assente e me aponta onde é o banheiro. Eu estava louca para me ver livre dessa fantasia ridícula.
Assim que a água quente toca meu corpo acabo por soltar um gemido. Eu estava muito tensa e doeu um pouco até meus músculos relaxarem.
Lavei os cabelos e depois escovei os dentes. Enrolei-me no roupão e saí do banheiro. Em cima de uma pequena mesinha que tomava boa parte da pequena salinha tinha uma xícara fumegante e um bilhetinho ao lado.
Beba tudo e deite. Não posso ficar porque sou funcionária do hotel, mas volto assim que o turno acabar.
Ela não assinou o nome, mas ok. Vou seguir seu conselho. Pelo menos aqui ele não vai me importunar. Não hoje.
Bebi lentamente o líquido amarelo claro e depois segui até a janela. Antes que eu pudesse imaginar fazer qualquer besteira, resolvi deitar no sofá.
A única coisa que consigo pensar agora é: se eu estivesse morta nada disso estaria acontecendo.
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Fragmentada (DISPONÍVEL POR TEMPO LIMITADO)
RomanceSem luxo ou qualquer dinheiro sobrando, Melina Martins leva uma vida simples, morando no campo e cuidando dos pais. Nunca teve maldade em seu coração ou ambição em nada que não fosse seu. Contentava-se com a realidade que vivia; tirando leite da vac...