1986

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Shannon Blythe

Quando as coisas começavam a voltar aos eixos, algo aparecia para arrancar minhas esperanças. Era sempre assim. Mas eu sou forte, capaz de superar qualquer coisa... As surras que levei da vida me fizeram ficar assim. Meu coração já estava calejado.

— Que porra é essa?! — Nikki repetiu, incisivo, virando o papel para mim.

— Eu sofri um aborto...

O peso da realidade caiu sobre minhas costas e eu recuei alguns passos, cobrindo o rosto, explodindo em lágrimas.

Baby... Calma. — Nikki se aproximou, arrependido. — Me desculpa por ter sido tão... — as palavras sumiram.

— Tudo bem... Tudo bem... — balbuciei. — Eu mereço... Porque fui eu que matei nosso filho.

Ele arregalou os olhos.

— Como é que é?

Meu choro se intensificou.

— Shannon, por favor, respira fundo... — sussurrou, prendendo-me em seus braços. — O que aconteceu exatamente?

— Estávamos separados... E eu não aguentei... Não aguentei tanto sofrimento e... Eu injetei... Eu...

— Merda! — suspirou, balançando a cabeça. — Você nem desconfiava que...

— Não! — o interrompi. — A possibilidade de estar grávida não passou pela minha cabeça!

Ele assentiu, amargurado.

— É... Lamento muito... Mas agora já passou, Shan...

Ficamos em silêncio.

— Me desculpa mesmo. — pediu, falando baixinho. — Não quis te ofender, você sabe, eu te amo muito...

— Me dá esse exame! — exigi.

— Oi?

— Me dá o exame, Nikki!

Puxei o papel da sua mão e o rasguei em inúmeros pedaços, descontando todo ódio, exorcizando-o do âmago do meu ser.

— Não vamos recomeçar do zero? — atirei os restos no chão e sorri com alívio. — Então vamos recomeçar do jeito certo, querido.

Ele riu, orgulhoso da minha atitude.

Tommy Lee

2 dias depois...

Na minha opinião, as últimas horas do ano tinham que ser obrigatoriamente comemoradas no Seventh Veil. Dia 31 de dezembro de 1985, pois é, 1985, o ano mais conturbado da minha vida.

Virei mais goles do whisky e percebi, mesmo com a visão turva e a cabeça rodando, que a dançarina sorriu. Ela parou a centímetros de mim e virou de costas, rebolando o generoso volume traseiro na minha cara. Àquela altura, de tão bêbado, não conseguia pronunciar duas palavras sem me atrapalhar com as sílabas. Fui tirado do transe com o toque das suas mãos nas minhas bochechas.

— Você 'tá legal? — indagou com um semblante preocupado. — Tua cara 'tá pálida, gato.

Mas que diabos...

— Sem problemas! — movimentei as mãos. — Pode continuar o show, baby.

Desconfiada, ela concordou, virando de costas novamente. Estiquei os braços e apertei sua bunda. A memorável e inconfundível introdução de "Gimme! Gimme! Gimme!" preencheu o ambiente e os movimentos da garota ficaram ainda mais rápidos e sensuais.

Gimme, gimme, gimme a man after midnight

Won't somebody help me

Chase the shadows away

Subitamente, um forte puxão no braço me fez levantar da poltrona acolchoada vermelha.

— Ficou louco?! — Nikki esbravejou.

— Ei, cara! Por que você 'tá aqui?

— Olha seu estado! — Sixx ignorou a pergunta e fez uma careta. — Há quantos meses você não toma banho, Tommy?!

— Falou o viciado em banho!

Só percebi que era arrastado em direção ao Porsche segundos depois.

— Shannon! — berrou. Shannon? Franzi o cenho. — Querida, por favor, me ajuda com ele!

A porta do passageiro se abriu e uma das pessoas que eu menos desejava rever na vida apareceu. Nossos olhares se encontraram, ela sorriu e um maldito arrepio tomou minha espinha.

Meu Deus...

Não estou preparado pra essa porra...

— Vocês... Como...

— Deixa as perguntas pra depois, Tom! — ela respondeu, me ajudando a entrar no carro. — Está se sentindo bem?

— Sim... Acho que sim...

— Ótimo.

Porém, eu não estava. Ao longo do percurso silencioso, meu estômago dava piruetas. Senti a bile parar na garganta, minhas bochechas inflarem e engoli de volta com os olhos arregalados. Essa foi por pouco. Nikki me encarou pelo retrovisor.

— Cara, você tem certeza que 'tá bem?

É claro que tenho certeza, Sixx.

Shannon Blythe

Já era quase meia-noite e todos, menos eu, totalmente chapados. Enquanto Vince dançava uma valsa bêbada, Tommy dizia frases sem sentido, Mick dormia no chão e Nikki beijava, chupava e mordia meu pescoço incessantemente. Apesar da monotonia, aquela estava sendo a melhor virada de ano de todos os tempos (lê-se: "da minha vida inteira"). Bebi mais cerveja Budweiser direto da lata e traguei o cigarro.

— Shan... Eu andei pensando... — a voz do moreno saía arrastada. — Se aquela criança tivesse nascido, ela se pareceria com você...

— Shhh, querido, shhh... — sussurrei com ternura.

— Uma menina linda, doce e delicada...

— Sim, amor. Uma menina linda, doce e delicada.

* * * *

Durante a queima de fogos, Nikki e eu ficamos abraçados, um no aconchego do corpo do outro. Da ampla varanda de Vince, podia se enxergar a faixa de praia detrás de duas colinas e o céu escuro era iluminado por explosões barulhentas e coloridas que indicam que um novo ano estava começando... Apenas começando. Um ano de vitórias, sem brigas ou desavenças, um ano melhor do que 1985.

— Eu te amo! — Nikki gritou para a vizinhança inteira ouvir. — Eu te amo, Shannon Blythe!

— Eu te amo muito, Nikki Sixx! — sorri emocionada e nos beijamos.

Um ano muito melhor do que 1985...

Call Girl | Nikki SixxOnde histórias criam vida. Descubra agora