Quinze

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O tempo voou. Beijei e abracei meus pais inúmeras vezes, mas sinto que não foi suficiente. Rael bateu na porta avisando que era a hora de ir. O jeito que meus pais olharam para Rael fez o mesmo desaparecer de nossas vistas rapidamente. Foi engraçado.

– Preciso ir. Não sei que dia eu volto para vê-los, mas meu coração é todo de vocês. Nos meus pensamentos só existirão vocês.

– Eu vou escrever todos os dias uma carta pra você, meu amorzinho. Aí quando você vier vai saber como estão sendo nossos dias. – Minha mãe me beija mais uma vez. – Vá com Deus. Que ele te proteja e te dê sabedoria.

– Seu pai te ama, girassol. Ama muito. Você e o delinquente do seu irmão. – Ele afaga meus cabelos como sempre faz. – Estaremos esperando você. Pra sempre.

Dou um abraço em conjunto e depois peço para a cuidadora Joana ser como uma filha para eles. Ela assente.

Observo os dois me dando tchau da varanda enquanto caminho em direção ao carro. Praticamente me jogo no banco do passageiro e grito. Deon me olha pelo espelho do carro.

– Você tem noção do mal que está me fazendo não é? – Grito mais uma vez. – Você está jogando um alvo nas costas dos meus pais e na minha. Dependemos um do outro, Deon. Você vai acabar se arrependendo amargamente por tudo isso que está me causando.

– Nunca vi você ameaçando assim...– Seu tom é neutro. Maldito! – Deveria ficar com medo?

– Sim, deveria. Não por minha causa, mas pelo destino. Ele prega cada peça, Deon, você nem imagina. Isso ainda vai te corroer a ponto de você não aguentar respirar. Anota o que estou te falando.

Olho uma última vez para ele e depois me resumo a prestar atenção no caminho.

Eu quero gritar, bater, xingar...
E eu não sou esse tipo de pessoa. É isso que me espanta.

Como alguém consegue colocar a cabeça no travesseiro sabendo que está fazendo tudo isso em nome de algo tão ridículo chamado vingança?

Pelo que juntei, ele está me usando para atrair meu pai biológico. E, essa certeza toda de que uma hora ele virá, só pode ser porque ele quer desesperadamente resolver algum assunto pendente. E esse assunto sou eu. Ou seja, meu pai não está vindo para me amar e me reconhecer como filha.

Isso é lógico!

Se ele realmente quisesse saber de mim já teria entrado em contato. Ele tem dinheiro.

Não dizem que dinheiro move o mundo?

Minha mãe morreu pouco depois de me entregar para minha mãe adotiva. Se ela fosse o amor da vida dele ou pelo menos tivesse o respeito por ser a mãe da sua filha ele teria me achado. Ele teria me achado com toda certeza.

Suponho que talvez a notícia da morte da minha mãe biológica tenha passado por ele e feito nem cosquinha.

Como dói ficar cogitando essas coisas...

– Melina, preciso te falar sobre seu irmão.

– Vai dizer o que agora? Que ele penhorou a clínica dele pra você e você o tem nas mãos? Que ele está morto e não sabemos? Ou que ele é um dos seus capangas? – Eu estou cansada. De verdade.

– Não tem clínica, Melina. Não tem diploma, na verdade. Seu irmão nunca se formou. – Seu jeito de falar mantém-se neutro. Inalterável. – Murilo é um zé ninguém. Vive farreando de dia e de noite. O dinheiro que ele manda para vocês é das mulheres que ele dorme em troca de grana. Seu irmão é um verme. Dos pequenos, mas é.

Abro e fecho a boca inúmeras vezes tentando achar palavras para expressar o que estou sentindo. Mas não as encontro. Sinto meu peito sendo comprimido, uma sensação de que alguém aperta meu pescoço...
Seguro forte no banco onde estou sentada e fecho os olhos. Sinto meu peito subir e descer rapidamente.

Escuto bem longe a voz de Deon, mas parece que perdi parte da capacidade de ouvir. Tento abrir os olhos, mas eles também não me obedecem. Um zumbido infernal faz minha cabeça doer muito.

Que merda você fez, Murilo?
Onde nossos pais erraram se te deram tudo que podiam?

Abro meus olhos no susto quando sinto água gelada sendo jogada no meu rosto. Vejo Deon abaixado perto de mim e suspendendo minha cabeça para que não encoste no chão.

Como foi que eu vim parar no chão?

– Melina, fala comigo. Você está bem? Pelo amor de Deus.

Apenas assinto ainda não entendendo nada. Vejo Rael atrás observando a cena de nós dois. Ele me levanta nos braços e me coloca novamente no carro.

Ele parou o carro para me ajudar?
Será que dentro dele realmente bate um coração?

– Estou amargamente arrependido por ter te contado sobre seu irmão. – Ele passa o cinto em mim. – Por favor, fale se não estiver bem. Não fique calada.

– Pode ir. Estou melhor seja lá do que eu tive.

Ele torna a tomar o assento de motorista e novamente estamos na estrada. Olho para o banco e vejo que furei o estofado com as unhas. Olho para minhas mãos e vejo que possuo sangue em três unhas e as mesmas estão acabadas.

O que aconteceu? Não lembro de nada importante.

– Você tem contato com meu irmão? Sei lá se posso chamá-lo assim...

– Há mais ou menos três anos ele me vendeu informações sobre você. A sua existência era um enigma. – Me encara por poucos segundos. – Em um barzinho, vi ele bebendo com um amigo meu. Sentei na mesa e, bêbado, seu irmão saiu falando sobre sua vida miserável. Naquele dia eu fui o homem mais feliz do mundo. Tinha descoberto você. Mas não mantive muito contato com ele. Não quero alguém tão ridículo na minha roda de amizade. Ele não falou muito bem de você e nem dos pais. Joguei várias notas para ele após saber do que me interessava.

– Eu sinto que vou enlouquecer... Tenho saudades da Melina de alguns dias atrás. – Sussurro. – Apenas arrependida por um dia ter desejado uma vida fora da fazenda. Eu preferia estar lá, sem saber de tudo isso.

– Está me dizendo que preferia continuar vivendo uma mentira?

– Sim, porque agora eu sei que preciso dizer isso aos meus pais e não sei como eles vão reagir. – Engulo o choro. Se controla, Melina. – Eles acreditam fielmente que Murilo é médico veterinário. Como vou dizer pra eles que o filho é um vagabundo que tira dinheiro de mulheres pra sobreviver? Me diz como eu posso falar isso de um jeito que não destrua o coração dos meus pais? Que pesadelo é esse?

Fragmentada (DISPONÍVEL POR TEMPO LIMITADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora