Cap. 36

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Minha irmã me olhava com pena, como se não pudesse fazer nada para me fazer se sentir melhor nesse exato momento, e eu sei que se ela pudesse, ela faria.

— Você acha que eu gosto de te ver chorar por não conseguir fazer nada por mim? — Mais lágrimas caem dos meus olhos. — Caramba, meu, claro que não!

— Eu queria tanto tirar essa dor de dentro do seu peito. Tomar para mim essa escuridão em que você vive. Eu só queria ver você saudável de novo. Tudo o que eu mais queria era te ver feliz novamente.

Eu estou cansado, Maia — sinto meus olhos formando um mar de lágrimas.

A morena cacheada sentou ao meu lado, me abraçando. Eu sentia meu ombro molhado, ela ainda chorava, porém com mais intensidade.

— Você não está sozinho. Eu já te falei — se afasta. — Você tem razão. A gente não sabe como é estar na sua pele. Não temos depressão, não temos pensamentos negativos a maior parte do tempo, nem pensamos em nos matar a todo instante. Mas de uma coisa nós sabemos: a gente vai estar contigo até o fim. Mesmo que passem mais quatro, sete ou dez anos. Porque família é o que temos de mais importante, e se um membro está mal, automaticamente todos ficam mal também. Claro que não gostamos de te ver assim, nem de pensar que você está assim enquanto estamos vivendo nossas vidas, mas você jamais será um peso para nós.

Eu já estou tão cansado de falar sobre esse turbilhão de sentimentos que me corroem, que fiquei apenas ouvindo ela.

— Olha para mim e me prometa uma coisa — segura meus braços, me fazendo olhar para ela. — Promete que vai aceitar a nossa ajuda e pelo menos tentar? Eu imagino que seja difícil para você, mas será que juntos não fica mais fácil?

Suspiro.

— Miguel, promete que vai aceitar a nossa ajuda e mudará sua vida daqui para frente?

— Eu não posso prometer o que não vou cumprir.

— Miguel — repreende.

— Eu vou tentar — não era bem nisso que minha mente acreditava.

— Você promete?

— Eu vou tentar — repito, não queria prometer algo tão sério.

Maia segura uma das minhas mãos, sentindo cada textura e relevo dela, e em seguida voltando a olhar para mim.

— Eu não quero te pressionar. Não precisa tentar de uma vez. Não precisa fazer o impossível agora. Só... dê o seu melhor todos os dias, tá? Toda vez que for pensar em desistir ou não fazer algo, lembra de mim. Tenta por mim. Eu sei que com isso, dia após dia por um espaço de tempo, você já vai ter feito muito mais do que fez nesses dois anos. E eu vou estar ao seu lado comemorando suas pequenas vitórias — toca meu rosto com as duas mãos, sorrindo de lado. Assinto, concordando com o que minha irmã falou. — E o primeiro passo é comer os sonhos que eu trouxe — risos.

— Ah, não, eu juro que não estou com fome — nego.

Maia até ia retrucar, mas preferiu seguir o que falou sobre não me pressionar e apenas sorriu, aceitando.

A partir desse dia as coisas mudaram um pouco.

— Vai com Deus, filho! — Meu pai diz em voz alta, acenando para mim, enquanto eu caminho em direção à fila do meu voo.

— Até logo! — Sarah, Maia, Romero e Clara exclamam.

— Tchau! — Mando beijo para eles e finalmente dou as costas, enfrentando o meu destino à partir de agora.

Me sento próximo da janela do avião sem notar quem sentou ao meu lado. A sensação de estar passando por cima das nuvens era de liberdade, uma coisa boa que não sei explicar. Como se mudar de cidade ou país curasse minha depressão, né? Mas, sei lá, quem sabe ajuda. Ficar trancado naquele quarto, naquela casa, também não parecia mudar nada. Talvez eu fique trancado no meu próximo quarto, mas dane-se, eu estarei trancado no meu quarto na Austrália. Sempre quis dizer isso.

