Capítulo 4

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Pov. Milena

Quando eu era criança, vivi em uma pequena cidade rural da Bahia juntamente com os meus avós. Conseguia buscar em minhas memórias o quanto eu era grudada com minha avó, até chegar ao ponto de andar com ela pelas ruas sempre que eu podia. Essa era uma das minhas melhores lembranças da Bahia e, talvez, a mais importante. Com o tempo, minha família percebeu que não tínhamos tantas oportunidades morando ali, então decidimos nos mudar para São Paulo e deixar tudo para trás.

Aquela primeira mudança em si já tinha sido dolorosa para mim e agora, prestes a deixar o meu país, parecia que eu estava fora de mim. Deixar a família para trás de novo...

Atualmente meus pais moram em Guarulhos e isso era um grande problema quando se tratava de transporte público. Quando minha irmã e eu morávamos na zona leste, tudo era mais perto — principalmente Guarulhos. Porém, agora que mudamos de casa, estava cada vez mais difícil de visitar as minhas preciosidades. Não tínhamos muitos acessos de ônibus até a casa deles, então, com o tempo, decidi comprar um carro e fiz minha irmã tirar a carteira de motorista.

Depois da minha conversa com Manu, decidi ir hoje a casa dos meus pais para conversar sobre a Itália. Não sabia bem o porquê, mas eu estava completamente nervosa com a opinião deles — mesmo lembrando que eles me apoiavam em todas as minhas decisões. Uma voz na minha cabeça murmurava a palavra "talvez" toda vez que eu pensava na hipótese de eles negarem a minha ida. Talvez isso só fosse insegurança.

Ou medo de ir embora.

Após o almoço, descansei um pouco no sofá e observei o céu nublado pela janela da sala. Hoje não estava tão frio quanto ontem, mas acredito que domingos costumam ser mais cinzentos que os outros dias. Ninguém gosta de trabalhar no dia seguinte depois de um longo descanso.

Prorroguei minha conversa com toda a família até o café da tarde, já que sentaríamos juntos a mesa pra comer. Neste meio tempo, Histefani percebeu o meu leve nervosismo e me puxou até um dos cantos da lavanderia, mas eu me soltei e caminhei calmamente até a mesa.

— Gente, preciso falar com vocês — exclamei aflita. Era agora ou nunca. — É algo realmente muito importante.

— Sério?! — disse minha irmã em tom de ironia. — Nem deu pra perceber.

— O que houve?

Esperei que todos estivessem devidamente sentados para começar a falar.

— Recebi uma proposta de trabalho!

— Vai ser da Myos?

— Não tecnicamente...

— Ganhou uma promoção?! — disse meu pai animado. Eu sorri, afirmando.

— É uma promoção... No exterior.

— Espera — interrompeu Histefani —, o que quer dizer com "exterior"?

— Quero dizer que é uma grande proposta pra fora do país.

— Onde?

— Itália.

— Nossa — murmurou meu pai. — Isso é bem longe.

Muito longe...

— Eu decidi falar com vocês antes pra saber o que vocês pensam sobre isso, porque realmente me importo com a opinião de vocês, mas, antes de falarem qualquer coisa, quero que saibam que estou pensando em aceitar a proposta.

— Por que você acha que alguém iria te impedir? — disse minha irmã chocada. — Até parece que não nos conhece.

— Eu sei, é só que... — Olhei para os meus pais que estavam mais calados que uma caverna, enquanto pequenas lágrimas escorriam pelo rosto de minha mãe. — Eu acho que vou tomar um ar.

Peguei a minha blusa no sofá e sai pelo portão em direção a uma pequena colina que ficava próxima a casa. Ao chegar em seu topo, sentei na grama e deixei que o ar frio me rodeasse. Peguei meu celular e chequei para ver se o sinal estava pegando. Apressei-me pra mandar mensagem para Manoela, mas alguns passos atrás de mim me impediram que eu continuasse.

Histefani se sentou ao meu lado, ajeitando seu vestido floral preto com vermelho. Ela encarou a vista da colina comigo, demorando um pouco para falar — o que não era nada normal.

— Você vai ficar bem? — perguntei receosa. Minha irmã me olhou surpresa e confirmou com a cabeça.

— Vai ser uma nova fase pra mim, e eu acho que vou gostar de descobrir sobre os perrengues da vida adulta.

Gargalhei ouvindo aquilo, espantando um pouco o meu nervosismo. Voltei a olhar para frente, notando a noite se aproximar.

— Eles concordaram com sua ida.

— O quê?!

— Você saiu tão rápido da cozinha que eles não conseguiram digerir a história direito, Milena... — Bufou. — Eu sei que você está preocupada com a gente, mas você estudou muito pra que isso um dia acontecesse. Não tem porquê você negar uma proposta legal com medo de viver algo. É quase uma oportunidade única.

— Eu estou com medo — confessei, fazendo minha irmã me encarar. — Nós sempre estivemos juntos, e mesmo depois de nos mudarmos, continuamos visitando nossos pais e nossa família na Bahia.

— Algumas coisas não são pra sempre, lembra? — disse ela um antigo lema de minha avó. — Aposto que Manoela disse pra você se arriscar.

— Eu sou corajosa, na maioria das vezes...

— Eu sei — revirou os olhos —, não estou dizendo que não é. Mas essa é realmente uma oportunidade para se pensar.

O silêncio pairou por bons minutos entre nós, mas nada daquilo era desconfortável ou estranho. Estar com minha irmã era esse misto de leveza e pequenas discussões, um verdadeiro equilíbrio. Quando a noite chegou, descemos a colina em direção a casa, mas, antes de entrarmos, Histefani me parou na porta segurando meu pulso.

— Já se decidiu?! — sussurrou.

Olhei para o topo da colina e suspirei.

— Vou sentir falta de vocês!

Com Amor, K.Onde histórias criam vida. Descubra agora