Capítulo 4 - Cassoulet, vinho e casamento

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Passei o restante do dia, e da noite, na casa dos meus pais. Aproveitei para jantar com eles, conversar sobre os planos para o casamento, e para depois também.

O meu pai sempre quis ser avô, e agora que o Murilo vai se casar, ele sente que enfim irá realizar esse sonho. A questão é que mesmo indiretamente, eu me sinto pressionada a arrumar alguém, já tive alguns namorados, poucos trouxe em casa e de fato apresentei, o mais longe que uma relação minha já chegou foi um noivado, mas não continuamos juntos.

O problema é que eu sempre quis me casar, ter filhos, e conforme os anos vão se passando, eu começo a me questionar se vou conseguir realizar isso, ou não.

A noite com eles foi muito agradável, demos risada lembrando de vários momentos da infância, e como ainda não tenho um lugar para ficar, irei passar alguns dias aqui enquanto procuro.

Fui uma das primeiras a acordar, logo que o Sol nasceu, rapidamente me arrumei, prendi o cabelo, coloquei o uniforme de trabalho, a camisa polo com o emblema da seleção e a calça jeans, e tomei um café da manhã rápido.

Logo já estava a caminho de Saquarema, de carona com o meu irmão, que depois de me contar praticamente em cima da hora, faltando apenas três semanas, que o Bruno será padrinho de casamento dele, me devia pelo menos essa gentileza.

Cheguei ao Centro no horário certo para acompanhar o treino dos meninos.

Apesar de estar cuidando da recuperação do Bruno, não fui contratada apenas como fisioterapeuta dele, mas sim do time todo. Uma responsabilidade sem tamanho.

Durante a minha carreira, sempre trabalhei em clubes, principalmente na França, e por maiores que eles fossem, nunca, jamais, poderiam ser comparados a seleção brasileira.

A pressão, tanto de dentro da quadra, quanto de fora, por resultados, é imensa.

Se o Bruno não se recuperar a tempo e for cortado dos jogos, eu vou me sentir péssima. Não só por ter, de certa forma, falhado no meu trabalho mas também por ter falhado com ele.

A vida dele é aqui, dentro da quadra, nunca vi uma pessoa que ame mais o vôlei do que ele, e eu vou fazer tudo que puder para que melhore a tempo.

Falando no Bruno, ainda não o vi. Talvez tenha decidido não assistir os treinos em quadra, o que eu creio ser uma escolha muito sábia. Não faz bem a ele, nem um pouco, então por enquanto é melhor esse afastamento.

Durante todo o treino tento fazer minhas avaliações do grupo e vou anotando tudo nas fichas individuais de cada um, para no final, passar os exercícios separadamente.

Após uma conversa com o Renan, o massagista, e os atletas, sigo para a sala de fisioterapia onde ao abrir a porta me deparo com o Bruno de pé, usando a regata azul da seleção, e encostado na minha mesa.

—Estava me esperando? — Sorrio para ele, que retribui assentindo, e encosto a porta atrás de mim — uma bela evolução para alguém que não queira nem receber o tratamento.

—Digamos que uma certa aposta me motivou — ri, se afastando um pouco da mesa para que eu coloque minha bolsa sobre ela — a última coisa que eu quero é perder para você.

—Fico feliz em saber que está mais disposto — fico em pé a sua frente, o olhando — e apesar de não gostar de perder, estou torcendo pela minha derrota — rio — quero que melhore logo, o mais rápido possível de preferência.

—Está querendo se livrar de mim? — Diz franzindo ligeiramente a testa.

—Como se eu pudesse, você vai ser padrinho de casamento do meu irmão, não tenho como me livrar de você — rimos, e eu o acompanho até a maca, onde ele se senta enquanto procuro pelo aparelho de eletroterapia.

Não sei se me livrar do Bruno é exatamente o que eu quero, na verdade eu gostaria de entender mais o passado, e aí sim me livrar deste.

