Cap. 07

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Entramos no carro, Maia estava quase dormindo de novo no banco de trás. Olhei no visor do rádio e já se passavam das 02h da manhã. Fiquei pasmo vendo aquilo. A gente falou tanto "amanhã a gente volta", "amanhã..." que nem nos tocamos que já é esse amanhã.

As ruas de São Paulo, principalmente de noite, me trás uma leveza, uma paz tão grande, que nem consigo explicar. Na rádio tocava um dance qualquer que fez mais sentido ainda para essa paz que eu disse sentir. Saudade de uma danceteria.

- Te amo - deposito um beijo demorado em seus lábios antes de ela sair do carro junto com as meninas e eu voltar para o hospital.

- Qualquer coisa me liga.

- O mesmo.

Me despedi também de Maia, que parecia uma morta viva de tanto sono, e de Luciana, meio abatida também. Dei uma ré para sair da situação que me coloquei com o carro e em seguida voltei para a pista. Tocava Maroon 5 - Sugar. Eu só conseguia pensar no meu casamento com Nanda. Me peguei sorrindo de repente para o nada. Ao mesmo tempo me sentia em um clipe, se não fosse o motivo sério que eu estava a sair de carro na madrugada. Estacionei o carro, vou tentar ligar de novo para meus tios. Se nada der certo eu ligo para o meu pai ou a Sarah. Se bem que está tarde... Eles não estavam online em nenhuma rede social, acho melhor tentar mais tarde, logo pela manhã.

•••

Acabei dormindo no carro e nem lembro como. Olho no visor do celular; 09h37. Suspiro fundo. Vejo uma ambulância se aproximando, logo médicos e enfermeiros passando o paciente do próprio hospital para uma maca dentro do automóvel. Provavelmente o levando para um hospital melhor para tratar do caso dele, que ao meu ver não parecia ter nada de errado em seu físico exterior. Peguei a sacola que deixo minha pasta de dente e escova reserva no porta-luvas, meus documentos e também os de Clara, que Luciana deixou comigo antes de entrar no condomínio. Tranquei as portas do carro com um clique no chaveiro, logo senti o sol me cegar por instantes. Para quem estava dormindo em um carro com papel insulfilm, sair de repente e dar de cara com o sol é meio estranho.

Ao mesmo tempo senti uma sensação boa vendo já de manhã aquele sol aberto sem nuvens. Entrei no hospital, mostrei os documentos e até me liberaram para ver minha prima, mas antes passei no banheiro e escovei os dentes. Só depois de ter voltado no carro e deixado a sacola que eu subi para o segundo andar no quarto 13, onde ela estava. Pelo pequeno vidro da porta já avistei ela, no mesmo instante que ela despertou. Dei dois toques na porta, abrindo-a em seguida. Clara me olhou abrindo um sorriso. Estava cheia de curativos e havia vários aparelhos ligados nela para observarem seu estado de saúde, que parecia bom. Minha prima também mostrava sinais de cansaço.

Me aproximei do leito e toquei em seus cabelos castanhos claros e ondulados, que só não estavam tão macios como de costume por conta de tudo o que passou, os fazendo se embaraçarem.

- E aí, pequena, como está se sentindo? Você nos deu um susto, hein? - sorrio.

- Agora acho que bem - sorriu de canto.

- Eu vou ligar para as meninas e informar que você já acordou. Elas só foram para casa descansar porque insisti, senão estariam aqui esperando.

Ela parece feliz ao ouvir isso. Se sentir amada.

- Como a Maia está? A Lu?

- Estão bem. Maia só ficou emotiva demais ontem, acabou dormindo de tanto chorar. Já a Lu passou por um médico para fazer uns curativos e tomar soro. Mas estão bem.

Clara suspirou, provavelmente de alívio.

- Está sentindo dor?

- Não, na verdade só um leve incômodo aqui - posiciona sua mão no lugar onde foi feita a cirurgia.

- Ainda agora o médico me informou que só foi feita uma cirurgia porque o caso foi um pouco mais sério do que o normal, mas ainda sim não tem com o que se preocupar por ora. Só em se recuperar, tomar os remédios certinho e frequentar a fisioterapia.

Ao ouvir tudo aquilo me olhando com atenção, seus olhos pararam na vista que a janela permitia.

- Eu sei que é um baque. Existem pessoas cruéis no mundo, até demais. Mas você sabe que o bem sempre vence. Nem a Lu nem a Maia viram os rostos dos agressores, talvez se os vissem de novo... Não temos placas de carro, moto... o que podemos fazer é checar as câmeras dos estabelecimentos próximos do local onde tudo aconteceu, se vocês quiserem, e eu vou apoiar como sempre te apoiei em qualquer passo seu. Eu não posso imaginar ou dizer como é estar no lugar de vocês. Mas uma coisa eu tenho certeza, vocês não são esses monstros pecadores que muitos dizem por aí. Vocês não estão fazendo nada de errado. Vocês são como pessoas que nasceram para ser. É difícil, as pessoas não vão enxergar isso tão cedo, ou talvez nunca. Pelo menos a maior parte delas. Mas mesmo que o mundo vire as costas para vocês, eu estarei onde sempre estive para acudir e amparar vocês. Vamos tentar encontrar esses covardes, mas fique ciente de que se não conseguirmos, o meu apoio você sempre terá.

Seus olhos estavam lacrimejados, como se todas as lágrimas juntas em um amontoado estivessem congeladas.

- Você é incrível. Eu não consigo te dizer o porque exatamente, mas é o melhor primo que eu ou qualquer pessoa poderia ter. Na verdade nossa família é maravilhosa por completo. Meus pais aceitaram numa boa, tirando a preocupação do que sempre acontece com os LGBTQI+, nossos avós apesar de ter sido tudo diferente na época deles, também super aceitaram. Você, meu braço direito aqui em São Paulo... Eu só tenho a agradecer, sério. Eu poderia sofrer o que sofro mil vezes, mas com o apoio de cada um de vocês é e sempre será muito mais fácil de superar.

- Errado seria não te apoiar - sorrio.

Liguei para as meninas avisando que passaria lá para buscar elas depois de trocar um bom papo com minha prima. Também liguei para meus tios, eles ficaram muito, mas muito preocupados com o que aconteceu com Clara, tanto que estão providenciando uma passagem aérea para São Paulo entre hoje e amanhã mesmo. Passei o celular para Clara, que apenas ria com os pais super preocupados. Não é para menos, eu super entendo o lado deles, agiria da mesma forma. A gente vai ficando velho e vai criando uma maturidade tão grande, tão forte, impossível deixar de ver o lado dos nossos pais ou tios por diversos momentos.

Nanda conversou bastante com minha prima, junto com Maia e Luciana, mas por um instante eu a chamei e saímos do quarto, deixando as três a sós. Avisei que íamos dar uma volta pelos arredores do bairro em que o hospital se encontrava e qualquer coisa era só me ligar.

- Para onde está me levando? - Pergunta rindo. Aquele sorriso dela era de matar qualquer bobo apaixonado.

- Para tomar café da manhã com seu noivo em um restaurante muito bacana que achei por acaso, ou você está recusando o meu pedido? - Finjo estar chateado.

- Para de ser bobo, sabe que topo tudo com você - eu amo essa mulher e não é pouco não.

Uns quinze minutos digirindo eu estacionei o carro no estacionamento aberto e gratuito do restaurante. Não parecia muito grande nem muito movimentado, mas era bonito, mesmo sendo simples. Mais um ponto mega positivo foi o atendimento, e podemos dizer com todas as letras que foi um dos melhores que já presenciamos.

Para Sempre Desde SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora