11-Da carne faço banquete II.

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  Ah não me entenda como uma expositora barata, viu? Nem de longe seria capaz de contar em detalhes ou até mesmo por alto para um estranho sobre aquilo feito na privacidade dos nossos âmagos. Ele me mataria, assim como me matou na rede, banheiro, cozinha, quartos, salas e quintais, tratarei só das sensações surreais apresentadas pra mim, ali naquelas condições.
Trago três falas de Neônio cujo teor e contexto são minhas afirmações do carinho, provenientes no carnal, dele para comigo. A primeira foi durante nossa primeira experiência mais... enfim, foi quando ele certificou a minha confiança nele e o quão segura e confortável eu estava por me entregar daquele jeito pela primeira vez e pra ele, "Você confia em mim?", foi a bendita frase dele antes mesmo de tocar em mim, estávamos apenas deitado contemplando um ao outro e afirmando nossas vontades antes de partir pro abraço. Foi somente após a confirmação que a primeira entrega mais... profunda, aconteceu!
  "Todas a vezes foram, mas a primeira foi a mais especial" foi a resposta para a pergunta "qual vez nossa foi a melhor?", nesse ponto pode parecer para quem lê um tanto quanto a fala de quem ilude, mas ele não disse a "primeira vez", ele a descreveu e eu, como a portadora da melhor memória entre os dois, defini ser a primeira, portanto se está escrito "a primeira" é porquê não cabe a mim descrever a hora, e o local... e a razão!
   "Tem certeza?" Mesmo sendo afirmado isso por meses a fio, mesmo sendo o mínimo de qualquer relação íntima essa afirmação, Neônio  perguntou continuamente isso até eu me exasperar e quase gritar em afirmação. É o mínimo mas foi um momento planejado, eu tinha certeza da minha vontade de experimentar mais aquilo com ele há muitos meses antes do ocorrido, já tinha prometido e acordado com aquela situação, e mesmo com tanto, ele ainda assim queria assegurar a minha vontade, o meu conforto.
   Talvez daqui alguns anos eu enxergue outro lado dessas palavras, talvez elas sejam fúteis ou não sei mais o que, o importante é a atualidade eu tenho uma parcial amostra do carinho dele e o tomo como verdade. Exprimo novamente uma inexistente expectativa de ter recíproco o amor dessa mesma forma, eu só afirmo uma existência de um carinho, de uma importância minha para ele. E talvez, só talvez, seja tudo uma mentira e ele realmente nunca se importou comigo, mas isso seria um problema somente dele, eu absorvo as palavras um dia proferidas como boas e não ilusórias, se é de mente dele enganar-me para me ter da carne e sangue pois ele torne o mau caratismo dele como um carma dele, a minha consciência continuará límpida em relação ao íntimo.
    Não tem como saber, não sei tudo sobre tudo. O que sei é unicamente sobre as minhas vontades no presente e posso tornar a morder a língua em alguns anos, todavia, é certo a diferença entre a minha vontade carnal e a minha vontade romântica. Mesmo tendo há muitos duvidado da minha própria vontade quanto aquele de lá, atualmente eu sei da minha verdade que o ama e a verdade que o deseja.
     E como o desejo! O desejo como algum dia estive perto de tê-lo e por ser tão nova não o fiz, o desejo como o tive em alguma madrugada  segurando minhas mãos no alto da minha cabeça e olhando nos meus olhos, ou como o tive deitado em meu peito nu, o desejo como o desejei deslizando nossas mãos um no corpo do outro, o desejo naquele mesmo fervor do meu quadril em movimento violentamente guiado por ele, o desejo massageando meu seio cuidadosamente por estar dolorido em consequência de um certo período feminino.
    No calor sendo instigados a provar do perigo de sermos encontrados muito juntos, de lábios colados em plena luz do dia, no frio ainda de roupa para despistar os sons abafados naquela madrugada de junho, eu pude admirar com gosto seus olhos cativantes e profundos secando os meus, pude mergulhar na sua voz ao pé do meu ouvido continuando qualquer que fosse o assunto durante aquele ato artístico, pude ser eu quem estive com ele reclusa da nudez e dos altos sons por medo do flagrante, fui eu!
    Arte eu disse? Pois é pura arte, cada movimento, cada experiência, cada conversa. Do som da sua voz, das risadas, da sua pele parcialmente a mostra, só as partes necessárias para o desejo concretizar, do seu cabelo bagunçado, do seu braço me segurando, guiando, dos seus dedos me acariciando o rosto, os lábios, a tatuagem na costela, ou da palmada na tatuagem do ombro direito que eu tenho e ele tanto implica por ser uma abelha, do seu pescoço...
    Sim, o pescoço, mais especificamente o músculo esternocleidomasteodeo! Deposito meus beijos, meus carinhos e minha pesarosa vontade de morder para essa parte dele em especial. Tão bonito seja aquele músculo, um dos quais eu já respirei pesadamente por diversos momentos, este cujo cheiro já me inebriou tanto até o impulso de inalar até a morte aquele maravilhoso cheiro de perfume, este músculo no qual me fiz encaixar a cabeça para chorar e buscar ser confortada por quem digo amar, este músculo de beleza tão expressiva para mim mesmo tendo camadas da derme cobrindo-o.
