Dezoito

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Melina Martins

Cristine e eu estávamos em mais uma manhã de treino. Ela pega bem pesado comigo, mas confesso que está sendo bom.

Está me servindo perfeitamente como distração e extravasamento de raiva. E, entre socos e chutes, ela sempre fala um pouco da sua vida.

Cristine tem 31 anos, adquiriu o hábito de fumar após perder um bebê aos 27, trabalhava em uma academia e sempre morou sozinha.

- E o pai do bebê? Não ficou do seu lado? - Questiono ao desviar pela centésima vez do seu chute repentino. Tô ficando boa.

- Era um babaca. - Sorri. - Nunca soube. Era um dos instrutores da academia onde trabalhei. Dormia com quase todas alunas. - Acabo vacilando e ela me derruba. - Homens são um grande problema, Melina. E eles insistem em dizer que somos nós. Seja esperta!

Ela sai de cima de mim e me ajuda a levantar. Repentinamente ouvimos carros cantando pneu estrada à fora. Cristine pede para que eu me esconda enquanto ela vai verificar o que está acontecendo lá fora.

Escolho o melhor e mais difícil esconderijo de todos: fico atrás de uns tonéis velhos. Eu queria rir, mas me contive.

Quem riria em um situação dessas?

Cristine volta com uma face séria e uma arma na cintura. Ela revira os olhos quando percebe onde eu estava escondida.

- Estão atacando o chefe. Rael e uns homens foram tentar ajudar. - Arregalos os olhos e ela ri. - Ele estava vindo pra cá. Sorte que percebeu que estava sendo seguido ou provavelmente tinham chegado aqui. Já pensou? Chuva de balas pra todo lado? Ia ser irado!

- As vezes eu penso que você tem um extinto suicida, Cristine. - Ela fica séria com minha afirmação. - Espero que dê tudo certo para Deon. Não gosto dele, mas também não desejo sua morte.

Ela assente, tira um cigarro do bolso e o acende já nos lábios. Depois de saber o real motivo dela fumar tanto, me aperta o peito ter julgado.

Cada um sabe de sua dor e de como suportá-la. Mas me dói imaginar o tamanho do que ela suporta dentro de si.

- Temos alguns homens aí fora, preocupa não. - Bate na minha perna. - Você está com uma cara nada boa. Relaxa!

Assinto e resolvo subir para o cativeiro. Não tinha mais clima de continuar treinando, então fui tomar um banho. Perdi totalmente a vontade de comer, então fiquei jogada no pequeno sofá olhando para o teto gasto.

Estou realmente preocupada com Deon. Espero que ele consiga escapar. Meu pai biológico é realmente perigoso. Isso com certeza tem o dedo dele.

Ele me mataria facilmente. Eu queria apenas saber o porquê.

Entender faz parte do aceitar. Queria muito conversar com ele... Mas talvez não seja uma boa ideia agora.

Provavelmente a conversa que ele quer ter comigo iniciará com uma arma encostada na minha cabeça. Se ele matou os pais do Deon, que eram amigos dele, o que fará comigo?

Ouço a porta sendo aberta e Cristine surge com um sorrisinho travesso nos lábios. Fico sem entender.

- O chefe quer falar com a princesinha dele. Toma.

Ela lança um aparelho telefônico em cima de mim e, por sorte, pego ainda no ar. Ela dá tchauzinho e vai embora. Coloco o celular no ouvido.

- Alô?

- Só pra constar, chamei você de princesinha mesmo.

- Como você está, seu louco? - O ouço sorrir. - O que aconteceu?

- Não se preocupe. Estou bem. Irei lhe ver em breve, muito em breve.

Permaneço em silêncio e logo ele desliga. Fico encarando o aparelho enquanto reflito sobre o que acabou de acontecer.

Ele me chamou de princesinha para Cristine?

Ele ligou afim de querer falar comigo?

Eu não me acostumo com essa bipolaridade do Deon. Uma hora me coloca a corda no pescoço e outra hora ele vem e tira.

Cristine retorna e eu entrego o aparelho em suas mãos. Ela encosta na parede e fica de braços cruzados me encarando.

- Percebeu? - Ergo o olhar para ela. - Ele gosta de você, sua boba. Mas vocês estão atolados em uma merda tão grande e difícil de ser resolvida. Isso é uma grande droga né?

- As vezes eu acho que essa nicotina toda está roubando sua capacidade de pensar. - Saio do sofá e abro a geladeira para pegar a minha garrafa com água. - Você está fantasiando coisas, Cristine. A relação entre mim e Deon é de sequestrador e sequestrada. Não é pra isso ser romântico. A primeira oportunidade que eu tiver quero ele bem longe de mim e da minha família. Bem longe.

- Está no seu direito. Desculpe.

Assinto enquanto mato minha sede. Deon é um homem bonito, muito cheiroso e parece competente no que faz. Qualidades perfeitas que me atrairiam se não fosse por um minúsculo detalhe:

EU SOU SUA PRISIONEIRA.

Eu sou a porcaria da isca dele e ele não foi nenhum pouco sutil ao me dizer isso. Eu sou uma coisa qualquer que ele está usando para se vingar do seu inimigo.

Não posso ser idiota a ponto de gostar dele... Não seria tão burra...

- Você me acha burra? - Acabo perguntando em voz alta e me arrependo ao ver a cara cínica dela em minha direção. Cristine é uma peste!

- Não, não acho. Por quê?

- Nada não. Vamos voltar a treinar?

A dúvida é uma maldita pulga atrás da orelha. Gostar ou odiar? Não sinto que odeio ele. Também acredito que não gosto.

O que é então?

Eu e Cristine treinamos por um bom tempo. Logo Rael surge com uma expressão muito boa. Parecia que tinha ganhado um baita prêmio mundial.

- Que cara é essa, mané? - Cristine me abandona e vai até ele assim que o vê. Hummm...

- O serviço pro chefe rendeu grana. Acabei de olhar o saldo na conta. - Ele desvia o olhar para mim. - E aí, garota! O chefe tá mesmo disposto a tudo pra pegar teu pai. O teu coroa é vacilão. Merece chumbo dos grosso.

- É... Eles que se resolvam o mais rápido possível e me deixem em paz. - Passo minha camisa em cima das minhas escoriações. - Estou farta dessa loucura toda. Quem dera se me fosse dado o direito de escolher em que família eu iria nascer...

- Complicado, garota. - Coça a barba. - Uma grande bosta isso tudo.

Fragmentada (DISPONÍVEL POR TEMPO LIMITADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora