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                     Point Of View Gabriela

Quando eu recebi a proposta para ir para Turquia, meu coração acelerou. Não apenas pelo dinheiro, que é muito bom, mas também pela oportunidade única de crescer profissionalmente. Jogar no Brasil é interessante, a torcida é louca, mas já tinha certeza que meu tempo por aqui já estava esgotado e por isso decidi ter novas experiências. A pandemia chegou de forma inesperada e nem mesmo nos meus piores pesadelos imaginaria que fosse ser tão duradoura assim. Um ano sem treinar, sem sair e sem ver nenhum outro rosto além de amigos despreocupados e minha mãe.

As coisas começam a flexibilizar, mesmo que ainda sem previsão de volta dos jogos, me sinto mais tranquilizada com isso. Os primeiros meses foram terríveis; ser uma pessoa tão ativa e acostumada a lidar com pessoas e se ver, de repente, isolada dentro de casa foi assustador, mas preciso admitir que aceitar um emprego temporário na cafeteria do Minas foi anestésico. Modéstia à parte, se há 2 anos atrás alguém me disse que eu, Gabriela Guimarães, o nome mais requisitado na minha posição iria estar se submetendo a isso apenas para não se sentir tão entediada, eu iria rir. Mas aqui estou eu, nesse momento servindo café com um coração desenhado de chantilly para um senhor gordinho que aparenta ter 68 anos e que não faz nenhuma questão de facilitar o troco. Uma nota de R$100,00 para pagar um café de R$6,00? Parece piada.

  - Senhor, sinto muitíssimo! Mas acabamos de abrir, não tenho troco ainda. - Expliquei pacientemente para o rapaz ancestral na minha frente, ele sorriu quase como debochado e esticou o café de volta.

  - Como podem abrir antes mesmo de ter troco para alguns trocados assim? - Mexeu em um bolo de notas de 100 como se fossem moedas de 5 centavos e revirou os olhos quando não obteve resposta. - Quer saber? Vou deixar esse valor aí e você pode servir para alguns dos miseráveis que insistem em pedir comida na porta. - A impaciência do homem é cansativa, me faz repensar se isso aqui é um entretenimento ou uma tortura. Mas mesmo que falando da pior forma possível, ele pelo menos fez uma boa ação.

  - Eu sei que já faz um mês, mas ainda não consigo acreditar que você me convenceu a estar aqui. Eu poderia estar em casa agora, deitada com meu cachorro e assistindo um filme ao invés de ter que escutar um homem pré-histórico se achar rico enquanto dirige um Celta branco 2010. - Gargalhei ao ouvir minha amiga a qual eu arrastei para cá bufar irritada após o homem cruzar a porta e entrar no seu carro, que realmente era um Celta branco. - Sério, Gabi, quanto tempo você pretende ficar aqui? Já cheguei no meu limite, eu prefiro o tédio de casa.

  - Pare de reclamar, Lorenne, você nem precisa fazer nada além de passar 3 horas sentada bebendo achocolatado quente de graça e gravar tik tok.

  - E você acabou de me lembrar o porquê estou aqui. - Riu enquanto se dirigia para os fundos para preparar mais um achocolatado, provavelmente o segundo do dia que acabara de começar. - Você quer um?

  - Você sabe que sim. - Enxerguei pelo canto dos olhos minha amiga preparar e não pude conter meu sorriso com o modo como ela faz o meu, sempre extremamente concentrada para não errar nenhum mínimo detalhe, fazendo algum desenho em cima pausadamente para não errar. Ao contrário do dela, que a mesma faz de qualquer jeito sem se preocupar com o resultado.

  - Ahá! Fiz uma flor para você dessa vez. - Escutei sua voz animada enquanto me esticava a xícara, seu olhar era esperançoso pelo meu feedback. Peguei a xícara para analisar o desenho e se ela não me dissesse que aquilo era uma flor, eu nunca adivinharia. - Tá bonito dessa vez? - Perguntou ansiosa pela minha resposta e eu ri de sua animação quase que infantil.

  - É, ficou lindo. - Menti de forma descarada e agradeci aos céus por ela não perceber. Eu sei que ela não queria estar aqui, mas sabe o quão bem ver pessoas me faz e topou me acompanhar, então nada mais justo do que eu elogiar seu desenho horroroso para a fazer feliz. Ficou menos pior do que o de ontem, pelo menos.

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