15

20 3 5
                                    

Irene levou alguns segundos para reunir sua boa vontade e começar a explicar.

— Antes de virmos para cá, eu estava conversando com meu pai um dia e acabamos mencionando... essa mulher. Aí eu perguntei se ele podia me contar o porquê de ela ter ido embora quando eu era criança e ele me contou a verdade. Sabe o quê aconteceu?

— O quê?

— Meu pai me contou que ele tinha ficado com um garoto nos tempos de colegial e bem antes de conhecer ela. No final das contas ele casou com ela, me teve e quando os dois se mudaram para cá, ela descobriu isso vasculhando as coisas dele e encontrou uma foto deles e bilhetinhos que eles escreviam um para o outro. Ela contestou meu pai e ele falou que tinha sido a muitos anos e perguntou o porquê de ela trazer isso a tona naquele momento. Ela perguntou se ele era gay e ele falou que não, que apenas gostava de homem e mulher. Mas como na época quase não tinha muita visibilidade bissexual e outros que também são de mais de um gênero, ela falou que não acreditava nele e que tinha medo de ele trair ela com um homem. Ele disse que amava ela e que escolheu ela para viver o resto da vida ao seu lado, mas ela não escutou e se mudou para o quarto de hóspedes recém decorado. Ela foi extremamente preconceituosa e ainda abandonou eu e meu pai, já que na carta que ela deixou antes de fugir tava escrito que ela tinha medo de "isso" passar para mim também e que ela não queria uma filha defeituosa. Meu pai foi obrigado a se sobrecarregar para sustentar a casa sozinho, já que ele era estagiário de medicina na época e não tinha muito dinheiro. E, para mim, restou aprender a me virar sozinha, já que ele saia cedo para trabalhar e voltava tarde — a agressividade na voz de Irene começou a falhar e começou a vir a tristeza no lugar — Aí... ele teve que me colocar num internato feminino, já que ele estava com medo de me deixar o tempo todo sozinha em casa, mesmo eu falando que estava tudo bem. 

Lágrimas começaram a rolar dos olhos de Irene e ela abaixou a cabeça, cobrindo o rosto com uma das mãos. Íris se aproximou e a abraçou, ao que Irene se aconchegou e soluçou.

— Foi horrível Íris. —  ela soluçava e mais lágrimas molhavam suas bochechas e caíam na água da piscina.

— Tudo bem, já passou. Eu estou aqui. Tudo vai ficar bem. —  disse Íris, com sua voz tranquilizadora e passando uma das mãos nas costas de Irene, que foi se acalmando e engoliu em seco, para tentar continuar.

— Eu sofri muito lá, elas faziam muito bullying comigo. Mas eu aprendi a me defender com o passar do tempo e depois passei a ser a "má influência" da escola. Ia muito para a diretoria, até que eu quase fui expulsa e meu pai me colocou na escola que a gente se conheceu. Eu já estava mais velha e ele tinha conseguido um emprego em um hospital próximo como clínico geral. Lá eu conheci a Deborah, que foi a primeira pessoa a ter coragem de falar comigo, já que eu já cheguei lá "transformada", por assim dizer. É por isso que ela sempre soube o porquê de eu ser do jeito que sou. Depois de um tempo, eu passei a baixar a guarda, já que ninguém lá tentou fazer algo contra mim. Por isso eu ganhei fama e tal, mas acabou virando apenas uma fachada, uma máscara. Bom, é isso. 

Irene suspirou assim que terminou, cansada de tanto falar. Íris não disse nada, apenas balançou a cabeça e a chamou para sentar na beira da piscina. Depois de uns minutos de silêncio entre as duas, Irene perguntou.

— Mas e aí, não vai dizer nada? 

— Não. Não tenho nada a dizer. Apenas que pessoas machucadas machucam outras pessoas e está tudo bem, você evoluiu e parou de machucar os outros já que não havia o porquê de machucar alguém, afinal aquele era seu mecanismo de defesa, então sua defesa abaixou e te deixou aproveitar a companhia de outras pessoas, você melhorou e é isso que importa. 

Irene não soube se isso era uma frase positiva ou não, então ficou a observando olhar para o horizonte até que Íris olhou para ela e sorriu, ao que ela sorriu de volta. Elas voltaram para o quarto um tempo depois para tomar banho e se preparar para jantar. 

Naquela noite, como a última que teriam lá, jantaram com Gess e a garota da festa, ficaram se divertindo depois de comerem, jogaram "Uno", o jogo da garrafa e "Eu Nunca". Depois partiram para o quarto tarde da noite e não demoraram a adormecer. Tinha sido um longo dia e o próximo seria mais longo ainda.

Uma Mesa Para Duas • ⚢ •Onde histórias criam vida. Descubra agora