    Arte eu disse? Continuo dizendo, foi teatro francês clássico de vários atos e cenas, quando a cortina parecia fechar de vez, reabria com novos diálogos e encenações, novo drama aos telespectadores. Foi pintura impressionista tal qual Van Gogh de fortes e marcadas pinceladas tornando de vivas cores a tela. Foi renascentista tomando o humanismo e em descoberta toda uma ciência para estudo. Foi Beethoven calculando as suas partituras em prol de um caloroso som. Foi arte da mais pura classe e foi arte da mais abstrata modernidade, foi dadaísmo ao gótico ao grego ao realismo, foi de todos os movimentos artísticos impactando o núcleo social inserido, foi do "frame" fotográfico até os filmes mais bem produzidos de "Hollywood", foi do mais puro ao mais sujo, só foi arte!
  Assim como as "saboneteiras", ou propriamente dita, as clavículas, sou atraída por esta parte humana em incomum, e as dele, as que Neônio possui são as mais características que eu poderia pedir, o vão dessas saboneteiras são bem aparentes tomando boa parte da minha visão para elas, e observá-las de tão perto enquanto a direita movimentasse abruptamente tal qual  o resto do braço determinando a ação sofrida por mim, ação essa tão boa e tão agonizante por não poder aproveitar como de fato gostaria.
   Não tenho arrependimento de nenhum dos nossos momentos, nenhum mesmo, e principalmente desses quase descritos aqui. Todos têm uma parcela de culpa no amor nutrido em mim, na importância dele para mim, todos acomodam  múltiplos "flashbacks" em situações super diversas, estes em específicos acomodam "flashbacks" nos piores momentos possíveis, me impulsionando a largar tudo e correr pro abraço na mesma hora, para aqueles braços na mesma hora, os que me acolhem no choro, no riso, no cansaço, na dor e principalmente na vontade.
   O que me remete ao tempo passado desde a última vez na qual eu estive em contato da carne de Neônio, uns sete meses atrás, sete meses cujo único contato caloroso foram os terríveis flertes e as contínuas promessas de ter mais, de se tocar mais, de se provar mais. Aliás,  se existem duas pessoas ridiculamente inteligentes e tomados de hormônios libidinosos que não deveriam trocar flertes de cantadas somos nós.
    Muita das minhas cantadas funcionam com outras pessoas e as dele obviamente funcionam, todavia, quando proferidos as cantadas um ao outro os rumos tomados são um pouco diferentes. Análise, ao acordar bem cedo numa manhã por motivo algum, eu checo as minhas mensagens e la está uma pergunta um tanto quanto assustadora para se fazer a alguém, uma pergunta sobre um problema psicológico bem sério e que muitos podem ter la suas dúvidas quanto a existência ou não de um laudo médico comprovando essa doença em mim, me assusto obviamente e questiono a pergunta, a reposta nada mais era uma terrível cantada descontraída, cantada essa quase não prevista se não fosse pelo meu coração saindo pela minha boca.
   O problema é a análise contraditória feita da questão, gerando um certo abismo até o objetivo principal. Tanto as que ele manda quanto as que eu mando geram uma certa gama de estudo do caso, causando os nossos momentos de risada ao invés dos momentos fogueira, tornando tudo uma grande piada para nos dois.
    Em contrapartida, a fogueira quando acesa não se apaga por nada nessa vida. Deixando sempre uma faísca ou outra só esperando a gasolina para prosperar novamente. De queimar hectares e hectares a fora, ignorando seja lá qual for o caminhão pipa ou a porta ante-chamas, tornando cada ação sofrida ou aplicada um instigador maior para aquele fogo.
   E seja os hormônios ou seja feitiçaria, sei mais la o que poderia ser a verdadeira culpada se não apenas o fácil acesso ao isqueiro dessa enorme vontade ter um ao outro, seja qual for o fósforo riscado é de praxe queimar e não queimar o suficiente, mesmo sendo bastante, parece que sempre precisamos queimar mais vezes, outros dias, em outros jeitos, é infinito o fogaréu criado.
   E quão fácil é de ser gatilhado, pelo menos em mim é só um olhar diferente, um movimento distraído, uma voz mais firme, um expirar profundo, uma postura adotada na cadeira, uma massagem na perna em cima da minha, uma brincadeira inocente da mãe dele, é só um simples engolir de qualquer líquido e pronto, estou a postos da entrega novamente, de me fazer ali em prontidão uma boa devota a seu amo.
   De certo nossas investidas dão saudade, de certo nossas peles macias precisam ter um novo contato, de certo eu preciso pedir um tempo para respirar de minutos a minutos, de certo um assunto é bem melhor apresentado  enquanto minhas pernas agarram a cintura dele, de certo as mãos dele formaram-se para embolar em meu cabelo e de certo, muito mais do que certo, é preciso mais uma vez daquela passada de olhares da boca pros olhos, pra situação e pros olhos novamente, mais do que certo é preciso o olhar dele preso ao meu!
   E tendo eu um signo de fogo, Neônio terá de se queimar novamente. E tendo Neônio um signo de água, eu terei de me afogar novamente. Se for a mistura dos dois, teremos efervescência de novo, e de novo, e mais uma vez, e se algum dia seguirmos caminhos diferentes e tempos depois nos reencontrarmos  pela segunda vez, teremos efervescência de novo, e de novo e mais uma vez!

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