Depois de uma breve procura encontro o aparelho que tanto procurava, e vou separando todos os fios, me aproximando do jogador que estende sua mão lesionada na minha direção para que eu coloque os eletrodos.

Coloco um a um, com cuidado, e o levantador observa atento tudo que eu faço.

—Terapia de choque? — Brinca, levantando seu olhar rapidamente para mim e depois o retornando para a mão.

—Exatamente — o olho, rindo — acho que não preciso te explicar como funciona a eletroterapia.

—Realmente não — dá um riso abafado — a eletroterapia consiste numa corrente elétrica de pequena intensidade aplicada diretamente sobre a pele, já ouvi bastante isso.

—Pelo visto estou lidando com um especialista no assunto — digo em tom de brincadeira — gostei disso — dou uma piscadinha e um sorriso para ele e então ligo o aparelho, que exatamente como ele disse, utiliza correntes elétricas de pequena intensidade aplicadas diretamente sobre a pele no tratamento de lesões.

O Bruno não sente nenhum tipo de dor, além da que já sente por causa da lesão, e o procedimento segue tranquilamente, enquanto conversamos, até que o assunto se torna nosso encontro.

—Então Estela, qual sua comida favorita? — Pergunta, curioso, e eu penso por alguns momentos antes de respondê-lo.

—Cassoulet — respondo, lembrando da chamada “feijoada” francesa, que é sem dúvidas meu prato favorito — a primeira vez que provei foi em Toulouse, no Sul da França, foi uma experiência incrível.

—Já sei onde te levar nosso encontro.

—Toulouse?

—Não — ri com a minha pergunta — a um restaurante francês.

—Ah claro — fico desconsertada depois de ter feito uma pergunta tão estúpida, como ele iria me levar até o Sul da França para apenas um encontro? — Mais je pense que j’aurai besoin de beaucoup de Cassoulet et de vin pour pouvoir te supporter — falo rindo, em meio ao francês, e o levantador parece não ter entendido muito bem o que eu falei — mas creio que vou precisar de muito Cassoulet e vinho para conseguir te suportar — traduzo, e ele ri.

—Sou tão insuportável assim?

—Só um pouquinho — digo com um certo deboche na voz.

—Sendo assim vou providenciar muito Cassoulet e vinho para você — diz risonho — só não sei se no casamento do seu irmão terão essas coisas.

—Ah até lá eu acho que já aprendi a lidar com a sua chatice — giro o botão do aparelho, aumentando um pouco a intensidade da corrente, e percebo que ele tenciona levemente a mão, mas não reclama.

—Falando em chatice, eu gostaria de te lembrar a regra da nossa aposta.

—Regra? — Franzo o cenho, confusa, não me lembro de nenhuma regra — que regra seria essa?

—A única, que não pode ser quebrada de nenhuma forma. Aconteça o que acontecer, não pode se apaixonar por mim — o sorriso de canto, o brilho no olhar, ele realmente tem uma autoestima bastante elevada para achar que com apenas um encontro eu me apaixonaria por ele.

—Não sabia que tinha largado a profissão de levantador e havia virado piadista — não contenho uma risada alta, e levemente descontrolada — je ne tomberais plus jamais amoureux de toi (eu nunca me apaixonaria por você novamente).

—Não virei piadista, estou estabelecendo uma regra e poderia fazer o favor de traduzir o que disse? Caso tenha esquecido eu não sou fluente em francês.

—Claro que traduzo — hesito por um breve instante, não vou traduzir exatamente o que eu falei — eu nunca me apaixonaria por você, foi isso que eu disse — começo a fazer anotações na ficha do Bruno, e então dou uma última olhada para ele, que mantém seus olhos castanhos fixos em mim, e de alguma forma, parece que se afetou pelo o que acabei de dizer — pode ficar tranquilo que isso não será um problema.

—O que não será um problema? — Uma voz masculina surge atrás de nós, e quando me viro, é o Renan, até que ponto ele ouviu?

 Red Zone - Bruno Rezende Onde histórias criam vida. Descubra agora