Como eu queria estar na fazenda agora...
Deon não disse mais nada até estacionarmos por trás de um grande prédio. O beco escuro e úmido me causou medo. Percebi que alguns bichos fuçavam o lixo e então o medo sumiu. Tive dó deles.
– Isso é a fantasia? – Ele aponta para a sacola na minha mão e eu assinto. – Ótimo! Vamos entrar pelos fundos e logo você usará.
– Deon, para que você quer que eu use isso? Chega a ser ridículo o tamanho disso. Eu não vendo meu corpo, não existe motivo algum para usar peças assim. – Manifesto-me sentindo que não terei tanta escolha. – Eu já vou casar com você. Por que isso?
– Sabia que seus pais estão sendo bem assistidos agora? – Suas mãos nos bolsos faz ele parecer que sua pose é superior a qualquer outro ser humano. – Irei começar a reformar tudo naquele chiqueiro que vocês chamam de fazenda. Eles vão ter enfermeiros de plantão, visita regular de um médico, assistência por outros profissionais... Soube que sua mãe é depressiva e seu pai está com problemas no pé esquerdo. – Começo a tremer. – Vou erguer aquele lugar, vou dar tudo que eles necessitarem... Estou sendo muito bom com você, Melina. Mas o acordo até então tinha sido você casar comigo para que não visse sua casa pegar fogo com todos dentro. Acabei de mudar o acordo. – Ele levanta o dedo indicador fingindo ter acabado de ter uma ideia. – Você deve total obediência à mim ou não serei tão piedoso com seus pais. Eu te manterei bem viva para que você possa vê-los morrendo, pedindo socorro a você.
– Para, por favor. – Minhas pernas ficaram fracas e eu acabei desabando enquanto ele não se moveu.
– Seja uma menina obediente, Melina, e eu prometo que você e seus pais sairão bem e vivos disso tudo. É uma bela troca. – Ele caminha até mim e se agacha na minha frente. – Estou oferecendo a você muito mais do que me ofereceram. O que me diz? Não tenho muito tempo.
– Você... – Engulo seco enxugando minhas lágrimas. – Você é um monstro, Deon Castilho!
– Não, não chego nem perto de um verdadeiro monstro. – Ele me levanta contra a minha vontade. – Vou levar sua resposta como um sim. Agora vamos, franguinha. Odeio perder tempo com conversas desnecessárias.
Entramos pela porta de trás e passamos por um longo corredor que deu acesso a uma grande e movimentada cozinha. Eu queria ficar para conhecer mais daquele lugar, mas Deon segurou meu antebraço e me puxou.
Subimos dois lances de escada e entramos em um elevador apertado. Estava começando a sentir dor de cabeça por tantas voltas que estávamos dando.
Vamos ao fim do mundo, afinal?
Demorou um bom tempo para sairmos do elevador e assim que o fizemos, demos de cara a um outro corredor. Esse era chique, como um corredor dos hotéis que eu via nas revistas. Tudo era branco e polido. Eu conseguia me ver no chão.
Ainda me segurando, ele me guiou até na frente de uma porta. Encostou um cartão em um leitor e a porta destrancou. Ele me empurra pra dentro e vem logo atrás.
– Vou mudar de cativeiro? Esse aqui parece bem melhor.
– Aqui tem tudo o que precisar. E caso queira comer, tem um número do lado do telefone para que ligue e peça algo. – Olho rapidamente para o aparelho e depois volto minha atenção para ele. – Virei buscá-la às 20h. Esteja arrumada com sua fantasia.
– Eu serei um tipo de espetáculo? – Jogo a sacola no chão. – Você não acha que já está na hora de me contar a verdade? Isso é cansativo. Se eu for rica, herdeira de muito dinheiro, sei lá, só é dizer que passo tudo pra você. Isso é desnecessário.
– Estou começando a me arrepender por ter pedido pra você falar. – Soa estressado e impaciente. – Só cumpra minha ordem e nada de gracinhas. Não preciso estar o tempo todo te lembrando certas coisas.
Assinto. Ele olha em volta e sai. Sem falar nada. Mas ouvi a porta sendo trancada. Na próxima vez falarei que ele não precisa mais disso. Agora sou sua cadelinha de estimação.
Como reagir tendo meus pais em suas mãos?
Eu sinto novamente vontade de chorar, mas não cedo. Acabarei enlouquecendo se absorver tudo em excesso. Antes de pensar no que realmente fazer, preciso entender qual minha real utilidade.
No escuro não posso pensar em nada. Só aceitar suas ordens e tentar não chorar pra tudo. O que é realmente muito difícil.
Já está no meio da tarde e eu sinto fome outra vez. Já andei pelo quarto inteiro e não tenho mais nada o que fazer. Liguei a TV e não passa nada a não ser uma imagem, acho que se chama logomarca, se mexendo.
Império D
Onde o rei anda entre nósFiquei observando essa imagem por mais de cinco minutos. Agora estou com fome. Lembro do aviso de Deon e resolvo ligar para o número.
Com apenas um toque ouço a voz de uma mulher do outro lado da linha. Ela diz o mesmo nome da logomarca e depois questiona o que desejo.
Achei chique!
– Hum... Bom, o que vocês tem que venha do mar?
– Senhora, temos vários tipos de peixes, lagostas, camarões, polvos, caranguejos...
Ela começou a falar várias coisas e eu me perdi na metade. Eu já não lembrava mais os primeiros nomes...
– Hãn... Me traz uma porção de cada, por favor. E algo chique pra beber. Bem chique mesmo.
– Como quiser, senhora. Número do quarto?
Procuro no papel e vejo o número. Digo rapidamente e ela se mantém muda por breves segundos.
– Acompanhante do Sr. Deon Castilho. É isso?
– Acho que sim. – Enrolo o dedo indicador no fio do telefone. Por que pedir comida exige tanto?
– Registrado, senhora. Em breve um funcionário levará até seu quarto. Algo mais?
Nego e ela despede-se desejando que eu tenha uma bela refeição. Devolvo o telefone para o gancho e sinto que meu coração bate mais rapido que o normal.
Que missão difícil foi pedir essa comida. Misericórdia!
Mas também caprichei. Sempre achei chique essas coisas do mar. E já que Deon liberou eu pedir o que quisesse, vou aproveitar.
Se é pra morrer por esse plano louco dele, que seja aproveitando o que a vida tem de melhor.
Serei uma cadelinha, ok, mas uma cadelinha que come lagosta e bebe coisa cara.
Sorrio e me jogo na cama. Se eu morrer hoje, morro feliz. Experimentei várias coisas que apenas desejei pelo papel e ainda experimentarei mais.
Posso me acostumar tranquilamente a isso. Mentira, não irei me acostumar a sempre ter que abaixar a cabeça pra esse maluco. Mas posso tornar isso mais suportável. Ele que me aguarde. Só aguarde.
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Fragmentada (DISPONÍVEL POR TEMPO LIMITADO)
RomansaSem luxo ou qualquer dinheiro sobrando, Melina Martins leva uma vida simples, morando no campo e cuidando dos pais. Nunca teve maldade em seu coração ou ambição em nada que não fosse seu. Contentava-se com a realidade que vivia; tirando leite da vac...