O avião está pousando e ainda não consigo acreditar que estou fazendo essa loucura. A última psicóloga que tive no Brasil me disse que eu tinha que superar meus medos e traumas enfrentando eles, e cá estou, pousando em outro país para recomeçar uma nova vida. É, acho que ela não quis dizer nesse sentido...

— Jesus Christ — olho para a minha camisa branca, que agora já não estava tão branca assim.

— Oh, my god! I'm so sorry. I can pay...

Que maravilha, começamos com o esquerdo — reviro os olhos. — Never mind, ok? I need to go.

— Você é brasileiro — afirma, surpresa. Olho para o rosto dela, é uma mulher de cabelo preto até os ombros, olhos azuis e piercing no nariz. Bonita, até.

— É, e você também — viro as costas, procurando por um banheiro.

Além de tudo o café estava quente. Eu devo ter feito algo muito sério na minha vida passada para ter que passar por tudo isso não dia de hoje, só pode. O aeroporto estava bem cheio, se eu não tivesse parado para perguntar à um segurança onde ficava o banheiro, talvez estivesse procurando um até agora.

Sem tirar a camisa, coloquei a parte manchada debaixo da torneira, afim de esfregar e a mesma sair com a água, mas não saiu por nada.

— Não acredito.

Torci a parte molhada e deixei por isso mesmo, a mancha não sairia assim tão fácil, ainda mais em um banheiro de aeroporto. Visto meu moletom e parece que nada aconteceu ali. Saio do banheiro, indo direto para a entrada do aeroporto. Daqui até onde vou ficar hospedado é uma caminhada e tanto, a opção mais interessante no momento seria pegar um táxi, e assim fiz.

É a minha primeira vez na Austrália, mas fingindo costume por aqui. Quem me vê de longe nem imagina que estou com o mapa da cidade e dos meios de transportes a todo momento no celular.

— Welcome to Gold Coast — o motorista diz após estacionar o carro em frente ao prédio.

— Thank you — sorrio, agradecido.

Saio do carro ao pagar, vendo o mesmo se distanciar aos poucos. Olho melhor para o prédio, que é bem bonito e limpo ao redor. Respiro fundo, agora começa a maior mudança da minha vida.

— Miguel?

Olho para o meu lado esquerdo, me deparando com Kaique, o brasileiro que conheci pela Internet e vai dividir o quarto comigo.

— E aí, Kaique — nos abraçamos.

— Como foi a viagem? Curtiu o lugar? — Olha ao redor, mostrando do que estava se referindo. Tudo isso sem tirar o sorriso do rosto.

Só pelas suas expressões e o jeito de falar eu já sabia que era um cara bacana, super carismático, que ama morar aqui na Austrália.

— Foi tudo tranquilo, só tive um imprevisto no aeroporto, mas está tudo bem. E o lugar é lindo. Cada canto daqui é encantador.

— Você está igual a mim quando cheguei na Austrália — risos. — E se você já achou o caminho do aeroporto até aqui bonito, meu amigo, você não viu o resto da cidade...

— É o que eu mais quero.

— Então bora deixar suas coisas lá em cima e aproveitar o resto do dia turistando um pouco por aí — dá tapinhas no meu ombro, caminhando comigo em direção ao interior do prédio.

Kaique está arrancando risadas de mim fácil já nesse primeiro dia de intercâmbio. Ele é uma pessoa muito simpática e simples, e esses foram alguns dos principais motivos pelo qual eu me interessei em dividir um quarto com ele. Eu queria um mano para poder continuar sendo eu mesmo, sem ter vergonha de como agir ou do que falar, conversar sobre coisas que só homens entendem, e pelo visto já deu certo. Ainda temos tempo para nós acostumarmos um com o outro e testar essa amizade no dia a dia, mesmo que a gente passe a maior parte do tempo estudando e trabalhando. Sinto que vai dar bom.

Para Sempre Desde SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora