Point Of View Narrador
Gabriela não fechou os olhos no primeiro dia que Sheilla deixou sua casa, se manteve incomunicável no quarto, ao som de músicas, tão altas, que nem mesmo seus próprios pensamentos tinham algum volume. A última vez que teve os olhos fechados, foi ao beijar Sheilla, mas hora ou outra se lembrava: "Ei, abra os olhos, olhe para mim." E, ainda que sem sua presença e contra sua vontade, cumpria parte do pedido, sabendo que em algum canto do quarto, sua risada ainda estava fazendo som. No segundo dia, Gabriela dormiu por toda a manhã, como se dopasse sua confusão para ter um dia completo.
Gabriela sente o tempo passando muito rápido, já os seus passos, no entanto, muito lentos. E no terceiro dia, sua cabeça pensou freneticamente, não deixando-a ter tempo nem para respirar fundo e viver. Pensou se haveria um dia em que se veriam de novo, ela nem mesmo sabe se ainda quer isso. Pensou se, talvez, a mulher só tivesse um compromisso relâmpago e precisasse mesmo ir. Provavelmente não. Pensou se poderia ter feito alguma coisa para atrasar sua ida, para postergar sua despedida, para mantê-la ali. Ela nem sabe se terá a resposta. Mas, por horas, ela recapitulou os últimos momentos, em uma falha tentativa de amenizar o vazio.
No quarto dia, Gabriela pela primeira vez teve uma refeição completa. Regou as plantas, conversou com a sua mãe, abraçou suas melhores amigas e até marcou alguns planos. No quarto dia, Gabriela não sentiu a garganta amarrar, não sentiu a mão trêmula, não pensou no que poderia fazer para impedir o inevitável. Apenas aceitou. E ela, que não tem nenhum costume de verificar o celular, o ignorou nos quatro dias. Não há motivos para ligá-lo, pensou, nem mesmo tenho alguém para me chamar. E assim, Gabriela voltou a existir, mesmo que ainda confusa, ainda perdida e ainda com um show de fogos de artifício em seu peito. E pela primeira vez, Gabriela se diferenciou da Kadupul da sua mãe, dessa vez ela não murchou ao amanhecer.
Já Sheilla não agiu muito diferente em nenhum dos quatro dias. Chorou no colo de sua melhor amiga por toda a madrugada do primeiro, chorou tanto que sentiu até sua alma sendo lavada. Chorou por culpa, por remorso, por saudade, por angústia. No outro dia, levantou ainda melancólica, seguiu sendo improdutiva por toda a tarde e dormiu muito mais cedo que o costume. Sonhou com Gabriela em todas as noites. Acordava cedo, assustada, pensativa, confusa e esperava ansiosamente um horário que fosse aceitável voltar a deitar.
Sheilla e Gabriela não compartilham do mesmo caos, mesmo que sendo as personagens principais, são mundos diferentes. Gabriela se preocupa apenas com o que pode lhe ocorrer, com o que ela pudera ter causado, com o que ela possa vir a ter com a mais velha. Já Sheilla, se preocupa com o casamento, mesmo que já destinado ao fim, se preocupa com as filhas, com si própria e, ainda que para Gabriela não seja um ponto, com a diferença de idade e com o medo de ser mais uma decepção. Não tenho mais tempo para decepções, pensa.
Sheilla e Gabriela não dividem da mesma história também, muito distante disso. Gabi tem os seus traumas, seus medos de se apaixonar e se entregar uma outra vez, entretanto, só teve um coração partido. Seu consciente, mesmo que protetor, não instalou um trauma tão grande. Ela continua acreditando no amor, na paixão, no respeito e no eterno enquanto dure. Já Sheilla, em seu terceiro relacionamento acabando da pior maneira, não consegue ser assim tão otimista.
Aos 27 anos, Gabriela sente ter todo o tempo e o mundo em mãos. Pronta para se arriscar, errar, machucar e ser machucada e no fim de tudo, será um ensinamento.
Aos 38 anos, Sheilla continua com os mesmos sonhos, mas não com a mesma coragem. Não sente ter mais tempo para conhecer pessoas, para sofrer, para passar por rompimentos. Tem filhas agora.flashback on
- Está me dizendo que a garota que você beijou é Gabriela? A Gabi? - Thaisa perguntava, pela provável terceira vez, para a melhor amiga que pacientemente assentiu mais uma vez, também para si mesma. - E você não sabia disso?
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Coffee Break | SHEIBI
RomanceGabriela é uma jogadora de vôlei bem sucedida, a melhor da sua posição, mas em decorrência da pandemia teve que sair da Turquia e voltar para o Brasil. Na intenção de não ficar parada e nem sozinha, Gabriela aceitou um emprego em uma cafeteria no Mi...