f i f t y | t w o

1.4K 177 218
                                    

28/02/2011

-Não quer tomar um chá? É camomila. -Perguntou a enfermeira Camila.

-Não, obrigada.

-Se quiser tem na cozinha, ok?

-Tudo bem.

Desde que a ficha tinha caído você tinha ficado completamente apática. De certa forma, ficava feliz por ter sido criada bilíngue, então não estava tendo tantas dificuldades com o idioma, só precisava de um pouco mais de prática. Ainda sim, sentia saudades de poder conversar no idioma nativo.

-Bom dia, passarinho. -Você sussurrou ao ver o pequeno pardal pousar no guarda-corpo da varanda.

Costumava passar os dias ali, apenas observando o tempo passar. Ainda sentia muitas dores, então não podia fazer muitas coisas, e não conhecia nada além do quarto em que estava, o banheiro do quarto, o corredor e a varanda.

Não sentia fome, a comida não parecia ter sabor, os cheiros não eram atrativos e o som das vozes de outras garotas também não te cativavam. Você só queria ficar ali, sentada na cadeira de balanço observando o tempo passar enquanto se lembrava de Mikey e da sua vida que fora arrancada de você a força.

-Como estão os ferimentos? -A enfermeira Minako era a única que falava japonês no local e não hesitava em usar o idioma com você.

-Fica latejando, mas não tá horrível igual antes.

-Em breve a gente tira esse monte de curativos e você vai poder ficar com o olho esquerdo à mostra de novo, mas vamos precisar tratar essa infecção que deu.

-Tudo bem. -Você continuou falando apática.

-[Nome], você precisa comer alguma coisa. Vai ficar doente.

-Meus pais ligaram? -Perguntou ignorando os conselhos da enfermeira.

-Não. Nós não temos contato com eles desde sua internação.

-Posso usar o telefone pra ligar pra eles?

-Sabe as regras da casa... além disso, aquele telefone só recebe ligações, não realiza.

-Porra...

Aquela era uma clínica de reabilitação isolada. Ficava no interior de alguma cidade que ninguém te dizia o nome. Não haviam vizinhos por perto, não haviam telefones ou celulares lá dentro. Rádios ou qualquer equipamento eletrônico de comunicação eram proibidos, e as televisões só eram usadas com aparelho de DVD, pois os canais não funcionavam. O objetivo do lugar era fazer as pessoas entrarem em contato umas com as outras e fugirem dos vícios do mundo, ficando completamente isoladas.

Um lugar perfeito para internar alguém e arrancar toda e qualquer chance que ela tinha de saber notícias sobre o mundo. Era como se tivesse sido arrancada do planeta e agora só existisse aquilo ali.

-Você gosta de ler? -Minako perguntou.

-Depende do livro.

-Tem uma biblioteca incrível lá embaixo. Devia ir algum dia.

-Outro dia eu vou.

-Tudo bem. -Ela suspirou e se levantou. -Nós só queremos cuidar de você, [Nome].

Você não respondeu. Apenas continuou encarando o horizonte vazio de sentimentos, mas cheio de imagens à sua frente. Não havia nada para falar.

#

-Brigou de novo? -Perguntou o companheiro de cela ao ver Mikey entrar com o rosto vermelho.

-Não foi nada.

Your Voice, MikeyOnde histórias criam vida. Descubra agora